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Entende-se por estudos Pós-Coloniais temáticas sobre descolonizações imperiais (BRANTLINGER 2009: 55) através de documentos escritos, nomeadamente romances sobre um imaginário escuro e sombrio, onde, sumariamente, se incentivavam as forças imperiais, de modo subliminar, a abandonarem as colónias. Esses documentos eram produzidos por escritores do país imperialista, que levavam vidas boémias, e a favor dos países colonizados, integrando-se nos movimentos nacionalistas desses mesmos países dos finais do século XIX e do início do século XX.

As produções literárias pós-coloniais reflectem os medos e as ansiedades da época, sentimentos esses provenientes dos colonizadores em relação a uma possível alienação dos elementos da civilização britânica ao entrarem em contacto com os povos colonizados durante demasiado tempo. Como revelação do imaginário no romance, destaca-se “viagem e aventura, descoberta e exotismo” como “parte do imaginário de todos nós” (PINTO COELHO 2004: 8). Estas críticas colonialistas revelam negatividade perante o projecto de expansão colonial, denotando sempre como o elemento interno pode ser afectado por elementos externos, mas, mesmo assim, consegue sempre sair vitorioso.

Como exemplo dessas produções literárias temos The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886), de Robert Louis Stevenson, She: A History of Adventure (1886-7), de Henry Rider Haggard, Dracula (1897), de Bram Stoker, e Heart of Darkness (1902), de Joseph Conrad. Em todas elas, é possível assistir a uma constante deterioração do elemento britânico e a ataques constantes de elementos externos ao ser britânico, tanto em Dr. Jekyll and Mr. Hyde na personagem de ‘Hyde’ como o símbolo sombrio, negro, obscuro e malvado; tal como em She, onde ‘Ayesha’, rainha da tribo africana, tenta seduzir ‘Leo’ para tentar voltar com ele para a Grã-Bretanha e dominar todo o país, destronando a Rainha, embora acabando por morrer antes de o poder fazer, enquanto tentava oferecer vida eterna ao seu apaixonado.

Assim sendo, pode-se afirmar a existência de uma literatura pós-colonial (antes dentro do cânone colonial), da qual fazem parte obras onde se revela a subversão e a resistência ao colonizador, sempre preocupando-se com o que o processo de colonização implicou – “European imperial aggression” (PINTO COELHO 2004: 14). Por tal, o Outro encontrava-se “reduzido ao negativo moral do colonizador” (ibid.).

No caso português, Boaventura Sousa Santos declara que os colonizadores imitaram o povo colonizado, ou seja, revelavam alienações legitimadas por necessidade:

Quanto à imitação que Bhabha atribui ao colonizado, considera que esta relação está invertida, tendo o colono português imitado o colonizado, por razões de sobrevivência e porque era ele próprio um colonizado/emigrante face à metrópole de onde era oriundo. (CUNHA 2010: 2)

Na área francófona, é a obra Francophone Postcolonialism: A Critical Introduction, de Charles Forsdick e David Murphy, que sugere uma união de experiências coloniais de França, Espanha, Portugal, Holanda, entre outros, face a um triunfalismo anglófono excessivo (CUNHA 2010: 3).

Há ainda a considerar a proposta de Gayatri Spivak em relação a uma “dupla colonização feminina”, ou seja, as duas relações possíveis entre mulher (nativa) e Império: primeiramente, assiste-se à colonização da mulher em casa e, depois, na sociedade (PINTO COELHO 2004: 21), subentendendo a subjugação constante da mulher colonial na sociedade, além do vínculo familiar de subjugação à figura masculina. Contudo, as únicas visões apresentadas são masculinas, ou seja, sempre com as representações dos autores sobre o(s) feminino(s), mostrando que as aventuras imperiais eram somente dedicadas ao masculino, enquanto o feminino era sempre retractado em trabalhos domésticos e ordenados – embora não seja o caso de ‘Ayesha’, em She, rainha de um território desconhecido pelos colonizadores.

Quatro impérios dominavam o mundo colonial: o britânico, o francês, o português e o espanhol. Todos eles fascinavam e temiam o Oriente – entendiam o orientalismo como factor-espaço de representação do negativo – do desconhecido, de aventura, medo, inesperado, irracionalidade e atraso –, onde existe o medo de que o elemento colonizador (ocidental) – símbolo supremo de racionalismo, maturidade e moralidade – se torne alienado e que, porém, possa sofrer perturbações permanentes, isto porque o elemento colonizador tem na sua essência a sua origem, a sua nacionalidade e, por isso, representa o seu país; se o colonizador se apresenta em condições negativas, representa metaforicamente o país sobre negatividade externa recorrendo inevitavelmente ao imaginário para aplicação literária, traduzindo-se no medo de que a experiência colonial possa ter subvertido o poder e a autoridade do colonizador.

Geralmente, todos os territórios colonizados – América Latina, Caraíbas, África e Ásia – simbolizavam o elemento desconhecido e, portanto, escuro/obscuro, mas também eram símbolo de aventura e de conhecimento. O Outro era visto, então, como algo estranho e misterioso aos olhos do “eu” colonizador, mas quando o Outro começa a integrar-se, isto é, pela aprendizagem da língua e pela aquisição de conhecimentos culturais sobre o país colonizador, o indivíduo colonizador confronta-se com uma ameaça de integração e de fusão com a sua própria cultura, o que não pode ocorrer, pois seria visto como uma intrusão no sistema, uma fraqueza, uma derrota, muito mais do que um risco ou ameaça.

Contudo, o espaço colonizado não era apenas sinónimo de negatividade:

John MacKenzie mostra como (…) os artistas europeus projectaram para o Oriente não apenas as fantasias e os medos do Ocidente, mas também aspirações, valores renovados e liberdades desejadas. (…) O fascínio pelo Oriente reside na forma como este oferecia uma reacção atavística ao imperialismo, à desmoralização das massas, ao descontentamento social. (PINTO COELHO: 23)

Assim sendo, o Oriente era, para os colonizadores britânicos, comparável ao território norte-americano na Utopia (1516) de Sir Thomas More para os britânicos de quinhentos e seiscentos.

Hoje, os estudos pós-coloniais são uma temática importante relevância nas universidades mundiais, dado que os programas de unidades curriculares de estudos pós-coloniais incidem sobre a análise de respostas ao controlo e poderio imperial de territórios coloniais, seja em âmbitos sociopolíticos, seja em âmbitos económicos, seja em termos de assertividade de superioridade dos colonizadores, revelando as relações entre colonizadores e colonizados e a subjugação e a subalternidade destes últimos.

Em suma, os estudos pós-coloniais preocupam-se com a (re)criação de eventos coloniais e, através da criação de histórias e tramas fictícias, de enviar uma mensagem subliminar ao público leitor acerca da necessidade de travar as ideias colonialistas face perigos eminentes, como a miscigenação – como era representado o elemento português em King Solomon’s Mines (1885), de Henry Rider Haggard –, a degradação e a deterioração do ser colonizador, mesmo que o elemento nacional acabasse por escapar praticamente ileso no final.

{bibliografia}

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