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Termo grego que significa “descrição” (no plural, ekphraseis), aparecendo em primeiro lugar na retórica de Diónisos de Halicarnasso (Retórica, 10.17). Tornou depois um exercício escolar para aprender a fazer descrições de pessoas ou lugares. O locus classicus na literatura épica é a descrição do escudo de Aquiles feita por Homero (Ilíada, 18, 483-608). Virgílio seguiu o mesmo modelo para a descrição do escudo de Eneias na Eneida (8, 626-731). Um outro tipo de ekphrasis concentra-se em descrições epigramáticas de pinturas e estátuas, como La galeria de Marino e muita poesia emblemática. O termo alemão Bildgedicht corresponde praticamente ao conceito de ekphrasis, neste sentido de descrição de uma obra de arte (pintura ou escultura).

Por definição lata, trata-se da descrição literária ou pictórica de um objecto real ou imaginário. O termo foi delimitado por alguns estudiosos à descrição de objectos de arte, objectos estes que teriam detalhes visuais significativos. Seria, portanto, um exercício ou mecanismo de retórica que permitiria a relação directa entre um medium artístico com outro, i.e., funcionaria como um género de “ponte” entre duas esferas artísticas (e.g. pintura e literatura, pintura e escultura, literatura e escultura), definindo e descrevendo as respectivas essências e formas de maneira a ilustrar um objecto artístico de forma vívida através de um medium distinto.

De uma forma extremamente simplista poder-se-á ainda definir o termo como a relação entre palavra-imagem. Contudo, Peter Wagner considera o cruzamento de fronteiras entre as distintas áreas disciplinares a mais avançada e sustentável tentativa de definição do termo que se conseguiu até à data, permitindo ultrapassar a mera oposição entre imagem- palavra (WAGNER:1996, p.3). O autor afirma também que, na verdade, o termo ekphrasis foi e é alvo de várias definições e vários fins sendo que a sua definição acaba por depender apenas do argumento particular que se discute. A modo de exemplo, notem-se as seguintes descrições: o escudo de Aquiles na Ilíada de Homero, as tapeçarias de Minerva e Aracne nas Metamorfoses de Ovídio, The Rape of Lucrece de Shakespeare, “Ode on a Grecian Urn” de Keats, “Musée des Beaux Arts” de H.W. Auden, Pictures from Brueghel de William Carlos Williams, entre outros[1].

Uma definição mais ampla entenderia ekphrasis como uma descrição virtuosa da realidade física (objectos, sentidos, pessoas) com o intuito de evocar uma imagem mental tão intensa como se o objecto real descrito estivesse perante os olhos do leitor. Leo Spitzer definia o termo como sendo um género literário ou, pelo menos, um topos que tenta imitar em palavras um objecto das artes plásticas. Claro está que esta definição, que levanta certa polémica, pressupõe uma dependência da literatura face às artes plásticas. O dito Horaciano ut pictura poesis sugere já que a poesia deve ser como uma pintura, um poema deve ter qualidades pictóricas e assemelhar-se, através do imaginário, ao objecto descrito. Não obstante, a mesma expressão é traduzida como “the mutual illumination of the arts” ou “the sister arts” (WAGNER: 1996, p.5). Esta semelhança, se não identificação total, da pintura e poesia que Horácio parecia sugerir, engendrou extensas discussões estéticas, revisitadas a partir do Renascimento.

A relação entre palavra-imagem foi sempre uma relação de tensão que continuamente fez surgir debates sobre quem imita quem ou de o que é que imita o quê. Na obra Laocoonte, Lessing ensaia a delimitação dos “territórios” de cada uma das artes, reflectindo a partir do exemplo de Laocoonte, sacerdote Troiano representado tanto em escultura como na literatura com os seus dois filhos, os três atacados por duas serpentes como castigo do deus Apolo. Lessing questiona-se sobre o que é que surgiu primeiro – a escultura ou a descrição poética deste mito na Eneida de Virgílio – acabando por concluir que a escultura imita a poesia. A poesia tem um medium mais amplo pois é feita de símbolos linguísticos de natureza arbitrária, usa um método de representação que é progressivo e sequencial no tempo, i.e., nada do que o poeta inclua no poema arruinaria o efeito estético das outras partes.

