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Do lat. comentum, in. (invenção, ficção, plano, projecto), ligado ao v. contueor, eris (olhar atentamente para, contemplar, ver, divisar). Narração oral ou escrita (verdadeira ou fabulosa); obra literária de ficção, narração sintética e monocrónica de um fato da vida. Podemos afirmar que o contar é tão antigo quanto a vida em comunidade, pois é inerente à natureza humana, o falar, a necessidade, de comunicarmos ao outro o que sentimos, descobrimos, queremos desejamos, etc. Como o é também a curiosidade de ouvir, conhecer, sabermos dos outros. E cada qual contando e ouvindo de acordo com sua imaginação, fantasia, temperamento. Fácil é imaginarmos que, em tempos primitivos, foi das diferenças de temperamento ou fantasia dos que falavam, que foram surgindo aqueles que fabulavam. Isto é, os “contadores”, aqueles que (por particular magia da voz e da imaginação) fabulavam os fatos ou acontecimentos e davam-lhes uma forma-de-dizer sedutora que seus ouvintes passavam a repetir e que se transformava na versão dominante, no conto que, de geração para geração, era narrado e transformado em detalhes ou variantes, pois como diz o ditado: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”.

Juan Valera (1824-1905), notável escritor e erudito humanista espanhol, analisando a omnipresença do conto na tradição de todos os povos da antiguidade (mesmo naqueles que desconhecem poesia épica, filosofia ou legalização), justifica o fenómeno como resultante da necessidade humana de conhecer e de comunicar-se: “O pouco comum (e difícil) que era a comunicação dos homens de uma região com outras; as vagas notícias sobre a geografia e o perigo das peregrinações por mar e por terra, deram origem a multidões de histórias, que se transformarem em contos ou novelas. Gigantes enormes e descomedidos, ogros que viviam de carne humana, pigmeus que combatiam contra gruas, entes fantásticos, ciclopes de um só olho, faunos e sátiros e centauros; repúblicas e reinos que não se sabe onde se localizam ou que afundaram no seio dos mares, tudo isto foi aparecendo e dando assunto a mil narrativas orais, muitas das quais foram escritas depois e criaram a tradição dos contos.” (apud Sainz Robles).

A verdade é que essa “tradição” está fundamentada em copiosas colecções de contos exemplares ou licenciosos, contos maravilhosos e contos alegóricos ou contos satíricos; miscelâneas de fábulas orientais e esópicas, apólogos, parábolas, alegorias, sermões, anedotas satíricas ou picantes que surgiram na Idade Média (séc. X-XV) e constituem hoje uma verdadeira floresta de livros e textos, recolhidos de uma milenar tradição oral, cuja origem primeira foi localizada na Índia, milénios antes de Cristo, e dali derramou-se por todo o mundo conhecido.

Traçar o panorama exato das origens, peregrinação, multiplicação e difusão do conto no mundo, é tarefa impossível, pois como género literário dos mais antigos, ele é indissociável da vida. Como esta, o conto foge a qualquer definição absoluta ou tentativa de classificação inquestionável. A intrincada rede de reorganizações, classificações, definições e hipóteses construídas, através dos séculos, por milhares de estudiosos, apenas nos permite detectar algumas linhas de conexão entre as épocas, pontuadas por livros e autores que, de maneira indiscutível, se transformaram em marcos históricos do percurso do conto como género literário. Tentaremos um quadro geral dessas “linhas de conexão” e “marcos históricos”, selecionadas por uma perspectiva que se pretende actual.

O conto literário europeu (e por extensão, o americano) é de origem oriental, ou mais precisamente, hindu. Há concordância entre os mais importantes estudiosos e pesquisadores que pelo menos duas colecções de contos orientais estão na origem (ou serviram de paradigma) das narrativas que fizeram o encanto dos ocidentais europeus durante a Idade Média e a Renascença. Essas duas colecções-fontes são: o Pantschatantra (Os Cincos Livros) e o Hitopadexa (A Instrução Útil), surgidas séculos antes de Cristo.

