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Termo cunhado pelo filósofo francês Jacques Derrida para traduzir o duplo movimento do signo linguístico que diferencia e difere, nunca se fixando numa única instância. Conforme insiste Derrida, não se trata de um termo, conceito novo ou modelo de análise, o que desafia desde logo a sua inscrição em qualquer dicionário, porque isso significa limitar a sua significação. A exemplo do que tem sido feito na crítica anglo-americana, deve manter-se este termo no seu original por não existir um correspondente em mais nenhuma língua, incluindo o Português, que transmita completamente toda a sua significação. Miguel Tamen, tradutor do Glossário da Crítica Contemporânea, de Marc Angenot, traduz différance por “diferição”, rejeitando muito bem as propostas de “diferrência” ou “diferrância”, totalmente absurdas. No entanto, “diferição” apenas sugere uma parte da significação do termo, ou seja, apenas sugere “retardamento, adiamento” (différer, “diferir”). Fica por significar o estabelecimento da diferença, o acto de dissemelhança, do diferenciar, o diferente (não exactamente o diferido). O termo cunhado por Derrida, propositadamente pronunciável da mesma forma nas expressões différance e différence, porque a escritura não copia exactamente a fala, pretende ser uma síntese deste duplo movimento de ser diferente/dissemelhante e diferente/retardado. Podemos ilustrar o duplo movimento da différance com o seguinte exemplo: a palavra “infinito” pode ser definida por aquilo que é (o imensurável, o ilimitado, o absoluto, etc.) — o que significa que o sentido é sempre diferido, visto que precisamos de outras palavras para definir uma palavra —; e pode ser definida por aquilo que não é, ou seja, pelas suas diferenças (“finito”, “limitado”, “relativo”, etc.).

O tradicional conceito saussuriano do elo de ligação entre significado e significante como facto que assegura a unidade do signo perde, para Derrida, a sua legitimidade enquanto dado adquirido. Derrida mostra que a teoria da diferença em Saussure — na língua só existem diferenças: o signo é desprovido de conteúdo, isto é, só existe enquanto signo porque se diferencia de outros signos contíguos no interior de um paradigma — encerra em si mesma uma crítica vigorosa do logocentrismo ou metafísica da presença. Derrida considera que o signo é sempre o suplemento de si mesmo. Uma oposição fora/dentro (escrita/discurso) tem que introduzir um terceiro elemento (o suplemento) para que possa produzir um sentido daquilo que verdadeiramente o suplemento difere (presença). Contudo, o suplemento não é, de facto, um terceiro elemento, já que participa em e transgride ambos os lados da “oposição”. Esta lógica da suplementaridade, a que também se chama différance, é o traço particular que Derrida isola na escrita. O resultado imediato da sua acção é o desfazimento da clausura em que se encontram as oposições logocêntricas dos textos, libertando unidades verbais “falsas” a que Derrida chama brisures ou “palavras-charneira”. O seu efeito é o de deitar abaixo aquelas oposições que estamos habituados a produzir e que asseguram a sobrevivência da metafísica no nosso pensamento: matéria/espírito, sujeito/objecto, significado/significante, máscara/verdade, alma/corpo, texto/significado, interior/exterior, representação/presença, aparência/essência, etc. Desconstruir um texto é então fazer com que as palavras-charneira subvertam as próprias suposições desse texto, reconstituindo os movimentos paradoxais dentro da sua própria linguagem. Derrida fez repensar a forma como a linguagem opera. Desconjuntando os valores de verdade, significado inequívoco e presença, a desconstrução aponta para a possibilidade de escrever não mais como representação de qualquer coisa, mas como a infinitude do seu próprio “jogo”. Desconstruir um texto não é procurar o seu sentido, mas seguir os trilhos em que a escrita ao mesmo tempo se estabelece e transgride os seus próprios termos, produzindo então um desvio [dérive] assemântico de différance. Todo o signo só significa, na medida em que se opõe a outro signo, por isso, se pode dizer que é essa condição da linguagem que constantemente diferencia e adia os seus componentes que concede significância ao signo. Não há sentidos finais, não há qualquer possibilidade de determinação do sentido de um texto porque todo o texto está sujeito ao jogo da différance.

bibliografia

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