Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Termo proposto pelo filósofo francês Jacques Derrida, nos anos sessenta, para um processo de análise crítico-filosófica que tem como objectivo imediato a crítica da metafísica ocidental e da sua tendência para o logocentrismo, incluindo a crítica de certos conceitos (o significado e o significante; o sensível e o inteligível; a origem do ser; a presença do centro; o logos, etc.) que tal tradição havia imposto como estáveis. Do ponto de vista da análise textual, a desconstrução (termo que deve traduzir o original francês “déconstruction”, evitando a tradução por “desconstrucionismo”, porque não representa nenhuma proposta de escola de pensamento, movimento ou estética literária em particular e marcando-se assim a diferença com o movimento a que se chama desconstrutivismo na arquitectura contemporânea) tornou-se sinónima de leitura cerrada de um texto (literário, filosófico, psicanalítico, linguístico ou antropológico) de forma a revelar as suas incompatibilidades e ambiguidades retóricas, demonstrando que é o próprio texto que as assimila e dissimula. A desconstrução começa por ser uma crítica do estruturalismo, tornada pública numa célebre conferência de Derrida na Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em 1967, com o título “La structure, le signe et le jeu dans le discours des sciences humaines”. Se o estruturalismo pretendia construir um sistema lógico de relações que governaria todos os elementos de um texto, a desconstrução pretendia ser uma crítica do estruturalismo, que não passava apenas de um dos episódios da tradição metafísica ocidental que merecia ser revisto. Partindo do método especulativo de Nietzsche, da fenomenologia de Husserl e da ontologia de Heidegger, Derrida apresenta a tese inicialmente nas obras L´Écriture et la différence (1967) e De la gramatologie (1967), e tem rejeitado desde então qualquer definição estável ou dicionarizável para aquilo que se entende por desconstrução. A própria compreensão da desconstrução como método crítico ou modelo de análise textual nunca foi reconhecida por Derrida. A divulgação das ideias de Derrida nas Universidades de Johns Hopkins e de Yale, nos Estados Unidos, onde o filósofo francês conferenciou, contribuiu para o alargamento da discussão aos estudos literários, impondo-se internacionalmente como um método de análise textual, apesar das reservas de Derrida. A obra colectiva Deconstruction and Criticism (1979), que inclui ensaios programáticos de Jacques Derrida, J. Hillis Miller, Harold Bloom e Geoffrey Hartman, assegurou a obra de referência que faltava para tal divulgação internacional.

A desconstrução foi enquadrada no chamado pós-estruturalismo, primeiro movimento de auto-crítica e depois movimento de ruptura com o estruturalismo, e divulgou-se de forma mais insistente nos meios universitários norte-americanos, onde conheceu amplos debates nas décadas de setenta e oitenta, sobretudo.

Desconstruir um texto é fazer com que as suas palavras-charneira subvertam as próprias suposições desse texto, reconstituindo os movimentos paradoxais dentro da sua própria linguagem. Derrida fez repensar a forma como a linguagem opera. Desconjuntando os valores de verdade, significado inequívoco e presença, a desconstrução aponta para a possibilidade de escrever não mais como representação de qualquer coisa, mas como a infinitude do seu próprio “jogo”. Desconstruir um texto não é procurar o seu sentido, mas seguir os trilhos em que a escrita ao mesmo tempo se estabelece e transgride os seus próprios termos, produzindo então um desvio [dérive] assemântico de différance. Todo o signo só significa na medida em que se opõe a outro signo, por isso se pode dizer que é essa condição da linguagem que constantemente diferencia e adia os seus componentes que concede significância ao signo. Estas teses foram consolidadas por Roland Barthes numa fase já pós-estruturalista, que começa com o artigo “A morte do autor” (1968) e continua nos livros S/Z (1970) e O Prazer do Texto (1973). A teoria de Barthes aproxima-se da de Derrida: a leitura crítica de um texto literário não objectiva um sentido único, mas a descoberta da sua pluralidade de sentidos.