Ambas pertencem ao grande caudal da literatura hindu, escrita em sânscrito (idioma sagrado da Índia) e existente bem antes do aparecimento de Buda (nascido no séc. V. aC.). Literatura da qual, os sacerdotes da nova religião, escolheram alguns episódios exemplares (contos, apólogos, lendas …) para difundirem na Índia e na China os preceitos budistas. Com o passar dos séculos, e já despidos do seu conteúdo ou intencionalidade religiosos, tais contos se espalharam pelo mundo, em versões chinesas, persas, árabes, gregas, latinas, etc.

O mundo do Pantschatantra e do Hitopadexa é o do maravilhoso ilimitado que desfaz as fronteiras entre real e imaginado, e onde homens e animais convivem em perfeita igualdade. Os assuntos, que vão do quotidiano mais simples, ao fantástico mais inverossímel, alimentaram a imaginação da humanidade durante séculos. A estrutura formal dessas colectâneas é labiríntica: os episódios penetram uns nos outros e se embaralham. Como se diz em Mar de Histórias: “Os contos estão entrelaçados: a primeira história não acabou, e uma das personagens começa a narrar outra, na qual por sua vez, outras se acham encravadas. Acotovelam-se nesse estranho labirinto, as figuras mais singulares: a mulher que deu à luz uma cobra; o pássaro de duas cabeças que perece por causa de uma briga entre elas, o chacal azul que renegou seus irmãos de raça, as serpentes indiscretas que, numa desavença, imprudentemente revelam cada uma o segredo da outra, em presença de uma mulher …” (A. Buarque & P. Rónai). A esses episódios, acrescentamos o célebre conto de critica aos sonhos altos demais: o “Bramane e a escudela de farinha” que, em cada nação, ganhou uma nova versão: “O Monge e o jarro de manteiga “ (Calila e Dimna); “Perrette, a leiteira e o jarro de leite” (La Fontaine); “Mofina Mendes e o jarro de azeite” (Gil Vicente), “Dona Truhana” (Conde Lucanor), “Elza, a sábia” (Irmãos Grimm) etc. Conto exemplar que até hoje vem sendo reinventado sob as mais diferentes formas.

Dessas duas colecções famosas derivaram outras três: Calila e Dimna, Sendebar e Barlaam y Josafat que engrossaram o caudal de narrativas que fizeram germinar o conto ou a novelística européia. Acrescente-se, ainda, como colecção–fonte, As Mil e Uma Noites (espécie de desaguadouro das narrativas orientais das mais diversas origens), cuja versão árabe do séc. VIII (que serviu de texto para a tradução francesa de Gallan, no início do séc. XVIII foi uma das maiores influências recebidas pela novelística ocidental europeia.

Claro está que entre essas colectâneas inaugurais, surgidas antes de Cristo, e a produção ocidental europeia, tal como a conhecemos hoje, houve, a partir da Idade Média, uma série de colecções que, em cada nação, adaptando ou reinventando as primeiras, se tornaram, por sua vez, as principais fontes de difusão dos contos nas nações modernas do ocidente. Citando as mais importantes: O Conde Lucanor de Juan Manuel (Espanha – séc. XIV), Contos de Canterbury, de Geoffrey Chaucer (Inglaterra – séc. XIV); Decameron de Boccaccio (Itália – séc. XIV) e outros de repercussão mais restrita. Em todos eles, a exemplaridade vai par e passo com a sabedoria prática, o anedótico, o picaresco, a malícia apenas sugerida ou transformada em vulgaridade picante, por vezes obscena. Em todos eles, destaca-se também o aperfeiçoamento ou o burilamento da língua em que falavam ou escreviam, num momento em que as novas línguas adquiriam sua feição definitiva.

Desses “marcos históricos”, brotaram dezenas de outras colectâneas, em que se misturavam contos, apólogos, fábulas, alegorias, lendas … e que, por duas vias (a tradição oral, popular e a tradição escrita, erudita), geraram o desmesurado acervo da novelística medieval e renascentista europeia (séc. X-XV), hoje transformada, para nós, em Tradição ou Folclore, que o nosso século empenha-se em redescobrir ou reinventar.

