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Movimento artístico personificado em Pablo Picasso e Georges Braque, em Paris entre os anos de 1907 e 1914, principalmente, que tinha por fim “descompor e recompor a realidade”. O estilo cubista das artes plásticas rejeitou as técnicas tradicionais de perspectiva, bem como a ideia de arte como imitação da natureza e privilegiou a bidimensionalidade e a fragmentaridade dos objectos. O nome cubismo tem uma história conhecida: o pintor francês Henri Matisse fez parte de um júri da exposição do Salão de Outono de Paris (1908), onde estava exposto o quadro de Braque Maisons à l’Estaque, que lhe mereceu o qualificativo de “caprichos cúbicos”. O quadro que definitivamente afirmou o estilo cubista foi, no entanto, Les Demoiselles d’Avignon (1907), de Picasso. O período de 1910 a 1912 é conhecido por cubismo analítico, porque os quadros entretanto revelados analisam abstractamente, desafiando todos os cânones, a forma dos objectos e das figuras humanas. O movimento fica consolidado com duas obras teóricas: Du cubisme (1912), de Albert Gleizes e Jean Metzinger, e Les peintres cubistes (1913), de Guillaume Apollinaire. A fase seguinte é conhecida por cubismo sintético, porque se busca uma síntese das formas, apoiadas por cores fortes, e figuras mais decorativas e amplas, aproveitando também colagens de vários materiais, como jornais, fotografias, ou invólucros de tabaco. Estava aberto o caminho para a anulação do limite do real na pintura.

O cubismo pictórico estendeu-se a outras artes como a escultura (Alexander Archipenko, Raymond Duchamp-Villon e Jacques Lipchitz, a arquitectura (Le Corbusier) e a literatura. Neste campo, vários escritores se associam ao movimento plástico, como Max Jacob, André Salmon e sobretudo Apollinaire. O cubismo literário afirma-se a partir de um artigo de Georges Polti, aparecido na revista Horizon (15-11-1912) e durará até 1920, sendo divulgado em várias revistas literárias. Tornam-se obras de referência do cubismo literário títulos como Le Cornet à dés (1917), de Max Jacob,  Espirales (1918), de P. Dermée, Calligrames (1918), de Apollinaire, e Le Cap de Bonne-Espérance (1919), de J. Cocteau.

Em Portugal (mas vivendo em Paris), Santa-Rita Pintor descobre a nova estética, expondo o seu quadro O Silêncio num Quarto sem Móveis, no Salão dos Independentes, em Paris. Mário de Sá-Carneiro, companheiro de Santa-Rita em Paris, é o primeiro a atentar no cubismo literário e artístico, escrevendo alguns versos segundo os preceitos desta estética. A primeira vez que se lhe refere é numa carta a Fernando Pessoa: “No entanto, confesso-lhe, meu caro Pessoa, que, sem estar doido, eu acredito no cubismo. Quero dizer: acredito no cubismo, mas não nos quadros cubistas até hoje executados. Mas não me podem deixar de ser simpáticos aqueles que, num esforço, tentam em vez
de reproduzir vaquinhas a pastar e caras de madamas mais ou menos nuas — antes, interpretam um sonho, um som, um estado de alma, uma deslocação de ar, etc. Simplesmente levados a exageros de escola, lutando com as dificuldades duma ânsia que, se fosse satisfeita, seria genial, as suas obras derrotam, espantam, fazem rir os levianos. Entretanto, meu caro, tão estranhos e incompreensíveis são muitos dos sonetos admiráveis de Mallarmé. E nós compreendemo-los. Porquê? Porque o artista foi genial e realizou a sua intenção. Os cubistas talvez ainda não a realizassem. Eis tudo.” (Cartas a Fernando Pessoa, vol.I, Ática, Lisboa, 1978, p.80). Fica ainda o registo do célebre comentário de Sá-Carneiro à catedral da Sagrada Família, em Barcelona, que classifica como uma “Catedral Paúlica (…) Sim! Pleno paulismo — quase cubismo até”. Sá-Carneiro deixou-nos em Indícios de Oiro alguns versos que são já verdadeira poesia cubista, como o poema “Cinco Horas” que contém quadras como estas:

Minha mesa no Café,

Quero-lhe tanto… A garrida

Toda de pedra brunida

Que linda e que fresca é!

 

Um sifão verdade no meio

E, ao seu lado, a fosforeira

Diante ao meu copo cheio

Duma bebida ligeira.

 

(Eu bani sempre os licores

Que acho pouco ornamentais:

Os xaropes têm cores

Mais vivas e mais brutais).

Em comentário a este poema, Alfredo Margarido nota que “não é difícil reconhecer a analogia com a pintura cubista, que fez do café, do seu mobiliário e dos objectos que aí circulam o centro vital da sua busca plástica. Por outro lado, o poema de Sá-Carneiro pertence a um registo inteiramente visual, como se o poeta estivesse a elaborar um desenho onde o carvão fosse alegrado pelas cores dos xaropes” (1990, p.101).