O interesse de Derrida no texto literário advém do facto de certos textos transgredirem os limites tradicionais de representação da literatura. A perspectiva do crítico literário em relação à desconstrução é um pouco diferente, pois não está imediatamente preocupado com o facto de certos textos postergarem as categorias da metafísica ocidental, mas preocupa-se antes com as propriedades singulares da escrita em si. Quer se seja contra ou a favor de Derrida, há que aceitar que, enquanto método de análise textual, o modelo desconstrucionista que ele propõe funciona efectivamente, obrigando-nos a repensar a forma como o texto é formulado. Se tomarmos em consideração as proposições dissimuladas ou impronunciadas no texto, se revelarmos os buracos negros do texto e os seus suplementos ou contradições internas de maior subtileza, o texto pode significar algo muito diferente daquilo que a princípio parecia querer dizer. Em dadas circunstâncias, um texto pode não querer dizer algo em particular, mas várias coisas muito diferentes entre si e em relação ao sentido assumido à partida, eventualmente, pelo autor desse texto. Mostrando os efeitos de différance (o sentido é constantemente diferido e distinguido, inscrevendo-se na cadeia infinita de significados que constitui o texto), marca (nenhum signo é completo em si mesmo, pois remete infinitamente para outro signo através das marcas — conotações, por exemplo — que lhe são inerentes) e disseminação (ou difusão ou propagação dos sentidos num texto, não sendo possível agrupá-los num só nem exercer qualquer espécie de controlo sobre todos os sentidos encontrados ou por encontrar), Derrida mostrou-nos que o texto pode dizer a sua própria história, deixando então entrever um novo texto, que, por sua vez, está sujeito a idêntico trabalho desconstrucionista, permitindo um retorno dialéctico infinito ao texto. Nesta técnica de leitura, não se valida o antigo pressuposto do New Criticism dos anos 40 e 50 de que o sentido está contido no texto e pode ser controlado, pois ele coexiste e participa no jogo linguístico, que não pode nunca garantir o absolutismo (ou presença) de um sentido (ou interpretação) em relação a outros sentidos (interpretações). A intenção do autor fica sempre dissolvida no jogo diferencial/protelador (jogo da différance) dos significantes.

A proposta de desconstrução do texto introduzida por Derrida foi particularmente bem recebida nos Estados Unidos, como se disse atrás. A chamada Escola de Yale, onde Derrida ensinou, revelou nos anos 70 alguns dos principais teóricos da literatura de hoje: Paul de Man, Harold Bloom, J. Hillis Miller e Geoffrey Hartman. A Escola de Yale desenvolveu não só a filosofia desconstrucionista, mas também os estudos freudianos aplicados à literatura. Duas obras iniciais marcaram a actividade e afirmação dos críticos de Yale: Blindness and Insight (1971), de Paul de Man, e The Anxiety of Influence (1973), de Harold Bloom. Paul de Man, que contribuiu decisivamente para um novo rumo para a desconstrução de Derrida, toma o texto literário como um conjunto de potenciais oposições internas que hão-de conduzir irremediavelmente a uma aporia ou impasse; nesse momento, o texto obriga a uma tomada de decisão crítica perante as duas leituras opostas e, quase paradoxalmente, uma leitura desconstrucionista será aquela que não deixar que tal decisão penda para qualquer dos lados. Um outro livro de Paul de Man, Allegories of Reading (1979), dá melhor conta desta engrenagem técnica, assumindo que toda a leitura é necessariamente retórica, por isso sujeita a diferentes interpretações. Estudando a linguagem simbólica romântica, de Man conclui que o figurativo não é um exclusivo da linguagem poética mas de toda a linguagem, que é, por definição, alegórica, portanto, irrepresentável estruturalmente.

A tese de Harold Bloom em The Anxiety of Influence resume-se a uma polémica perspectiva que prevê que um poeta ou escritor age sempre em função de um modelo literário que lhe é anterior, um grande “precursor”, que ele tem que “enfrentar”, para resolver a angústia dessa influência, a qual, em termos radicalmente freudianos, exige igualmente a substituição do próprio modelo inspirador ou “pai”. Desta forma, também não existem interpretações desubjectivadas, mas sim tergiversações ou misreadings de leituras anteriores.

