Trabalho escrito de considerável extensão sobre um tema pré-definido, normalmente para fins académicos. Originalmente, a dissertação (do lat. dissertatione(m) dizia respeito a uma discussão, debate ou tratado sobre um determinado tema. É ainda a partir desta tradição que alguns escritores portugueses até ao Romantismo escreveram dissertações. O árcade Correia Garção, por exemplo, legou-nos três textos de reflexão que receberam o nome de “dissertação”, sendo a “Dissertação Terceira” a mais conhecida («Sobre ser o principal preceito para formar um bom poeta procurar e seguir somente a imitação dos melhores autores da antiguidade», 1757). Hoje, aceita-se que qualquer trabalho escolar executado segundo princípios científicos de rigor de investigação e de redacção pode constituir uma dissertação, trabalho que persegue sempre o objectivo de aprofundar uma ideia precisa de que se partiu. O termo confunde-se com outros familiares como tese e monografia. Actualmente, a legislação portuguesa sobre mestrados e doutoramentos (Decreto Lei nº216/92, de 13 de Outubro) distingue entre dissertação de mestrado e tese de doutoramento, porém sem esclarecer a terminologia. (De notar que a mesma distinção é feita nas universidades anglófonas, mas no sentido contrário, reservando-se o termo dissertação para os trabalhos de maior folgo como o trabalho escrito para obtenção do grau de PhD.) Fica subentendido que a distinção entre dissertação e tese reside sobretudo na extensão física e na profundidade da investigação do texto a escrever: a dissertação de mestrado é, norma geral, mais curta (cerca de 150 páginas, em média) e não pretende tratar o assunto até à exaustão; a tese é, norma geral, de grande extensão (pelo menos mais de 250 páginas, em média) e procura tratar um assunto de forma quase exaustiva. Contudo, podemos naturalmente falar de dissertação para trabalhos de reduzidas dimensões, desde um comentário de texto, a um trabalho de licenciatura (normalmente dentro do limite de algumas dezenas de páginas). A monografia tornou-se sinónima de tese e de dissertação, neste sentido académico dos trabalhos universitários, embora a sua semântica aponte também para outros caminhos.
Uma dissertação académica obedece a regras específicas, existindo hoje uma imensa literatura de referência para ajudar à redacção e composição formal da dissertação. Certas instituições impõem regras especiais de acordo com os princípios e os objectivos aí definidos. Uma dissertação académica publicada deve ser tratada como um livro em termos de referência bibliográfica, destacando o título em itálico, por exemplo, Carlos Silva: Guerra Junqueiro: A Génese de um Poeta, Faculdade de Letras, Universidade de Portugal, 1999. Caso a dissertação ou a tese não sejam publicadas, a referência apenas utiliza as aspas: Carlos Silva: «Guerra Junqueiro: A Génese de um Poeta», Faculdade de Letras, Universidade de Portugal, 1999. Normalmente, e em particular nas teses de doutoramento, o autor de uma tese académica deve produzir um abstract (cerca de 300 palavras), que acompanha a dissertação, e é enviado para uma instituição (UMI) que edita regularmente o Dissertation Abstracts International (1ªed., 1987). Esta base de dados multidisciplinar inclui mais de um milhão títulos desde 1861 até hoje e está disponível online. É actualizada mensalmente.
Podemos sintetizar as regras de composição de uma dissertação da seguinte forma:
1. O título. A escolha do título de uma dissertação ou tese, tal como a escolha de um título de um livro, não deve ser menosprezada, pois pode contribuir para a correcta compreensão da obra em questão ou para o êxito do trabalho. Ao nível da pesquisa bibliográfica, durante uma pesquisa específica, podemos ver a importância que um título tem para a compreensão de uma dada obra. Analise-se, por exemplo, um título como Os Lusíadas ou Auto da Barca do Inferno. Num ficheiro de biblioteca, é possível não só encontrar um livro pelo seu índice de títulos, mas também pelo índice de autores e pelo índice de assuntos.
