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Estudos culturais centrados na mulher e na questão feminina no âmbito de um vasto campo do saber, que pode incluir o estudo de conceitos tão próximos como: feminismo (discussão política, social ou ética sobre o lugar da mulher na sociedade), feminilidade (discussão sobre o carácter próprio de mulher) ou feminidade (discussão sobre aquilo que constitui o carácter de quem é mulher). As definições que os dicionários apresentam para estes termos pode constituir um ponto de partida válido para os estudos sobre as mulheres, que incluem quase sempre o estudo das implicações culturais deste tipo de formulações generalistas. Esta área de investigação debruça-se, então, sobre a posição e o percurso da mulher na sociedade e o contributo feminino, tantas vezes anónimo e silenciado, para o desenvolvimento da humanidade. De origem ainda recente, os estudos sobre as mulheres (women’s studies) têm-se vindo a estabelecer num contexto multidisciplinar no qual se inserem, entre outras, as artes, as ciências, as humanidades, a economia e as finanças. Estes caminhos apontam para um tipo de positividade nos estudos sobre as mulheres que não se encontra, normalmente, nos estudos puramente feministas, isto é, vocacionados para as discussões políticas sobre o estatuto imposto à mulher pelas instituições oficiais ou pelas pressões sociais. Elaine Showalter, em A Literature of Their Own (1982), coloca bem a questão quando distingue os três diferentes domínios de abordagem, considerados a partir dos termos cognatos citados, da seguinte forma: o domínio feminista (em termos de literatura ou escrita no feminino) envolve a defesa de certos direitos e valores não consagrados; o domínio feminino inclui a imitação prolongada no tempo de certos modos canonizados de representação artística; o domínio da mulher propriamente dita é a fase da auto-descoberta e a da procura de uma identidade própria. Uma outra distinção, ainda mais generalista e de certeza discutível, pode fazer-se entre crítica feminista e estudos sobre as mulheres, a primeira dedicada exclusivamente a questões literárias e realizada por mulheres, a segunda dedicada a estudos de natureza cultural sobre a condição da mulher. Contudo, as temáticas e os intérpretes de ambos os campos de acção são, quase invariavelmente, os mesmos. A tendência actual, quando ainda não decorreu tempo suficiente para se poder fazer a história de todos os movimentos, parece ser a de reunir na designação estudos sobre as mulheres os estudos de teoria literária, teoria crítica e teoria cultural. Aceitando esta conceptualização, podemos sintuar o âmbito desta disciplina num conjunto de debates que incluem: reconstrução da história das mulheres, revisão da tradição feminina, crítica das representações femininas nas artes em geral, formação do cânone, cultura popular feminina, construção do género, sexualidade feminina em todas as suas expressões, diferenças raciais, sexuais, políticas, sociais, etc. comm forte impacte na condição da mulher, a fundação de uma escrita feminina, a influência de todas as formas patriarcais da cultura e da literatura sobre a mulher, estudos pós-coloniais com incidência sobre a mulher, a fundação de uma epistemologia feminina, a desconstrução da ideia de Mulher, etc.

De um ponto de vista mais restrito, a crítica feminista — poderá sempre ser vista como uma sub-disciplina dos estudos sobre as mulheres — concentrará a sua atenção exclusiva na análise crítica da produção literária do ponto de vista da mulher. Os críticos feministas pretendem descobrir e divulgar uma tradição de escrita feminina, reavaliar a imagem da mulher na literatura e valorizar as vivências femininas do ponto de vista individual e colectivo. A crítica feminista entende que a literatura deve servir um propósito de contraponto à tradição cultural do ocidente, que se caracteriza por ser «monosubjectiva, monossexual, poderíamos dizer falocrática ou logofalocêntrica» (Isabel Allegro Magalhães, «Mesa Redonda», Dedalus 6, 1996, p.147) e parte do princípio de que é necessária uma «compensatory history», que equilibre os pesos do masculino e do feminino na balança da história literária. A crítica feminista é entendida como «re-visão», mais do que um método crítico. Adrienne Rich define-a como «um acto de sobrevivência» (Rich:1972:84-91) perante a hegemonia do masculino: autor e produto literário. A diferenciação entre sexo (sex) e género (gender) é fundamental para a crítica feminista. Deste modo, o género não é entendido como identidade primordial absoluta, mas como um dado culturalmente adquirido, que acompanha as mudanças da própria cultura. Estas posições da crítica actual derivam de uma intermitente consciência crítica em mulheres que, isoladamente, se destacaram em séculos mais distantes. Por exemplo, em 1800, Mme de Stäel reconhece de forma lúcida e sintética que «[a] existência das mulheres em sociedade é ainda incerta sob muitos aspectos» e aspira a «uma época em que legisladores filósofos prestarão uma séria atenção à educação que as mulheres devem receber, às leis civis que as protegem, aos deveres que se lhes deverão impor, à felicidade que se lhes pode garantir; mas [que], no seu estado actual, não se encontram, na sua maior parte, nem na ordem da natureza nem na ordem da sociedade.» ( apud Duby:1994) Poder-se-á localizar cronologicamente, embora não de forma rígida, o nascimento da crítica feminista como uma atitude consciente, na década de 1960. No seu romance As Meninas (1973), Lygia Fagundes Telles dota uma das personagens femininas de pensamento crítico: «Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos. Agora somos nós que vamos dizer o que somos». Este «agora» é um processo de redescoberta, reavaliação e construção, contínuo e intemporal. A valorização de um outro olhar – feminino – sobre uma tradição historico-literária – masculina.