Os poetas românticos recorreram amiúde a este artíficio, tendo ficado célebre, por exemplo, a “Ode on a Grecian Urn”, de Keats. Naturalmente, o recurso às descrições particulares está presente em muita poesia contemporânea, sobretudo a partir do momento em que a poesia se tornou cada vez mais próxima da prosa narrativa. Na literatura portuguesa, o livro Metamorfoses (1963), de Jorge de Sena introduz um tipo de poesia descritiva que tem como objecto de contemplação toda a obra de arte visual. Este tipo de descrição plástica, não limita o conceito de ekphrasis a uma simples e passiva exposição dos dados observados, mas conduz-nos a um exercício reconstrutivo do que foi examinado, querendo interferir subjectivamente nas qualidades do objecto. O poeta ecfrástico raramente se contenta com uma descrição objectiva do que observa, quando tem a possibilidade de comunicar livremente o seu próprio gosto. A Secreta Vida das Imagens (1991), de Al Berto, ou Depois de Ver (1995), de Pedro Tamen, podem ilustrar o lado dinâmico da ekphrasis.

Pelo contrário, as artes plásticas – pintura e escultura – são artes do espaço, das acções momentâneas que não se sucedem, representam corpos que representam acções. De um ponto de vista fisiológico, a apreensão imediata de um quadro ou uma escultura é possível. Porém, a poesia, devido à sua natureza sequencial, tarda mais em descrever acções e a formar imagens, é a arte da memória, sendo que Lessing se mostra algo céptico em relação à capacidade de apreensão de um poema. É, portanto, possível uma inversão de descrições sendo que o termo ekphrasis não se pode limitar apenas a denominar a descrição literária de um objecto das artes plásticas.

Não obstante, note-se que a concepção heideggeriana, oposta à de Lessing, não procura equivalências entre literatura e pintura, mas procura sim uma outra instância, no plano ontológico, onde finalmente triunfe a busca pela verdade oculta nas coisas e que esta, de algum modo, possa coincidir. Heidegger, baseia-se, pois, no conceito de ekphrasis (toma como exemplo um quadro de Van Gogh) para explicar ou expandir o seu conceito de arte – não como procura do belo, mas sim do verdadeiro (BAPTISTA: 2001, p.341). Assim, e tendo presente o conceito de mundo heideggeriano, sabemos que é nele que toda a obra de arte se abre, instalando esse mundo no seu lugar de produção que seria a terra. Desta forma, é no combate entre mundo e terra que a obra de arte pode existir, “re-figurando e re-simbolizando constantemente este combate (…) através de uma infinita ekphrasis do mundo (humano) pela terra (natureza) e desta por aquela” (BAPTISTA: 2001, p.342), luta esta interminável. Parece ser significativo que o termo em questão tenha sido base de outras reflexões para além de si mesmo.

Segundo Krieger, “…to look into ekphrasis is to look into the illusionary representation of the unrepresentable, even while that representation is allowed to masquerade as natural sign, as if it could be an adequate substitute for its object” (KRIEGER:1992, p.XV), sendo que o autor define o termo como “word-painting”. Derrida, por seu lado, afirma que na arte são “…the represented and not the representer, the expressed and not the expression” que importam (WAGNER: 1996, p. 2). Por fim, Wagner sugere que o termo deveria abarcar “ representações verbais” no seu sentido mais alto, i.e, escritos sobre obras de arte – crítica.

bibliografia

Emilie L. Bergmann: Art Inscribed: Essays on Ekphrasis in Spanish Golden Age Poetry (1979); G.E. Lessing: Laocoon, Hermann Courtin (Trad.) (Paris, 2002); Maria Manuel Batista. “Ekphrasis e (des)ocultação da verdade: uma reflexão a partir da filosofia heiddegeriana” in Caminhos de Cultura em Portugal. Fernando Augusto Machado, Manuel Rosa Gonçalves Gama, José Marques Fernandes (org.). Ribeirão: Húmus (2010). pp. 337-343; Murray Krieger: Ekphrasis. The illusion of the natural sign (1992); Peter Wagner: “Introduction: Ekphrasis, Iconotexts, and Intermediality – the State(s) of Art(s).” in Peter Wagner (ed), Icons – Texts – Iconotexts. Essays on Ekphrasis and Intermediality, vol. 6 (New York, 1996);

[1] Exemplos retirados de Peter Wagner. “Introduction: Ekphrasis, Iconotexts, and Intermediality – the State(s) of Art(s).” in Icons – Texts – Iconotexts. Essays on Ekphrasis and Intermediality. New York: Walter de Gruyter. 1996, p. 14.