Desde as origens, o conto é definido, formalmente, pela brevidade : uma narrativa curta e linear, envolvendo poucas personagens; concentrada em uma única acção, de curta duração temporal e situada num só espaço. Dessa necessidade de brevidade, deriva a grande arte do conto que, mais que qualquer outro género em prosa, exige que o escritor seja um verdadeiro alquimista na manipulação da palavra.

Por muitas que tenham sido as discordâncias entre escritores e teóricos acerca da forma “conto” (Mário de Andrade chegou a dizer: “É conto tudo o que o escritor chamar de conto.”), um dado persiste como indiscutível, ao analisarmos em conjunto aqueles consagrados pelos tempos: a brevidade ou densidade dramática e sedução de linguagem. Enquanto o romance se constrói com várias células dramáticas, pois procura expressar a vida humana em seu todo complexo, através de um conflito individual, o conto expressa apenas uma “fatia”, um “momento” dessa vida, um fragmento expressivo de todo. É dessa intencionalidade que surge a técnica de construção de conto: concentração de elementos (e não, expansão, como acontece no romance); uma só célula dramática, um único eixo temático, um único conflito. Os quatro elementos básicos que entram em sua composição (personagens, factos, ambiente e tempo), são iguais ao romance, as apresentam-se condensados, conduzidos sem desvios para o desfecho final. O conto exige, acima de tudo, a arte da alusão, da sugestão … daí o ter-se transformado na forma predileta das narrativas fantásticas e de suspense.

Se partirmos das origens da literatura portuguesa, nos séculos medievais, veremos que os registos históricos apontam a circulação de “contos” de tradição oral (reunidos por Teófilo Braga em Livros Populares Portugueses, 1881), vindos da grande fonte oriental, já referida. Só no séc. XVI, aparece o primeiro contista português, Gonçalo Fernandes Trancoso, autor da colectânea Contos e Histórias Proveito e Exemplo (1575), trinta e nove narrativas (com raízes no Decameron de Boccaccio) que tiveram larga popularidade nos séculos XVII e XVIII. Inclusive, essa colectânea foi uma das grandes fontes de histórias para crianças que, hoje, fazem parte do acervo da Literatura Infantil Clássica em Portugal e no Brasil (note-se que no Nordeste brasileiro, até hoje, quaisquer histórias populares são chamadas de “Histórias de Trancoso”):

A Era Clássica (séc. XVII e XVIII), época de fermentação de ideias e transformações estruturais e não, de sínteses, não foi propícia ao cultivo do conto. As formas que então circularam, como histórias curtas, foram os apólogos ou textos exemplares de Manuel Bernardes (Nova Floresta, Mistérios da Virgem …) e de Sóror Maria do Céu (Aves Ilustradas, 1734).

A Era Romântica (séc. XIX) foi marcada pelo género romance (aquele que dava uma visão global da Sociedade que então se consolidava. Em sua primeira fase (1ª- metade do séc. XIX), o romantismo conheceu alguns romancistas que também escreveram contos, no geral, de natureza histórica ou eram embriões de romances, isto é, não correspondiam à visão-de-mundo fragmentada e sintética que seria própria do género. (Alexandre Herculano, Lendas e Narrativas, 1851; Rebelo da Silva, Contos e Lendas, 1873 e Trindade Coelho, Meus Amores, 1891).

Com a geração Realista (2ª. Metade do séc. XIX), o conto alcança prestígio na prosa dramática de Fialho de Almeida (Contos, 1881 e A Cidade do vício, 1882). Raul Brandão estreia como escritor naturalista, com Impressões e Paisagens, 1890. No geral, o grande número de contos realistas publicados não chegou a bom nível literário, pois, como parecia um “género fácil”, atraiu um sem número de principiantes que tenham ter acesso à carreira de escritores. Inclusive Eça de Queirós publica contos que, ou são pequenos romances (Singularidades de Uma Rapariga Loura, 1873) ou são embriões de romance (“Civilização”, 1874) transformado depois no romance (A Cidade e as Serras, publ. post.).