Fernando Pessoa esteve igualmente atento a este nova estética, embora sem a adoptar como modelo de escrita. Registam-se apenas alguns comentários e raros versos soltos próximos do cubismo. Em 1915, Pessoa escreve um “Manifesto”, onde regista as diferenças entre “cubismo”, “interseccionismo” e “futurismo”: “Intersecção do Objecto consigo próprio: cubismo. (Isto é, intersecção dos vários aspectos do mesmo Objecto uns com os outros). Intersecção do Objecto com as ideias objectivas que sugere: Futurismo. Intersecção do Objecto com a nossa sensação d’ele: Interseccionismo, propriamente dito; o nosso.” (in Pessoa Inédito, orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes, Livros Horizonte, Lisboa, 1993). Álvaro de Campos, num dos poemas dedicados a Walt Whitman, “Futilidade, irrealidade, (…) estática de toda a arte” (s.d.), esboça um poema de inspiração cubista:

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Poema que esculpisse em Móvel e Eterno a escultura,

Poema que (…)se palavras

Que (…) ritmo o canto, a dança e (…)

Poema que fosse todos os poemas,

Que dispensasse bem outros poemas,

Poema que dispensasse a Vida.

Irra, faço o que quero, estorça o que estorça no meu ser
central,

Force o que force em meus nervos industriados a tudo,

Maquine o que maquine no meu cérebro furor e lucidez,

Sempre me escapa a coisa em que eu penso,

Sempre me falta a coisa que (…) e eu vou ver se me falta,

Sempre me falta, em cada cubo, seis faces,

Quatro lados em cada quadrado do que quis exprimir,

Três dimensões na solidez que procurei perpetuar…

Sempre um comboio de criança movido a corda, a corda,

Terá mais movimento que os meus versos estáticos e lidos,

Sempre o mais verme dos vermes, a mais química célula viva

Terá mais vida, mais Deus, que toda a vida dos meus versos,

Nunca como os duma pedra todos os vermelhos que eu descreva,

Nunca como numa música todos os ritmos que eu sugira!

Nunca como (…)

Eu nunca farei senão copiar um eco das coisas,

O reflexo das coisas reais no espelho baço de mim.

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(Álvaro de Campos – Livro de Versos, edição crítica de Teresa Rita Lopes, Estampa, Lisboa, 1993)

De uma forma geral, a literatura cubista entende o poema como um objecto artisticamente autónomo, evitando o descritivo e privilegiando as descontinuidades e a fragmentaridade das ideias e dos versos. Não ordena os registos da memória, não narra o contínuo histórico, não opta por lirismos fáceis, não escreve sobre sentimentalismo amorosos. Graficamente, desafiam as convenções da escrita, não respeitam a gramática nem a prosódia, preferem a paródia da representação tradicional dos objectos.

bibliografia

Alfredo Margarido: “O cubismo apaixonado de Mário de Sá-Carneiro”, Colóquio-Letras, 117-118 (1990); Annette Thau: “Max Jacob and Cubism”, La Révue des Lettres Modernes, 474-478 (1976); Blas Matamoro: “Apollinaire, Picasso y el cubismo poetico”, Cuadernos Hispanoamericanos: Revista Mensual de Cultura Hispánica, 492 (1991); C. Gray: Cubist Aesthetic Theories (1953); Cubisme et littérature, número especial de Europe: Revue littéraire mensuelle, 638-39 (1982); E. Frye: Cubism (1978); Germana Orlandi Cerenza: “Cubismo letterario”, in Letteratura francese contemporanea: Le correnti d’avanguardia, (1982); G. de Torre: Guillaume Apollinaire. Su vida y su obra y las teorías del cubism (1946); G. Lemaître: From Cubism to Surrealism in French Literature (1941); G. Kamber: Max Jacob and the Poetics of Cubism (1971); Jennifer Pap: “The Cubist Image and the Image of Cubism”, in The Image in Dispute: Art and Cinema in the Age of Photography (1997); Jeremy Gilbert Rolfe: “Irreconcilable Similarities: The Idea of Nonrepresentation”, in Signs of Change: Premodern, Modern, Postmodern (1996); Leland Guyer: “Fernando Pessoa and the Cubist Perspective”, Hispania: A Journal Devoted to the Interests of the Teaching of Spanish and Portuguese, 70, 1 (Greeley, CO, 1987); Peter Nicholls: “From Fantasy to Structure: Two Moments of Literary Cubism”, Forum for Modern Language Studies, 28, 3 (1992); R. Admussen: “Nord-Sud and Cubist Poetry”, JAAC, 27 (1968); Stephen Scobie: “Apollinaire and the Naming of Cubism”, Canadian Review of  Comparative Literature/Révue Canadiénne de Littérature Compareé, 5 (1978); Uta Margarete Saine: “The Collage in Cubist, Dada, and Surrealist Art and Literature:
Toward an Interdisciplinary Aesthetic”, Yearbook of Interdisciplinary Studies in the Fine Arts, 1 (1989); W. Bohn: The Aesthetics of Visual Poetry (1914-1928) (1986); W. Sypher: From Rococo to Cubism in Art and Literature (1960).