O reconhecimento da mulher como chave do desenvolvimento (Maggie Black:1994) teve como consequência a nível científico (e, de algum modo, prático) a proliferação de estudos e relatórios sobre o posicionamento das mulheres no caminho da sociedade justa que se deseja para todos. A atenção de grandes organismos inter e supra-nacionais como a ONU, a Organização Mundial do Trabalho e a Organização Mundial de Saúde, por exemplo, espelha a tomada de consciência a que se assiste em relação ao papel da mulher, que no virar do século XXI, representa mais de metade da população da terra. Em relação aos estudos literários, em alguns países, sobretudo nos EUA, estes já se encontram institucionalizados a nível universitário. Em Portugal, embora ainda em fase de consolidação, os estudos sobre as mulheres têm vindo a adquirir uma importância crescente comprovada, não só pela mobilização do mercado editorial, como pela “agitação” académica. A nível dos estudos literários, salientam-se, entre outras investigadoras, Isabel Allegro de Magalhães (Universidade Nova de Lisboa), Graça Abranches e Rosário Mariano (Universidade de Coimbra), Paula Morão (Universidade de Lisboa), Isabel Capelôa Gil (Universidade Católica de Lisboa), Aline Ferreira (Universidade de Aveiro) e Ana Gabriela Macedo (Universidade do Minho). Procura-se uma tradição feminina de escrita. O conceito de género (gender), culturalmente adquirido em oposição a sexo, condicionado biologicamente (Butler:1990:367-373), é fundamental para o estudo sobre as mulheres. Um ponto de partida em posições de força sobre o lugar da mulher pode ser o assumido premonitoriamente por Simone de Beauvoir que afirmava que não se nasce mulher, torna-se mulher. (Beauvoir:1976). A ideia de género como uma categoria moral, feita e refeita pelo contexto cultural, é a base da desconstrução da história da literatura como nos foi dada a conhecer desde sempre – masculina e unívoca. Assim, o conceito de estudos sobre as mulheres pressupõe não só uma sistematização dos contributos, representações e vivências das mulheres, mas também o desenvolvimento de perspectivas teóricas e críticas sobre a prevalência do masculino e as estratégias femininas de luta contra esse domínio. Os estudos lésbicos (lesbian studies) são uma derivação marginal dos estudos sobre as mulheres. O «lesbian separatism» procura organizar a sua própria tradição. A heterossexualidade dominante é entendida como uma imposição do regime patriarcal que deve ser contrabalançada pela análise homossexual das relações entre entidades: autoral, crítica, de personagem. Esta interpretação da obra literária não é necessariamente sexual, mas conceptual. O «eu» mulher, que é agente de escrita, envolve-se emocionalmente com o «eu» mulher, objecto do seu estudo ou produto da sua criatividade. No entanto, o acto sexual pode estar presente no desenvolvimento destas relações entre mulheres (Zimmerman:1981:81) e a consciência lésbica é uma reivindicação de muitas das autoras desta área da crítica feminista.

{bibliografia}

Ana Vicente: Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens (1998); Barbara Smith: «The Truth That Never Hurts: Black Lesbians in Fiction in the 1980’s (1990)», in in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism, (1997); Bell Hooks: Feminist Theory: from Margin to Center (1984); Bonnie Zimmerman: «What has never been: an overview of Lesbian Feminist Literary Criticism (1981)», in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism, (1997); Dedalus, nº 6 [dedicado aos estudos sobre as mulheres] (1996); Elaine Showalter (ed.): The New Feminist Criticism: Essays on Women, Literature and Theory (1986); Georges Duby e Michelle Perrot: História das Mulheres (5 vols., 1994); Judith Butler: «Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (1990)», in Feminist Literary Theory – a reader (1997); Judith Fetterley: The Resisting Reader: a Feminist Approach to American Fiction (1978); Julia Kristeva: «Women’s Time», in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism, (1997); Lygia Fagundes Telles: As Meninas (1973); Maggie Black: Girls and Women: a UNICEF Developement Priority (1994); Nancy F. Cott: The Grounding of Modern Feminism (1987); Simone de Beauvoir: Le deuxième sexe: Les faits et les mythes (1976); Terry Castle: «Sylvia Townsend Warner and the Counterplot of Lesbian Fiction (1993), in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism, (1997).