No início do século (anos 10/20) surgem simultaneamente diferentes escritas de contos: a forma oscilante entre lirismo e realismo (Carlos Malheiro Dias, A Vencida, 1907; António Patrício, Serão Inquieto, 1910; Manuel Teixeira Mendes, Gente Simples, 1909); a forma oscilante entre civilização e regionalismo (Aquilino Ribeiro, Jardim das Tormentas, 1913; Adelaide Félix, Miragens Torvas, 1921 e Personae, 1926), a experimental cubista ou futurista (Almada Negreiros, Frisos, 1915, Saltimbancos, 1916 e K4 Quadrado Azul, 1917). Nesse período, a narrativa romanesca, sob a influência do Simbolismo/Decadentismo, começa a esgarçar-se como trama, mas não chega à síntese exigida pelo conto (Raul Brandão, Húmus, 1917 e Mário de Sá-Carneiro, Princípio, 1912 e Céu em Fogo, 1915).

Em finais dos anos 20 (coincidindo com o surgimento da revista Presença, 1927-1940), o género conto entra em ascensão. Contos centrados na vida comum, quotidiana, “filtrada” por um eu-narrado consciente do sem-sentido da existência ou tocado pela força indomável na vida natural. Nessa linha, destacam-se: Irene Lisboa (Contarelos, 1926; Uma Mão cheia de nada e Outra de coisa nenhuma, 1955; Queres ouvir? Eu Conto, 1958); Braquinho da Fonseca, (Zonas, 1931; Caminhos Magnéticos, 1938; Rio Turvo, 1945 e Bandeira Preta, 1956); Miguel Torga (Bichos, 1940; Contos da Montanha, 1941; O Senhor Ventura, 1943; Novos Contos da Montanha, 1944 e Vindima, 1945); José Marmelo e Silva (O Sonho e a Aventura, 1943) e José Régio (Histórias de Mulheres, 1946).

No período inicial do Neo-Realismo (anos 40/50 Humanismo Bramático), apesar do predomínio do romance, o conto destacou-se na obra de inúmeros romancistas, José Cardoso Pires (Caminheiros e Outros Contos, 1949; Histórias de Amor?, 1952; Jogos de Azar, 1963, O Burro em Pé, 1979 e A República dos Corvos, 1988) Manoel da Fonseca (A Aldeia Nova, 1942; O Fogo e as Cinzas, 1951; Um Anjo no Trapézio, 1968 e Tempo de Solidão, 1973); Manuel Ferreira (Grei, 1944; Morna, 1948; Morabeza, 1958 e Terra Trazida, 1972); Mário Braga (Nevoeiro, 1944; Histórias de Vila, 1958; Quatro Reis, 1957; Os Olhos e as Vozes; 1971; Serranos, 1948); Domingos Monteiro (Contos do dia e da noite, 1952; Histórias Castelhanas, 1955; Histórias deste Mundo e do Outro, 1961; O Dia Marcado, 1963 e Contos de Natal, 1964).

A partir dos anos 50/60 (período do realismo Contraditório, ou melhor, fusão da consciência participante com o subjectivismo existencial), o conto, embora ainda cultivado por alguns romancistas e novelistas, vai aos poucos perdendo seu contorno de “intriga” ou de uma “situação” a ser narrada, para se perder na interioridade de um eu-narrador em conflito com o meio, ou perdido em seu próprio labirinto. Destacam-se nesse período: Urbano Tavares Rodrigues, (A Porta dos Limites, 1952; Aves da Madrugada, 1959; Nus e Suplicantes, 1960, Dias Lamacentos, 1965, Contos da Solidão, 1970 e Filipa nesse dia, 1989); José Rodrigues Miguéis (Léah e outras Histórias, 1958; Onde a Noite se acaba, 1946; Pass(ç)os confusos; 1982; Além do Quadro, 1983 e Sete Perdida, 1995); Maria Judite Carvalho (Tanta Gente, Mariana, 1959; As Palavras Poupadas, 1961; Paisagem sem Barcos, 1963; Flores ao Telefone, 1968; Os Idólatras, 1969; Tempo de Mercês, 1973; Além do quadro, 1983 e Seta Perdida, 1995); Sophia de Mello Breyner Andresen (Contos infantis: A Menina do mar, 1958; O Rapaz de bronze, 1956; Contos Exemplares, 1962 e Histórias da Terra e do Mar, 1984); Maria da Graça Freira (As Estrelas moram longe, 1948; Os Deuses não respondam, 1959; As Noites de Salomão Fortunato, 1964 e O Inferno está mais perto, 1971); Natália Nunes (A Mosca Verde e outros contos, 1957).

