Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Termo que provém do grego chorós, que, na Grécia antiga, designava um grupo de dançarinos e cantores, usando máscaras que participavam activamente nas festividades religiosas e nas representações teatrais. Na tragédia clássica, o coro é uma personagem colectiva que tem a missão de cantar partes significativas do drama. Na origem, representa a polis, a cidade-estado, ampliando a acção para além do conflito individual. De início, o texto do coro constituía a parte principal do drama, ao qual se interpolavam monólogos e diálogos. É possível encontrar coros também nas odes pindáricas, exactamente com a mesma função. Com o desenvolvimento da tragédia, o coro fixou-se como uma parte secundária do texto dramático, geralmente reservada ao comentário público. Em consequência, o coro torna-se depois uma parte perfeitamente supletiva, que apenas serve para fazer uma pausa entre os actos. Com o desenvolvimento do drama, o coro perde a sua configuração e importância original, abandonando a representação de uma personagem colectiva. A parte coral pode então ser executada por um só cantor, como acontece, por exemplo, já no drama isabelino. Pelo seu carácter repetitivo, o coro aproxima-se da função do refrão. No teatro moderno, fala-se por vezes em personagem de coro (choral character) para designar aquele actor que comenta regularmente a história representada. A função original do coro da tragédia grega não se perde nesta concepção: ele funciona sempre como um espectador ideal que se responsabiliza pelo equilíbrio das emoções e pela moderação dos discursos.

Na tragédia clássica, existe um elo de ligação muito forte entre o drama e o coro. De facto, crê-se que a tragédia tenha surgido em virtude das actuações quer líricas quer religiosas de um coro composto por dançarinos mascarados que cantavam. O coro no teatro trágico grego era formado por um grupo de actores que se mantinham afastados da acção principal da peça, dispondo-se em rectângulo, tendo por função exclusiva comentar os acontecimentos dramáticos, como atestam as peças de Sófocles e Ésquilo.

O número inicial de elementos do coro é uma questão que tem sido debatida pelos vários estudiosos deste assunto e varia consoante os diferentes géneros literários. A visão tradicional refere a existência de cinquenta pessoas (no ditirambo), que será reduzido para doze no período de Ésquilo; com Sófocles, o número é elevado para quinze. Na comédia, os coreutas eram vinte e quatro. As odes corais eram cantadas por todo o coro ou então por apenas alguns elementos, enquanto os versos do chamado coryphaeus (o líder do coro) eram falados. As despesas com o treino do coro eram delegadas num homem rico designado por choregus.

A estrutura rígida da tragédia grega previa as diferentes partes em que o coro participava: Prólogo (discurso que precede a entrada do coro); párodos, párodo (entrada e desfile solene do coro na abertura do drama); stasima, estásimos (cantos corais, que permitem a separação da acção em vários “episódios” dialogados, a que mais tarde se chamará “actos”); kommós (diálogos líricos entre o coro e uma personagem, geralmente uma lamentação); episódios (entre 2 e 4, regra geral, que constituem o desenrolar da peça, podendo ser cortados por estásimos); éksodos, êxodo (canto executado durante a saída dos coreutas e simétrico em relação ao párodo).

Quanto à personalidade do coro na tragédia grega, a discussão está ainda em aberto. Segundo Schlegel, o coro é, de facto, um espectador ideal que serve de filtro dos sentimentos da audiência, no entanto, não é um actor. Diferentemente, Ignacio Errandonea partilha a opinião de que o coro nas peças de Ésquilo e Sófocles é um verdadeiro actor, tal como Aristóteles já havia dito anteriormente. A corroborar esta ideia temos o dramaturgo espanhol, José Maria Permán: “El coro era sí, como Aristóteles dice, personaje, actor. Pero – olvidemos esto – personaje y actor colectivo […] El coro está en la tragedia griega, en cierto modo adulado y idealizado […] Se llega uma solución intermedia, en la que siendo siempre y ante todo el coro personaje y actor en el drama, no deja de cumplir esas funciones de moderación, comento y sabedoría que por descarriadios caminos se le venían atribuyendo” (José Maria Permán, Epílogo a Sófocles y su teatro, de I. Errandonea, vol. II, p.322).

O coro tinha várias funções no drama grego: é uma personagem da peça; fornece conselhos, exprime opiniões, coloca questões, e por vezes toma parte activa na acção. Ao coro competia também criticar valores de ordem social e moral e, por outro lado, tinha ainda o papel de espectador ideal ou voz da opinião pública, reagindo aos acontecimentos e ao comportamento das personagens como o dramaturgo julgava que a audiência reagiria se estivesse no seu lugar. Acresce ainda a função de elemento impulsionador da emoção dramática, conferindo movimento ao que está a ser representado e promovendo quebras de acção por forma a levar o público a reflectir sobre o que se está a passar.

No final do século V, a tragédia e a comédia tornaram-se secularizadas e perderam o seu elo com os rituais religiosos que as originaram. No entanto, o mesmo não se passou com o coro que manteve a sua alma tradicional e conservadora no drama.

O poder convencional do coro explica a razão pela qual ele tem sido revivido tão assiduamente na literatura, como é o caso, em primeiro lugar, no teatro latino, a partir de Séneca e depois no teatro moderno com, por exemplo, Castro (c.1558), de António Ferreira, Troilus and Cressida (1602), de Shakespeare, Samson Agonistes (1671), de Milton, Esther (1689), de Racine, Murder in the Cathedral (1935), de T. S. Eliot, Der kaukasische Kreidekreis, 1949), de Brecht, A View from the Bridge (1955), de Arthur Miller.

Bibliografia:

Albin Lesky: História da Literatura Grega (Lisboa, 1995); António Freire: O Teatro Grego (1985); id.: Estudos de Literatura Grega, Braga, (1987); Aristóteles: Poética (2ª ed., Lisboa, 1985); B. Vickers: Towards Greek Tragedy (1973); F. Nietzsche: A Origem da Tragédia (5ªed., Lisboa, 1988); H.D.F. Kitto: Tragédia Grega: Estudo Literário, 2 vols. (1972); J. de Romilly: La Tragédie grecque (1970); Pierre Grimal: O Teatro Antigo (Lisboa, 1986); T. B. L: Webster: Greek Theater Production (1956); Taplin: Greek Tragedy in Action (1978); W. Pickard-Cambridge: Dithyramb, Tragedy and Comedy (1927; 2ª ed., 1962).