Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

1 – Omissão de palavra(s), ideias ou factos que se subentendem. O enunciado “Cheguei. Chegaste.” (Olavo Bilac, Poesias, nova ed., 1904) encerra uma elipse simples (o sujeito de ambas as frases, que fica subentendido; noutro plano, pode-se considerar também elíptica a relação entre as duas frases simples, por ausência de um conector). Trata-se do termo mais comum para qualquer omissão num enunciado ou num texto, que pode ir da simples omissão de sílabas num verso por razões de métrica, até à omissão de informações ou acções secundárias numa grande narrativa. A especificação da parte omitida conduz a um campo semântico da elipse que inclui a omissão de conectores (braquilogia, assíndeto e zeugma). A elipse distingue-se, contudo, da aposiopese (a eliminação do final de uma frase), porque pressupõe um enunciado de sentido completo. Assim, os versos de Os Lusíadas: “Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis [aparecei] / E não a mi, que creio o que podeis” (III, 45), ilustram uma aposiopese porque omite uma palavra no final de uma frase que é necessária ao sentido explícito e não uma elipse, que exige que este sentido não se perca pela omissão.

Os retóricos gregos aceitavam como elipse toda a supressão de substantivos, pronomes, complementos ou orações principais; após o Renascimento, os poetas alargaram as possibilidades da elipse que passou a designar qualquer tipo de omissão na frase, desde que não se perca o sentido. A elipse tornou-se também de grande utilidade nas grandes narrativas modernas e pós-modernas, por uma questão de economia ou, em outros casos, por uma questão metaficcional que não está longe da ironia sobre os processos tradicionais. Mário de Carvalho, por exemplo, não deixa de folgar com os processos narrativos que prevêem a inclusão de elipses (e outras figuras): “A segunda parte queria eu começá-la logo de rijo, e em festa. Tinha ensejado uma vasta elipse, de proporções conformes aos estilos consabidos da Retórica e da Geometria. Mas, antes, arrebatou-me um escrúpulo cadastral de apontar, em sinopse, o que ocorreu no interim, com prejuízo da tal figura de estilo, que fica a dever à perfeição.” (Era Bom Que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto, 1995). A elipse pode ser também um artifício retórico decisivo para a marcação de um estilo literário, sobretudo no caso dos escritores que procuram dizer o mais possível com o menor número de palavras. Ocorre, desde logo, a obra de Carlos de Oliveira, que foi sujeita a uma severa redução de texto de edição para edição pela mão do próprio autor. O romance Finisterra. Paisagem e Povoamento (1978) ilustra o tipo de narrativa elítptica, onde o discurso é reduzido ao seu essencial, sem ornamentos nem elementos sintácticos supletivos: “Os bois, fazem favor. O mesmo ódio, o mesmo ferrete. Marcar as reses, dizem eles. Esquecer a manada solta através dos prados. Criar o animal doméstico, a paciência que se ouve nos provérbios. E a nossa memória (ruminada) de chifres contra chifres? Querem lá saber. O fogo continua: nas cozinhas, nas matanças destivas. Até que surge este desenho. Francamente.” (Obras de Carlos de Oliveira, Caminho, Lisboa, 1992, p.1040). Certos modos de expressão narrativa como o monólogo interior, o diálogo ou o solilóquio são propícios a omissões de parte do discurso, para aproximar a linguagem o mais possível da oralidade, onde sistematicamente recorremos à elipse.

2 – Na narratologia, é costume chamar-se elipse a todas eliminações de partes da acção que ajudam à economia da narrativa e não são importantes para a compreensão da história narrada. O conceito foi introduzido por G. Genette, em Figures III (1972) e inclui três variantes: elipse explícita, se estiver claramente identificada no discurso, por exemplo, com expressões do tipo “Um ano mais tarde” ou “Muito tempo depois”; elipse implícita, se não estiver claramente identificada no discurso, só se inferindo pelos dados fornecidos ao longo da história; elipse hipotética, apenas deduzida a partir da informação restrita que o autor nos dá sobre o desenrolar da história. Os elementos eliminados da história num dado momento podem ser ou não recuperados mais tarde. Se assim acontecer, o recurso à analepse ou flash-back é o mais provável.

Para alguns narratologistas como Mieke Bal, uma elipse, a rigor, nunca pode ser detectada (na terminologia de Genette, equivale a dizer que todas as elipses são “hipotéticas”), porque se nada é indicado no discurso nada podemos dizer sobre aquilo que devia estar indicado (cf. Introduction to the Theory of Narrative, University of Toronto Press, Toronto, 1985, p.71ss), o que significa que a detecção de uma elipse é, afinal, um exercício de adivinhação. Nos casos em que usamos expressões do tipo “Um ano mais tarde”, não estamos a fazer verdadeiramente uma elipse mas um “sumário mínimo”. Esta questão leva-nos à dificuldade natural de separar o que é um sumário e o que é uma elipse. Se a expressão “Um ano mais tarde” não sugere necessariamente que algo aconteceu e o acontecimento tem a ver com a história narrada, então podemos dizer que se trata de uma verdadeira elipse; se a mesma expressão não contiver nenhuma possibilidade de acontecimentos relevantes, então dir-se-á que essa expressão resume drasticamente uma determinada duração da história, mas não omite necessária e voluntariamente dados da história.

Bibliografia:

Barbara Cairns: “A Systemic Model for Ellipsis”, Working Papers, 35 (1989); Crit Cremers: “On the Form and Interpretation of Ellipsis”, in Studies in Modeltheoretic Semantics (1983); J. D. Sadler: “Ellipsis”, Classical Journal, 74 (1979); Robert J. Stainton: “Non-Sentential Assertions and Semantic Ellipsis”, Linguistics and Philosophy: An International Journal, 18, 3 (1995); Stanley B. Greenfield: “Ellipsis and Meaning in Poetry”, Texas Studies in Literature and Language: A Journal of the Humanities, 13 (1971).