A partir do Experimentalismo dos anos 60/70, a fragmentação narrativa invadiu as formas tradicionais do romance e novela e passou a competir com a forma sintética do conto, para registar apenas “fatias” de vida, momentos de vivências fragmentadas. Desaparece o sentido do “todo” ou da unidade do viver. Talvez isso explique a escassez de contistas entre os escritores considerados de vanguarda ou pós-modernos (anos 60/90). A forma conto, actualmente, predomina nas áreas do non-sense, do fantástico, do mágico ou do absurdo (linha de Kafka, Borges, Cortázar ..), ou ainda, do erotismo, – áreas que têm limitada expressão na actual literatura portuguesa, com destaque para Herberto Helder (Os Passos em Volta, 1963).

O conto surge no Brasil, nos primeiros séculos de colonização, difundido pelos portugueses, como narrativa oral. Assim, o acervo dessa primitiva narrativa tem a mesma origem que a portuguesa; e ainda hoje circula entre o povo, principalmente nas regiões norte-nordeste, embora com variantes em que se cruzam influências africanas e indígenas. Via de regra, tais “contos” são chamados de estórias de Trancoso.

Como narrativa escrita, o conto aparece na literatura brasileira, na primeira metade do século XIX, no início do Romantismo. Escritos, segundo o modelo europeu, por intelectuais jornalistas e publicados em jornais e revistas (Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Salvador …), esses primeiros textos conquistaram de imediato o público ledor e criaram a “febre do conto”. Joaquim Norberto, Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, Casimiro de Abreu … foram alguns dos romancistas e poetas românticos que se exercitaram no conto, mas sem ultrapassarem a mediania da escrita.

O primeiro grande contista brasileiro surge no final do século XIX, já no período realista: Joaquim Maria Machado de Assis, também grande romancista, cuja obra não foi ultrapassada pelo tempo, mostrando-se hoje essencialmente contemporânea. Entre seus contos, destacam-se: O Alienista; Teoria do Medalhão; Missa do Galo; A Chinela Turca; A Cartomante; Uns Braços

Entre os contemporâneos de Machado de Assis, estão os contistas: Aluísio de Azevedo (Demónios, 1893), Artur de Azevedo (Contos Possíveis, 1889; Contos Fora de Moda, 1984; Contos Efêmeros, 1987; Contos Cariocas, 1928); Adelino Magalhães (Casos e Impressões, 1916; Visões, Cenas e Perfis, 1918; Tumulto da Vida,1920); Coelho Neto (Sertão, 1896; Apólogos, 1904; Água de Juventa, 1905; Treva, 1906; Banzo, 1993); Júlia Lopes de Almeida (Traços e Iluminuras, 1886 e Histórias da nossa Terra, 1907); Lima Barreto (Histórias e Sonhos, 1920) e Virgílio Várzea (Mares e Campos, 1894).

No entre-séculos, com o crescente sentimento nacionalista (que reagia contra a hegemonia da cultura europeia, sobre o pensamento brasileiro), surge a corrente nativista ou sertanista que encontra no conto sua melhor expressão para retratar a realidade brasileira nativa. Destacam-se nessa corrente: Afonso Arinos (Pelo Sertão, 1898); Alberto Rangel (Inferno Verde, 1908); Alcides Maya (Tapera, 1911; Alma Bárbara, 1922); Hugo de Carvalho Ramos (Tropas e Boiadas, 1917); Monteiro Lobato (Urupês, 1918; Cidades Mortas, 1919; Negrinha, 1920); Simões Lopes Neto (Lendas do Sul, 1913; Contos Gauchescos, 1912) e Valdomiro da Silveira (Caboclos, 1920; Nas Serras e nas Furnas, 1931; Mixuangos, 1937 e Leréias, 1945).

