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Termo do teatro que designa aquele que escolhe, interpreta, dirige e ensaia a passagem de um texto à acção, ou seja, cria e comanda todas as partes componentes de uma encenação: cenários, decoração, luzes, actores e figurantes (nomeadamente, quanto à presença, actuação, declamação, movimento e ritmo).

A função do encenador, como arte maior que reconhecemos, só começou a existir no séc. XIX quando este levantou o problema do espectáculo, num ponto de vista desconhecido para os actores e começou a analisar e a relacionar os direitos destes com os do autor e do director. Até este período, sabe-se que Ésquilo (séc. V a. C.) para além de escrever as suas tragédias, dava indicações aos actores sobre os respectivos papéis e as suas evoluções. Aristóteles, mais tarde, fará a distinção teórica entre a «composição da acção» (fábula, caracteres, verbo e ideias) e a «representação e desempenho dos actores», atribuindo a primeira como tarefa do poeta e a segunda dos «ordenadores do teatro».

Salienta-se também o período por excelência do teatro em Inglaterra (séc. XVI, XVII), onde surgem os mestres de companhia e encenadores e os mestres de «revels» do teatro de corte. Nesta época, tal como no período áureo do teatro grego, é o autor que dirige os seus próprios espectáculos. Tal foi o caso de Shakespeare em Inglaterra, de Gil Vicente em Portugal, de Lope de Vega ou Calderón em Espanha e de Moliére e Racine em França. Durante o séc. XVIII e princípios do séc. XIX, o papel de encenador era atribuído ao chefe da companhia ou actor mais experiente do grupo.

Nos nossos dias, o encenador assemelha-se a um maestro que tem a seu cargo a direcção da execução duma obra de arte onde intervêm vários artistas e onde é necessário imprimir uma unidade e harmonia de expressões que possibilitem a concretização de um verdadeiro espectáculo. Outra comparação possível é a que nos é dada por Adolphe Appia (1862-1928) quando diz que «o encenador é um pintor que usa uma paleta viva».

O encenador, ao transpor o mundo da anotação escrita para a sua realização plástica, apresenta-nos uma interpretação ou perspectiva pessoal de um autor, com base no respeito pela sua linguagem, exposição e filosofia. Neste sentido, o encenador não se apaga por detrás da obra que apresenta, pelo contrário, vai afirmar-se e, por vezes, contra o próprio autor, ao introduzir um ponto de vista crítico, como é um caso recorrente em Brecht (1898-1956). O encenador fala em seu próprio nome, não é um mero representante do autor. Pode-se dizer que há um «discurso» subreptício da peça que está longe de se dissimular por detrás do discurso do autor.

A transposição do texto escrito para o espectáculo teatral pressupõe, por parte do encenador, e antes de mais nada, a criação ou recriação do texto dramático a partir de uma obra. Toda a matéria não-dramática dessa obra constituirá o que Konstantin Stanislawsky (1863-1938) chama de «subtexto», o qual terá de ser subentendido pelo encenador de modo a definir a psicologia de cada personagem. Neste momento, o encenador conduzirá à transformação dessa psicologia num comportamento, recorrendo a todos os elementos vivos postos ao seu alcance pelo teatro (forma, cor, luz, voz, gesto, atitude, movimento, ritmo, etc), e procedendo à gestão do espaço e tempo, os seus principais instrumentos de trabalho. Através destes elementos, o encenador mobilizará o espectador para determinados campos de atenção de modo a conduzi-lo à compreensão do texto dramático e do respectivo «subtexto».

A criação do encenador pretende sempre transmitir ao espectador um determinado modelo (paisagem ou texto dramático), segundo um ponto de vista que lhe possibilite adquirir um estado de receptividade absoluta. A peça será o modelo do artista- encenador e será este texto que terá de levar em consideração para o seu trabalho, dispondo da liberdade de dar maior ou menor importância ao fenómeno da criação do dramaturgo.

O encenador deverá transmitir o autor/poeta/dramaturgo do palco para o espectador em estado de Arte Pura, ou seja, a criação pessoal de cada um dos seus meios de expressão deve integrar-se, harmoniosamente, na sua própria criação. Se ultrapassar o modelo ou a peça conduzindo-os para vias estranhas à sua criação, estará a invadir o território e a trair o espírito do poeta. Deverá regular a sua acção em função do tipo de teatro e do respectivo público e preencher, através da encenação, no palco, as situações incompreendidas ou desconhecidas do espectador, perante as palavras do texto.