Escola literária cujo nome vem da fundação de The School of English, da Universidade de Cambridge, em 1917, que teve como um dos seus primeiros professores o filósofo de formação académica I. A. Richards. A Escola aparece normalmente ligada às origens do New Criticism, na sua variante inglesa, dizendo respeito sobretudo ao magistério de I. A. Richards, responsável por um método inovador de crítica literária, que acabaria por se impor como tradição por várias gerações na universidade britânica em geral. De notar que o nome Escola de Cambridge não traduz um movimento organizado, mas antes resulta de uma tentativa dos historiadores da teoria da literatura de concentrar numa expressão um certo modo de ensinar a ler criticamente um texto literário que se tornou uma tradição académica importante na Universidade britânica.
Um dos pontos de partida da teoria de Richards é a separação entre os usos emocionais e referenciais da língua, tese apresentada com C. K. Ogden em The Meaning of Meaning (1923), um clássico na história dos estudos sobre semântica. O tema principal desta obra é a noção de contexto, servindo-se os autores do pragmatismo e da linguística para analisar o papel da linguagem na definição das palavras e na constituição do pensamento. Mas a obra capital de Richards, com que inaugura a crítica literária moderna, é Principles of Literary Criticism (1924). Publica ainda Practical Criticism (1929), onde demonstra que até as pessoas cultas nem sempre sabem reconhecer o sentido (meaning) atrás de uma afirmação (statement), nem reconhecer o valor do sentido. A expressão “crítica prática”, mais tarde sinónima da “explicação” dos New Critics americanos, advém das experiências que Richards fez com os seus estudantes, pedindo-lhes que interpretassem fielmente textos literários. Esta “fidelidade” conseguia-se porque os textos eram estudados anonimamente, sem a indicação do autor, do contexto e de datas. O método utilizado veio a ser conhecido por close reading (leitura cerrada, analítica, microscópica, exacta) e era o segredo do ensino de Richards, que acreditava que a teoria era para os livros e a análise textual para as aulas.
Richards defendia que na análise literária não interessavam os dados biográficos e/ou históricos. O leitor devia concentrar-se em critérios de análise internos apenas: forma, coerência, unidade orgânica, etc. Esses “textos neutros” eram assim interpretados de forma a identificar os seus sentidos particulares, depois de uma análise isenta de referências teóricas ou de dependências da intenção do autor. De notar que a poesia é muitas vezes o ponto de partida e de chegada do método de Richards, embora não se poupem elogios à tragédia, um género paradigmático para o estudo da literatura, a sátira e grandes narrativas como Ulysses de James Joyce. O professor de Cambridge acreditava, contudo, que era a poesia que tinha uma função terapêutica, compensando-nos pelo caos e pela agitação da sociedade do século XX. A prática crítica de Richards condena em primeiro lugar a clássica dissociação entre forma e conteúdo na abordagem do texto literário. Esta prática crítica era fundada em conceitos linguísticos e psicológicos e pressupunha a rejeição do que se chamava o “Proper Meaning Superstition”, isto é, “the common belief (…) that a word has a meaning of its own (ideally, only one) independent of and controlling its use and the purpose for which it should be uttered” (The Philosophy of Rhetoric, Oxford University Press, Nova Iorque, 1965, p.11). A teoria do significado de Richards conceitua de forma distinta sentido, intenção, sentimento, tom e atribui importância maior à linguagem ambígua. Será um dos seus mais famosos alunos, William Empson, a levar mais longe esta tese.
