Primeira parte da dispositio– ordenação adequada de ideias de um discurso retórico. Do latim exordire (“começar”), consiste na parte introdutória do logos. Rafael Bluteau, no Vocabulário, faz equivaler a exórdio os vocábulos prefação, preâmbulo e prefácio. Compreende o exórdio dois momentos:a obtenção da complacência do público e a apresentação da partitio– plano a seguir. Nele são aplicadas diversas fórmulas de acordo com as características do auditório e com o género discursivo em questão: pode ser simples ou directo se apresenta directamente a matéria a desenvolver; indirecto se o orador recorre a subterfúgios para sugerir assuntos susceptíveis de rejeição;de improviso quando, sem justificação, se torna abrupta a entrada na matéria.
Na oratória portuguesa de seiscentos alicerçada no ensino da retórica transmitido pela Companhia de Jesus, verifica-se a conciliação da cultura ciceroniana com as necessidades religiosas e evangélicas da Contra-Reforma. A retórica de Cícero não se restringe a uma técnica forense, devendo propiciar a educação integral.
Para o Padre António Vieira, representante da oratória sacra da Época Barroca, o conceito de pregador ideal deixa de ser exclusivamente doutrinário, direccionando-se para acções pedagógicas de cariz político e social. A atracção do auditório por meio da persuasão discursiva vieiriana torna-se indissociável de uma actuação transformadora do local de pregação num forum pleno de actividade.
No exórdio do Sermão da Sexagésima, apresentado na Capela Real, Vieira refere os perigos vividos pelos missionários jesuítas no Brasil por oposição à vida cómoda dos pregadores da corte. O autor rejeita o sermão de fórmula errante e dispersa (sermão apostilado), propondo um sólido esquema retórico no qual o logos deverá assentar nos seguintes cânones clássicos: exórdio, proposição, narração, divisão, confutação e conclusão.
Erasmo realçava o facto de Cícero colocar no exórdio todas as “sementes” do discurso assegurando, em segunda etapa, a correlação das suas partes. Sementeira, frutificação e árvore, da simbologia escriturária, constituem referentes vieirianos sendo o sermão designado por “árvore da vida”- representação da unidade orgânica do logos por oposição ao sermão fragmentado que o autor critica.
Na obra de Vieira, o exórdio constitui o espaço eleito para a exposição de assuntos não obrigatoriamente derivados da matéria que preside ao discurso no seu todo. É também na abertura que o autor se projecta e recorre preferencialmente ao equívoco, ao acomodar textos bíblicos tanto à época presente quanto ao seu papel de protagonista: no Sermão de Santo António aos Peixes o vocativo “vós” designa receptores de diferentes universos: os apóstolos (pregadores) de Cristo e os missionários do Maranhão presentes no auditório. O orador valoriza de tal modo a parte introdutória do texto que, em sermões encontrados em borrão, só o exórdio revela um carácter completo e de redacção cuidada.
Aníbal Pinto de Castro: Retórica e Teorização Literária em Portugal (1973); James Crosswhite: “Mood in Argumentation: Heidegger and the Exordium”, Philosophy and Rhetoric, nº22/1 (1989); Idem: The Rhetoric of Reason- Writing and the Attractions of Argument (1996); Margarida V. Mendes: A Oratória Barroca de Vieira (1989); Maria Lucília G. Pires: “Prólogo e Antiprólogo na Época Barroca”, Para uma História das Ideia Literárias em Portugal (1980); Roland Barthes: “L’Ancienne Rhétorique”, Communications, nº16 (1970).
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