Em Saving the Text – Literature/Derrida/Philosophy (1981), Geoffrey Hartman procurou fazer vingar a desconstrução de Derrida, explorando as potencialidades das leituras cerradas no estilo derridiano, destancando o(s) livro(s) inqualificável(eis) e intraduzível(eis): Glas, que considera um acontecimento ímpar na história literária. Contudo, as leituras que noutras obras faz de Wordsworth ou Shakespeare, por exemplo, revelam que Hartman não perdeu totalmente de vista uma forma de abordagem textual mais directamente interpretativa do que desconstrucionista.

J. Hillis Miller, que só na década de 80 publicará um livro de referência como Fiction and Repetition: Seven English Novels (1982), divergiu do dogma estruturalista da possibilidade de um conhecimento sistemático do texto. Miller usou recorrentemente a noção de abyss structure (ou mise en abyme) para mostrar como a linguagem está permanentemente sujeita aos jogos linguísticos. Além disso, a desconstrução não é tanto um método de análise literária, mas algo que o texto já fez a si próprio. O texto já está de alguma forma desconstruído quando o vamos ler. Resta ao crítico descobrir e usar a engrenagem retórica que o texto esconde. Alguns críticos derridianos defendem que a desconstrução é uma associação entre interpretação e semiótica, para determinar como é que um texto significa, mais do que uma prática hermenêutica que vise determinar o que é que significa. Mais recentemente, em The Linguistics Moment – From Wordsworth to Stevens (1985), Hillis Miller tentou distanciar-se de certas aproximações da desconstrução à hermenêutica, considerando a prática desconstrucionista ou interpretação retórica como uma prática crítica, que não se identifica nem com uma hermenêutica nem com uma poética.

Depois de Gadamer e na esteira de Paul de Man, Paul Ricoeur e William V. Spanos, editor de uma das mais radicais revistas pós-estruturalistas, boundary 2, tem-se descrito igualmente a desconstrução como uma hermenêutica negativa, isto é, um projecto que não vise restaurar o sentido de um texto perdido na história, mas antes recorrer a conceitos modernos para abalar ou questionar criticamente tal sentido histórico. Ricoeur, um filósofo fenomenologista que virá a ter grande influência na mais recente teoria literária — autor de La Métaphore vive (1975), Temps et récit, 3 vols. (1983-85) e Soi-même: Comme un autre (1990); em tradução portuguesa, destacamos: O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica (1ªed., 1969) e Do Texto à Acção: Ensaios de Hermenêutica II (1986) —, reclama uma hermenêutica que não mais se reduza à idolatração deste autor ou daquele texto.

A relação do que se entende por pós-estruturalismo com a questão da interpretação textual está, pois, longe de ser mais consensual do que antes, durante as discussões no seio do New Criticism norte-americano e do estruturalismo francês sobre o valor da interpretação na teoria literária. No ensaio “Tradition and Difference” (Diacritics, 2, 1972), Hillis Miller, seguindo a lição de Nietzsche já salientada por Derrida na conferência de 1966, na Johns Hopkins University, repete que o mesmo texto permite várias interpretações e que nenhuma interpretação pode ser absoluta ou “correcta”. M. H. Abrams, crítico da tradição historicista, manifestou a sua discordância quer em relação a Derrida quer a Hillis Miller, no ensaio “The Deconstructive Angel” (Critical Inquiry, 3, 1977), sustentando que tal premissa era falsa, pois implica que toda e qualquer interpretação histórica e racional esteja errada à partida. Frederic Jameson, um crítico do marxismo literário, no livro The Political Unconscious, salienta que a actividade hermenêutica ou interpretativa é um dos principais objectivos do pós-estruturalismo de origem francesa. Jonathan Culler, inicialmente estruturalista convicto e, depois de On Deconstruction (1983), continua contrário à interpretação, tal como procedia enquanto estruturalista. David Lodge, num artigo importante, “Deconstruction”, publicado no Guardian (8-4-1988), concorda que a desconstrução abre o texto a múltiplas interpretações. Publicando The Critical Difference: Essays in the Contemporary Rhetoric of Reading (1980) e A World of Difference (1987) , uma das mais recentes teóricas da desconstrução aplicada à literatura, Barbara Johnson, assumida discípula de Paul de Man, ofereceu-nos uma série de leituras desconstrucionistas de Roland Barthes, Herman Melville, Edgar Allan Poe, Jacques Lacan e Jacques Derrida, que se tornaram clássicas no género, alargando o âmbito da desconstrução a outras questões como a crítica feminista, as políticas do género ou as diferenças raciais e sexuais.