Outra figura importante de Cambridge, aluno de Richards, foi F. R. Leavis, editor de uma revista fundamental Scrutiny (1932-53), que funcionou como referência teórica para uma certa forma de abordagem do texto literário, cujo discurso era entendido como totalmente distinto do discurso filosófico. F. R. Leavis criou uma prática crítica que viria a ser conhecida por leavisianismo, que insiste na importância da prática sobre a teoria Dando pouca importância aos valores apenas “literários”, a revista Scrutinity e os seus seguidores insistiam em que a avaliação das obras literárias estava estreitamente ligada a juízos mais profundos sobre a natureza da história e da sociedade como um todo. O nome de F. R. Leavis (e de sua esposa) está intimamente ligado à crítica prática e à close reading. A crítica prática significava um método que rejeitava a abordagem tradicional e não temia a desmontagem do texto; contudo, ela supunha também que o leitor pudesse julgar a “grandeza” literária com a atenção bem focalizada em poemas ou trechos isolados dos contextos cultural e histórico. Para tal, era necessário não perder de vista o pressuposto de uma educação pública geral, pois um povo deve estar educado literariamente para preservar as tradições e as referências culturais nacionais. A crítica prática significava, portanto, uma interpretação analítica que proporcionava um antídoto valioso às leituras esteticistas. Mas parecia também deixar a impressão de que todas as escolas de crítica anteriores haviam lido apenas uma média de três palavras por linha. Pedir uma leitura atenta, ou close reading, significa mais do que insistir na atenção devida ao texto: sugere uma atenção selectiva para com determinados aspectos do texto, uma atenção para as palavras contidas na página e não para os contextos que as produziram. O New Criticism adoptou esta noção de close reading, ou leitura analítica minuciosa do texto, que é assumido como um meio de realização linguística autónomo em relação a quaisquer factores extrínsecos, cujo processo artístico de construção pode ser revelado pela análise técnica. O crítico que assim procede aproxima-se do texto com objectividade e precisão, como um anatomista que estuda as células ao microscópio, embora sem esquecer o aspecto humano da obra. A ênfase está no objecto analisado, a obra, e não no sujeito que a analisa ou no estudo das suas fontes. Esta orientação para a leitura cerrada tornava-se desvantajosa, pois obrigava a uma análise indutiva, renovável a cada leitura, impedindo desta forma a criação de uma teoria e o estabelecimento de um modelo. Daí a quantidade de atributos apresentados como especificidade do texto poético. A ambiguidade, a tensão, o paradoxo, etc, passaram a representar as chaves da leitura cerrada. Se Leavis tentou redimir a crítica transformando-a em algo que se aproximava de uma religião, Richards, que também recomenda que a poesia substitua a religião, procurou dar ao exercíco crítico bases sólidas e “científicas”, adoptando uma relação próxima entre a psicologia e a literatura.
O discípulo de Richards, William Empson, vai explicar a dificuldade que se abre na detecção do sentido com a sua teoria da ambiguidade. Empson é autor de um livro fundamental, Seven Types of Ambiguity (1930), publicado aos 24 anos, e um bom exemplo da aplicação do método da close reading. É por vezes mencionado nesta escola de Cambridge e/ou dentro do grupo do New Criticism, mas seria mais correcto estudá-lo autonomamente, pois ele foi sim um adversário das principais doutrinas desta corrente. O que o faz parecer um teórico do New Criticism é precisamente o seu estilo de análise textual, recorrendo às leituras cerradas. Enquanto o New Criticism separa o texto do discurso racional e do contexto social, Empson insiste, sem meias palavras, em tratar a poesia como uma espécie de linguagem “comum”, capaz de ser racionalmente parafraseada — esta mesma tese já a vimos defendida por Wordsworth no prefácio à 2ªed das Lyricall Ballads . Empson é um intencionalista puro (mas não confesso, como se defende em Using Biography, 1984) que leva em conta o que o autor provavelmente quis dizer, interpretando este facto de uma forma conveniente. Longe de existir como um objecto hermeticamente fechado entre si, a obra literária, para Empson, é aberta: a sua compreensão envolve mais a compreensão dos contextos gerais (nos quais as palavras são usadas socialmente) do que a identificação dos padrões de coerência verbal interna.
The Cambridge History of Classical Criticism, vol. 8: From Formalism to Poststructuralism, ed. por Raman Selden (1995); Chetan Karnani: Criticism, Aesthetics, and Psychology: A Study of the Writings of I. A. Richards (1977); Cleanth Brooks e W. K. Wimsatt. Literary Criticism – A Short History, 1957 (Crítica Literária – Breve História, 2ªed., Lisboa, 1980); D. W. Fokkema e Elrud Ibsch. Theories of Literature in the Twentieth Century (1977); Ewa M. Thompson: Russian Formalism and Anglo-American New Criticism (1971); Fernando Gomez Redondo: La crítica literaria del siglo XX (1996); Giovanni Cianci: La scuola di Cambridge: La critica letteraria
di I. A. Richards, William Empson, F. R. Leavis (1970); Jean-Yves Tadié: La Critique littéraire au XXe siècle (1987); Jerome P. Schiller: I. A. Richards’ Theory of Literature (1969); John Crowe Ransom: The New Criticism (1941); John Fekete: The Critical Twilight: Explorations in the Ideology of Anglo-American Literary Theory from Eliot to McLuhan (1977); John Needham: ‘The Completest Mode’: I. A. Richards and the Continuity of English Criticism (1982); Terry Eagleton: Literary Theory – An Introduction, 1983 (Teoria da Literatura, São Paulo, 1983).
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