2. O prefácio. Uma dissertação ou tese académica é composta por várias partes, umas obrigatórias (como o índice), outras facultativas. O prefácio é uma das partes facultativas. Pode encerrar a história e as incidências da elaboração da dissertação/tese, a motivação do autor para a investigação realizada, as condições em que tal investigação foi desenvolvida e as etapas mais relevantes para a sua consecução.
3. O preâmbulo. É uma parte facultativa da responsabilidade do autor da dissertação ou tese. Se coexistir com a introdução, reserva-se para uma apresentação sumária dos objectivos da obra e sua fundamentação.
4. O corpo principal. Trata-se do desenvolvimento da investigação e da reflexão crítica sobre o tema que o autor se propõe tratar.
5. A conclusão. Todo o trabalho de natureza científica inclui as principais conclusões da investigação realizada. Nelas se incluem não só as observações críticas finais julgadas pertinentes como também uma eventual orientação do leitor para a possibilidade de ulteriores investigações.
6. O posfácio. É uma parte facultativa pós-textual que pode servir para acrescentar um dado novo na investigação realizada, quando e só quando as circunstâncias não permitiram a sua inclusão no corpo principal do texto.
7. As notas. São complementos do texto principal. Podem constituir-se em comentário, esclarecimento ou simples citação em pé de página (preferencialmente) ou no final de um texto (prática habitual, sobretudo em livros de expressão inglesa). Como comentário, introduzem ou complementam criticamente um aspecto particular relevado no texto, mas cuja discussão é aí deixada em aberto. Como esclarecimento, limitam-se a dar uma breve explicação sobre a natureza do texto ou autor citado, informações úteis para uma pesquisa paralela ou posterior, ou correcções de pormenor. Como citação, referem a obra ou obras que serviram de fonte ao autor. São, portanto, partes facultativas, mas muitas vezes de leitura indispensável para a total compreensão de uma dissertação ou tese.
8. As citações. Tanto quanto possível, não se deve evitar sobrecarregar um texto com citações marginais. Como princípio geral, aconselha-se a trabalhar sempre os textos em primeira mão, recusando a citação em segunda ou terceira mãos. Escolher uma boa citação, saber quando é que é adequado inseri-la e que extensão deve ter, pode ser mais difícil do que parece à primeira vista. As citações em inglês, francês, espanhol ou italiano ocorrerem muitas vezes (e tal é aceitável) na língua original, embora se possa optar por traduzi-las em nota. Parte-se do princípio universal que quer o seu autor, quer todos os potenciais leitores de um livro científico, têm a obrigação de ler qualquer texto nessas línguas. É importante não deixar nunca uma citação incompleta (sem autor, sem fonte, sem página, etc.). Todas as afirmações directas devem ser documentadas, remetendo para as fontes. Em nenhum caso se admite que o estudante omita as fontes que utilizou, incorrendo, se o fizer, em fraude. Sobrecarregar o texto com citações alheias pode vir a dar num texto incaracterístico. Um bom texto de análise literária, por exemplo, não se mede pelo número de citações, mas pela oportunidade e importância das referências.
9. A bibliografia. Uma dissertação, uma tese universitária, um livro técnico contêm (ou devem conter) sempre uma bibliografia, isto é, o conjunto de textos e/ou livros que efectivamente contribuíram para a investigação que foi necessário realizar para produzir uma obra. Uma bibliografia é uma lista de obras ordenadas alfabeticamente pelos apelidos dos autores ou então ordenadas cronologicamente por ano de edição (mais raro). Uma referência bibliográfica é apenas um registo isolado de uma obra. Quando fazemos um trabalho de investigação, quando estudamos a obra de um autor, quando fazemos um comentário literário, consultamos livros de dois tipos: àqueles sobre os quais trabalhamos directamente, sobre os quais estamos a emitir uma opinião crítica e que são a base do nosso estudo damos o nome de bibliografia activa; àquelas obras que nos ajudaram a fazer o nosso trabalho, damos o nome de bibliografia passiva (geralmente de maior extensão em relação à anterior). Existem duas formas universais de apresentar uma bibliografia: ou arrumamos os títulos por ordem cronológica, desde o mais antigo até ao mais recente, ou por ordem alfabética do apelido dos autores. Em bibliografias extensas é costume fazer-se uma divisão temática, de acordo com a especificidade do trabalho científico desenvolvido.