Os críticos da desconstrução de Derrida têm fundamentado as suas observações sobretudo no estilo hermético e excessivamente retórico do filósofo francês, que se entretém com complexos jogos de linguagem e engenhosos conceitos. Mas Derrida defende que o jogo faz parte da própria natureza da linguagem. Outra crítica comum consiste no grau de arbitrariedade que a desconstrução implica: se a linguagem e a metafísica são estruturadas pelas diferenças, não é possível fundar nenhum tipo de critério ou criar uma referência que sirva de orientação no processo de interpretação de uma obra de arte, por exemplo, o que significará sempre que tudo é aparentemente permitido e nada permanece: nem o sentido do texto, nem o autor, nem a autoridade do leitor. Esta posição deriva de um entendimento da desconstrução como mera destruição do texto, correlação que os desconstrucionistas se têm esforçado por negar.

Bibliografia:

Christopher Butler: “The Text and the External World”; “Deconstruction and Scepticism”; “Ambiguity and Self-Contradiction”, in Interpretation, Deconstruction, and Ideology – An Introduction to Some Current Issues in Literary Theory (1984); Christopher Norris: Derrida (1987); Id.: Paul de Man – Deconstruction and the Critique of Aesthetic Ideology (1988); Id.: Deconstruction: Theory and Practice  (1991); Colin Campbell: “The Tyranny of the Yale Critics”, New York Times Magazine (9-2-1986); E. Warwick Slinn: “Deconstruction and Meaning: The Textuality Game”, Philosophy and Literature, vol.12, nº 1 (1988); H. Felperin: Beyond Deconstruction – The Uses and Abuses of Literary Theory (1985); Harold Bloom, Jacques Derrida, Geoffrey H. Hartman e J. Hillis Miller, Deconstruction and Criticism (1979);  Hugh Silverman (ed.): Derrida and Deconstruction (1989); J. Hillis Miller: “Deconstructing the Deconstructers”, Diacritics, nº 5 (1975); Jacques Derrida: De la grammatologie, 1967a (Gramatologia,  1973; Of Grammatology, Baltimore e Londres, 1976); Id.: L’Écriture et la différance, 1967b  (A Escritura e a Diferença, São Paulo, 1971; Writing and Difference, Londres, 1990); Id.: La Dissémination, 1972a. (The Dissemination, Londres, 1993); Id.: Marges de la philosophie, 1972b. (Margens da Filosofia, Porto, s.d.); Id.: Positions, 1972c (Posições – Semiologia e Materialismo, Lisboa, 1975); Id.: “Deconstruction in America” (entrevista a J.Creech, P.Kamuf e J.Todd), Critical Exchange, nº 17 (1985); John M. Ellis: Against Deconstruction (1989);  John Sallis (ed.): Deconstruction and Philosophy – The Texts of Jacques Derrida (1988); Jonathan Arac et al. The Yale Critics: Deconstruction in America (1983); Jonathan Culler: The Pursuit of Signs: Semiotics, Literature, Deconstruction (Londres, 1981); Id.: On Deconstruction: Theory and Criticism after Structuralism (Londres, 1983); Mark C. Taylor (ed.): Deconstruction in Context – Literature and Philosophy (1986); Paul de Man: Allegories of Reading – Figural Language in Rousseau, Nietzsche, Rilke, and Proust (New Haven, 1979); Id.: Blindness and Insight – Essays in the Rethoric of Contemporary Criticism. 2ªed., 1986 (1ªed., 1971); Id.: The Resistence to Theory (1989). (A Resistência à Teoria, Lisboa, 1989); Peggy Kamuf (ed.): A Derrida Reader – Between the Blinds (1991); R. C. Davis e R. Schleifer (eds.): Rethoric and Form: Deconstruction at Yale (1985); Rodolphe Gasché: “Deconstruction as Criticism”, Glyph, nº 6 (1979); Ronald Schleifer: “Deconstruction and Linguistic Analysis”, College English, nº 49 (1987); Vicent B. Leitch: Deconstructive Criticism – An Advanced Introduction (1983); Id.: “Derrida’s Assault on the Institution of Style”, Bucknell Review, nº 29 (1985).