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Termo alemão para sósia ou duplo de uma personagem, uma espécie de alma gémea, ou mesmo um fantasma que persegue um indivíduo, confundindo-se com a sua própria personalidade. É o caso da narrating soul que evolui no romance Time’s Arrow (1991), de Martin Amis. Neste caso, trata-se de um ser que não quer conhecer o sofrimento humano, « a sentimentalized fœtus, with faithful smile » (2ª ed., Penguin, Harmonsworth, 1992, 50) e que habita a personagem Odilo Unverborden. O doppelgänger nunca é visto por ninguém a não ser pelo seu portador. Não se vê ao espelho, não se mostra a mais ninguém para além da nossa mais perturbadora auto-consciência. A ideia de um sósia ou duplo fantasmagórico pode não envolver uma relação tão íntima entre o doppelgänger e o seu portador. Em termos menos abstractos, podemos falar desta relação quando uma personagem se inscreve na história literária com um nome que tem já uma tradição, e que se lhe apresenta como um fantasma sempre incómodo. Acontece isso em Small World (1984), de David Lodge:

“Persse McGarrigle-from Limerick,” he eagerly replied.

“Perce? Is that short for Percival?”

“It could be,” said Persse, “if you like.”

The girl laughed, revealing teeth that were perfectly even and perfectly white.

“What do you mean, if I like?”

“It’s a variant of ‘Pearce’.” He spelled it out for her.

“Oh, like in Finnegans Wake! The Ballad of Persse O’Reilley.”

“Exactly so. Persse, Pearce, Pierce — I wouldn’t be surprised if they were not all related to Percival. Percival, per se, as Joyce might have said,” he added, and was rewarded with another dazzling smile.

“What about McGarrigle?”

“It’s an old Irish name that means ‘Son of Super-valour’.”

“That must take a lot of living up ID.”

(Small World, Penguin, Harmondsworth, 1985, p.9)

Percival, Persse, Pearce ou Pierce são variantes ao serviço de uma estratégia da paródia pós-moderna pelo recurso ao doppelgänger, o duplo ou sósia que possui um nome semelhante, o duplo que é uma projecção interior não fantasmagórica, neste caso, não associada à morte, mas apenas uma projecção ou réplica de nós mesmos, inquietantemente estranha, de que temos consciência e com a qual convivemos extraordinariamente. O Anjo Catarina no romance de Alexandre Pinheiro Torres, O Meu Anjo Catarina (1998), é um bom exemplo, tal como o Homem Duplicado (2002) de José Saramago. O homem tem sempre que aprender a viver com as suas próprias sombras ou réplicas. Esta é uma crença primitiva, pois desde sempre se acreditou que um encontro imediato com o nosso doppelgänger é um sinal de que a morte está próxima. Toda a literatura de terror e de horror faz uso desta personagem de forte impacte psicológico, não como mortos-vivos, mas como seres que vivem para nos atormentar ou para vencer os nossos medos e terrores. O Duplo (1846), de Dostoievsky, apresenta-nos um terrível duplo de Golyadkin, clérigo  infortunado no amor e na vida, que será vencido por si próprio.