A partir do Modernismo (iniciado historicamente com a Semana de Arte Moderna em S. Paulo, 1922), o conto vai crescendo em prestígio e já conquistando um “estilo brasileiro” (narrativa de tonus oral, despretencioso, com o registo de linguajar quotidiano e dando acolhida também ao linguajar deturpado dos imigrantes que alteram não só o vocabulário, mas também a estrutura da língua portuguesa). Destacam-se como contistas modernistas: António Alcantara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda, 1927 e Laranja da China, 1928); João Alphonsus Guimaraens (Galinha Cega, 1931 e Pesca da Baleia, 1941) e Mário de Andrade (Os Contos de Belazarte, 1934 e Contos Novos, 1947, post.).

No decorrer dos anos 20/40, à medida em que o conto cresce em prestígio, vai ao mesmo e tempo perdendo suas característica formais de origem: narrativa curta que regista uma situação, uma “fatia” de vida, suficientemente expressiva para sugerir o drama humano em seu todo. O conto-século XX vai-se tornando mero registo circunstancial de factos do dia-a-dia e, divulgado principalmente através de revistas e jornais, passa a ser confundido com a crónica, sendo, inclusive, tratado como género “leve”, de entretenimento.

Nos anos 40/50, o conto volta a ser a grande expressão capaz de sintetizar a complexidade da vida e, agora, já em linguagem e espírito tipicamente “brasileiros”. Nesse período surgem quatro nomes que levam o conto (e o romance) brasileiro ao mais alto nível de eleboração literária e temática: João Guimarães Rosa, na linha regionalista-metafísica (Sagarana, 1946; Primeiras Estórias, 1962 …); Clarice Lispector, na linha existencialista (O Lustre, 1946; A Cidade Sitiada, 1949; Alguns Contos, 1952; Laços de Família, 1960; A Legião Estrangeira, 1964; Felicidade Clandestina, 1971; A Imitação da Rosa, 1973; A Via Crucis do Copor, 1974; Onde Estiveste de Noite, 1974; A Bela e a Fera, 1979, post.); Murilo Rubião, na linha do Realismo Mágico ou Absurdo (O Ex. Mágico, 1947; A Estrela Vermelha, 1953; Os Dragões e os outros Contos, 1965; O Convidado, 1974; A Casa do Girassol Vermelho, 1978) e Lygia Fagundes Telles, na linha do humanismo dramático (Praia Viva, 1944; O Cacto Vermelho, 1949; Histórias do Desenconto, 1958; O Jardim Selvagem, 1965; Antes do Baile Verde, 1970; Seminário dos Ratos, 1977; Os Filhos Pródigos e Mistérios, 1981).

A produção de contos no Brasil, nestes anos 60/90 (apesar da grande voga do romance), tem sido expressiva, seja em qualidade, seja na diversificação de temas, estilos e problemáticas, seja como fusão das várias propostas modernas ou pós-modernas com o modo-de-ser brasileiro. Destacam-se, nessa produção: Adélia Prado, Ana Maria Martins, Bernardo Élis, Dalton Trevisan, Edilberto Coutinho, Hermilo Borba Filho, Hilda Hilst, João António, Julieta Godoy Ladeira, Luiz Vilela, Márcia Denser, Marcos Rey, Marina Colasanti, Miguel Jorge, Moacyr Scliar, Nélida Piñon, Ricardo Ramos, Victor Giudice …

Embora com estilos e problemáticas diversas, todos eles expressam as linhas de força que dinamizam o conto contemporâneo: a visão fragmentada própria do nosso século, – a visão de um mundo descentrado, onde o indivíduo perdeu o sentido último da vida e, reduzido a si mesmo ou à força/fraqueza de sua própria palavra, busque uma nova saída. Ou, sem saídas, só lhe restam as forças desmesuradas do erotismo, ou então testemunhar a violência gratuita que se alastrou pelo nosso universo em caos. Ou ainda, resgatar o Mito (que vem sendo um dos grandes trunfos, principalmente do romance contemporâneo)…

bibliografia:

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