10. O estilo. Quando procuramos educar o nosso próprio estilo de escrita, a melhor solução não passa pelo armazenamento de palavras novas e/ou difíceis. Geralmente, a procura de um estilo de grande erudição conduz a um trabalho só legível pelo seu próprio autor. Pelo contrário, a excessiva vulgarização e padronização do discurso pode levar a um texto impessoal, incaracterístico e inaceitável para um estudante de Letras. O uso de terminologia específica deve ser ponderado com rigor, adequado às circunstâncias e devidamente justificado.
11. A expressão escrita. A correcção do texto científico passa também pelo estilo adoptado e também pela correcção ortográfica.
Bibliografia:
António José Fernandes: Métodos e Regras para Elaboração de Trabalhos Académicos e Científicos (1994); Arnaldo António Pereira: Normas e Sugestões Metodológicas para a Apresentação de Trabalhos Escritos de História (1986); Carlos Ceia: Normas para Apresentação de Trabalhos Científicos (2ª ed., 1998); David Evans: How to Write a Better Thesis or Report (1995); David Sternberg: How to Complete and Survive a Doctoral Dissertation (1981); Derek Swetnam: Writing Your Dissertation: How to Plan, Prepare and Present Your Work Successfully (Student Handbook) (1997); Eileen T. Nickerson: The Dissertation Handbook: A Guide to Successful Dissertations (1993); Evelyn Hunt, Dr. Ogden: Completing Your Doctoral Dissertation or Master’s Thesis in Two Semesters or Less (1993); George Watson: The Literary Thesis – A Guide to Research (1970); Gonçalo de Vasconcelos e Sousa: Metodologia da Investigação, Redacção e Apresentação de Trabalhos Científicos (1998); Gordon B. Davis e Clyde A. Parker: Writing the Doctoral Dissertation: A Systematic Approach (1997); Harry Teitelbaum; How to Write a Thesis (4ªed.,1998); Jacques Barzun e Henry F.Graff: The Modern Researcher (ed.rev., 1970); Joan Bolker: Writing Your Dissertation in Fifteen Minutes a Day: A Guide to Starting, Revising, and Finishing Your Doctoral Thesis (1998); João José Cúcio Frada: Guia Prático para Elaboração e Apresentação de Trabalhos Científicos (7ª ed., 1997); Joseph Gibaldi e Walter S. Achtert: MLA Handbook for Writers of Research Papers, Theses and Dissertations (4ªed., 1980); Judith Bell: Como Organizar um Projecto de Investigação: Um Guia para a Pesquisa em Ciências Sociais e da Educação (Lisboa, 1997); Judith M. Meloy: Writing the Qualitative Dissertation: Understanding by Doing (1994); Júlio Fragata: Noções de Metodologia para a Elaboração de um Trabalho Científico (2ªed., 1973); Lília da Rocha Bastos et al.: Manual para a Elaboração de Projectos e Relatórios de Pesquisa, Teses e Dissertações (3ªed., Rio de Janeiro, 1982); Michel Beaud: L’Art de la thèse: Comment préparer et rédiger une thèse de doctorat, une mémorie de DEA ou de maîtrise ou tout autre travail universitaire (1987); MHRA Style Book – Notes for Authors, Editors, and Writers of Theses (4ªed., Londres, 1991); Robin Higgins: Approaches to Research: A Handbook for Those Writing a Dissertation (1996); Silvio Luiz de Oliveira: Tratado de Metodologia Científica: Projectos de Pesquisas, TGI, TCC, Monografias, dissertações e Teses (São Paulo, 1997); The Chicago Manual of Style (13ªed., 1982); The Oxford Writers’ Dictionary (Oxford, 1990); Umberto Eco: Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas (5ªed., Lisboa, 1991).
http://etext.lib.virginia.edu/ETD/ETD.html
http://www.lib.berkeley.edu/TeachingLib/Guides/CDROM/DAI.html
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