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Conceito do formalismo russo e da Escola Estruturalista de Praga que traduz o conjunto de procedimentos que a linguagem literária efectua para produzir o estranhamento (ostranenie) da mensagem, cuja apreensão fica, assim, desligada dos automatismos que dominam o uso comum da língua. Dentro de uma determinada tradição literária e recorrendo a certos artifícios verbais, um escritor procura dar um sentido particular à linguagem comum, não permitindo que ela fique sujeita a automatismos que impedem a boa comunicação (interrupções do discurso, pausas, gestualização, ruídos de fundo, etc.). Depois de desautomatizar a linguagem, o escritor procurará colocar a ênfase na forma das frases, sem deixar que prevaleça a sua referencialidade. O processo de desautomatização não está circunscrito a uma regra universal e intemporal, pois está intimamente relacionado com o contexto em que ocorre: a desautomatização que os poetas barrocos fizeram para produzir textos poéticos rebuscados e herméticos já não faz sentido para os poetas românticos, que buscaram modos diferentes de construção da mensagem poética.

O termo desautomatização serve hoje também para traduzir um outro conceito do estruturalista checo Jan Mukarovský: aktualisace ou “actualização”, de sentido análogo ao conceito dos formalistas russos, tal como o conceito de desfamiliarização ou estranhamento. A actualização fica restrita aos efeitos estilísticos que ocorrem na literatura, no nível fonético e no nível semântico. Segundo Mukarovský, o que distingue a actualização, desfamiliarização ou desautomatização (termo traduzido muito cedo para inglês por foregrounding) do processo de automatização é o seguinte: “foregrounding may occur in normal, everyday language, such as spoken discourse or journalistic prose, but it occurs at random with no systematic design. In literary texts, on the other hand, foregrounding is structured: it tends to be both systematic and hierarchical. That is, similar features may recur, such as a pattern of assonance or a related group of metaphors, and one set of features will dominate the others” (Mukarovský, 1964, p. 20). Na literatura, onde a comunicação verbal não é o principal objectivo do uso referencial da linguagem, o processo de desautomatização serve para anular os automatismos da linguagem quotidiana: “Foregrounding is the opposite of automatization, that is, the deautomatization of an act; the more an act is automatized, the less it is consciously executed; the more it is foregrounded, the more completely conscious does it become. Objectively speaking: automatization schematizes an event; foregrounding means the violation of the scheme.” (1964, p. 19). Isto pressupõe que a literatura seja avaliada apenas pela sua realidade estilística e não como um acto de comunicação simples. Esta tese é similar à defendida anteriormente por Viktor Shklovsky, o formalista russo que também se pronunciou sobre os efeitos do estilo no leitor, em última análise, efeitos que nos permitem ter uma “visão” perceptiva do objecto literário. É a esta “visão” singular que também chamamos desautomatização. Para Shklovsky, a arte existe para apreendermos a vida: “it exists to make one feel things, to make the stone stony. The purpose of art is to impart the sensation of things as they are perceived and not as they are known. The technique of art is to make objects “unfamiliar,” to make forms difficult, to increase the difficulty and length of perception because the process of perception is an aesthetic end in itself and must be prolonged. (1917/1965, p. 12).

bibliografia

J. Mukarovský: “Standard language and poetic language” (1932), in A Prague School Reader on Aesthetics, Literary Structure, and Style (1965); id.: The Word and Verbal Art (1977); T. Todorov: Teoría de la literatura de los formalistas rusos (1965; 6ªed., 1991); V. Erlich: Russian Formalism: History — Doctrine (1981); V. Shklovsky: “Art as technique” (1917), in L. T. Lemon & M. J. Reis (eds. e trads.): Russian Formalist Criticism: Four Essays (1965); W. Van Peer: Stylistics and Psychology: Investigations of Foregrounding (1986)

http://www.ualberta.ca/~dmiall/reading/foregrd.htm