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Modo como se adequa a expressão ao pensamento, modo de escrever (do latim stilu(m), para habilidade no manejo da pluma no acto de escrita, mas originalmente para designar o instrumento d e ferro com que se escrevia sobre tábuas enceradas), ornato – são algumas definições primárias de estilo. Podemos acrescentar uma outra, proposta por Jonathan Swift: “Proper words in proper places, make the true definiton of a style.” (Letter to a Young Gentleman lately entered into Holy Orders (9-1-1720), o que parece ser um consenso no campo da criação literária, tal como a definição generalista de Comte de Buffon: “Ces choses sont hors de l´homme, le style est l’homme même.” (Discours sur le style, dirigido à Académie Française, 25-8-1753). A possibilidade de estender os valores semânticos do termo estilo permite-nos falar, por exemplo, de um estilo antigo (em inglês, diz-se Old Style [OS], para traduzir o métodp de cálculo de datas de acordo como calendário juliano); de um estilo novo (em inglês, New Style [NS], ou método de cálculo de datas de acordo com o calendário gregoriano); de um estilo internacional, aplicável na arquitectura do século XX; ou de uma folha de estilo (style sheet), para descrever as formas gráficas que um documento digitalizado pode ter. Todas estas acepções servem apenas para iniciar a discussão sobre os sentidos do termo estilo, que, mesmo dentro dos estudos literários, pode multiplicar-se ainda mais, mesmo sem entrar numa discussão maior que é a de saber, grosso modo, o que é um bom ou um mau estilo.

O estudo das possibilidades de construção do estilo é tarefa da estilística, que inclui um campo de reflexão sobre a própria noção de estilo, a aplicação do vocabulário e da sintaxe de forma a obter determinados efeitos a partir de uma norma linguística. O pressuposto inicial de construção de um estilo é o de que tal projecto exige um desvio a essa norma. A variedade de estilos é proporcional à variedade de processos de criação literária, pelo que é legítimo falar de variantes como (1) estilo de autor, quando se identificam certos rasgos linguísticos que são únicos num dado indivíduo; (2) estilo de época, quando um dado período da história literária impôs um modo de escrever muito codificado e segundo normas colectivas, falando-se, neste caso de estilo clássico, maneirista, barroco, romântico, etc.; (3) estilo de uma obra, quando nos referimos ao modo literário que um dado texto apresenta (lírico, narrativo ou dramático); (4) estilo temático, quando uma dada obra se concentra em temas específicos (políticos, filosóficos, religiosos, jornalístico, históricos, didácticos, etc.); (5) estilo qualificado, quando se opta por dar uma determinada ênfase ao discurso (neste caso o estilo pode ser diplomático, sarcástico, irónico informativo ou objectivo, humorístico, etc.); (6) estilo localizado, quando falamos de um modo de comunicação verbal próprio de uma comunidade linguística geograficamente localizada (estilo ático, dórico, flandrino, parisino, paulista, etc.). A Idade Média já simplifica estas variantes em estilo sublime (ou gravis), mediano (mediocres) e baixo (humilis), o que constituía uma espécie de código a seguir se se pretendia adequar correctamente o discurso ao pensamento e à situação de comunicação. Por exemplo, um vilão não devia expressar-se em estilo gravis e um nobre jamais recorreria ao estilo humilis, em ambos os casos por obediência ao decorum. Escrever bem, é pois, durante a Idade Média e até pelo menos ao Romantismo, obedecer a um certo número de normas retóricas. O classicismo socorreu-se de um número elevado de figuras de estilo, para tentar codificar todas as formas de expressão verbal, que incluíam, entre outras, as figuras de dicção, as figuras de construção, os tropos e as figuras de pensamento.

Esta ideia tradicional de estilo começa por ser discutida, no século XX, pelos trabalhos do filólogo suíço Charles Bally , para quem o estilo é antes uma possibilidade que a linguagem nos oferece entre outras formas de expressão. Na mesma linha, Edward Sapir há-de distinguir uma forma de literatura baseada na forma, que é intraduzível (Swinburne, Verlaine, Horácio, Catulo, Virgílio, por exemplo) e uma outra literatura que é baseada no conteúdo (Homero, Platão, Dante, Shakespeare, por exemplo). Esta dicotomia é tão discutível como a ideia de que o estilo é um reflexo da personalidade do autor. Cremos que na maior parte dos casos ao estilo está associado um trabalho de aprendizagem rigoroso de técnicas de expressão literária. É este trabalho que nos permitirá falar da singularidade ou originalidade de um estilo. Tal acontece, por exemplo, com James Joyce: o trabalho estilístico de Ulysses é metodicamente realizado pelo autor, que não despreza o poder da palavra para mostrar as fraquezas da evolução do mais universal dos idiomas: a história da língua inglesa está representada na cena da maternidade — um estudante fala absurdamente num inglês medieval, outro responde em estilo ordinário, enquanto um outro fala em estilo barroquista, que depois descai para a linguagem bíblica, para o calão, para a linguagem crua do quotidiano, etc. De permeio, o estilo de vários escritores de língua inglesa, já devidamente canonizados, de Mandeville a Dickens, é recuperado para situações cómico-satíricas. O que escritores modernistas como Joyce fizeram foi um uso sistemático da paródia como recurso de dissemelhança estilística, isto é, procura-se satirizar estilos convencionais sobrepondo-lhes outros estilos tidos por modernos. A simples intenção de dissemelhança de um dado estilo em relação a um outro que previamente tinha sido reconhecido como convencional ou fora-do-tempo-presente era considerada como uma postura modernista. Este exemplo de criação estilística mostra também que o estilo envolve mais do que um simples efeito de linguagem que qualquer teoria linguística pode identificar objectivamente. O estilo não é a simples estrutura do texto nem é um código que preceda a leitura, o que permitiria a sua imediata descodificação segundo regras preestabelecidas. O estilo é trabalho sobre a língua e sobre a escrita, não sujeito nem identificável a priori num qualquer catálogo de formas elegantes de expressão.

Bibliografia:

Cesare Segre: “Estilo”, Enciclopédia Einaudi, vol.XVII (1989); Fernando Venâncio: Estilo e Preconceito: A Língua Literária em Portugal no Tempo de Castilho (1998); Gérard Genette: Fiction et diction (1991); J. Middleton Murry: The Problem of Style (1976); Marcel Cressot: O Estilo e as suas Técnicas (Lisboa, 1970); Nils Eric Enkvist et al.: Linguística e Estilo (São Paulo, 2ª ed., 1974); Seymour Chatman (ed.): Literary Style : A Simposium (1971); Sírio Possenti: Discurso, Estilo e Subjetividade (São Paulo, 1988); Thomas E. Sebeok (ed.): Style in Language (1960).