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Termo forjado por Charles Sanders Peirce (1839-1914) a partir do grego phaneros (o visível, o aparente, o manifesto, o fenómeno) e skopéo (olhar, observar, reflectir) para designar a ciência dos fenómenos: «A faneroscopia é a descrição do faneron; por faneron entendo a totalidade colectiva de tudo aquilo que, de alguma maneira e em qualquer sentido que seja, está presente ao espírito, sem considerar de modo algum se isso corresponde a alguma coisa de real ou não. Se me perguntarem: presente quando e ao espírito de quem, respondo que deixo estas questões sem resposta, não tendo a menor dúvida de que estes traços do faneron que encontrei no meu espírito estejam presentes desde sempre e a todos os espíritos.» (Collected Papers, Harvard Univ. Press, vol. 1, parágrafo 284. Citaremos doravante os textos de Peirce, de acordo com a convenção, usando esta edição, do seguinte modo: C.P., nº do volume, número do parágrafo). Os faneroi (plural grego de faneros) correspondem, portanto, ao que designamos habitualmente por ideias ou por fenómenos, termos que Peirce, de acordo com os princípios que, para ele, deveriam nortear a moral terminológica do cientista, procurou evitar de modo a demarcar-se claramente das concepções filosóficas precedentes. Esta demarcação visava, em particular, as filosofias de Kant, de Hegel e de Husserl, que acusava de fazerem demasiadas concessões à percepção psicológica e de não darem conta da natureza lógica como os fenómenos estão presentes ao espírito, termo que poderíamos traduzir por razão. A faneroscopia é, por conseguinte, a ciência dos princípios lógicos que regem a percepção dos fenómenos.

Peirce retomou a tradição pitagórica para a concepção e denominação das categorias. Assim, tudo aquilo que temos presente ao espírito é compreendido nas categorias faneroscópicas da Primeiridade (Firstness), da Secundidade (Secondness) e da Terceiridade (Thirdness).

Peirce definiu assim as três categorias faneroscópicas: «De entre os fanerons, há certas qualidades sensíveis como o valor do magenta, o odor da essência da rosa, o som de um apito de locomotiva, o gosto da quinina, a qualidade da emoção sentida ao contemplar uma bela demonstração matemática, aa qualidade do sentimento do amor, etc.(…) Esta pura qualidade ou talidade não é em si própria uma ocorrência, como ver um objecto vermelho; é um puro talvez.» (C.P. 1, 304)

«Tal como o primeiro não é absolutamene primeiro se é pensado como um segundo, assim para pensar o segundo na sua perfeição devemos banir qualquer terceiro. O segundo é, portanto, o último absoluto. Mas não é de maneira nenhuma necessário banir – não é preciso – a ideia de primeiro do segundo; pelo contrário, o segundo é precisamente aquilo que não pode ser sem o primeiro. Encontra-se em factos como outro, relação, obrigação, efeito, dependência, independência, negação, ocorrência, realidade, resultado. Uma coisa não pode ser outra, negativa ou independente, sem um primeiro em relação ao qual ela será outra, negativa ou independente.» (C.P. 1, 358)

«Primeiro e segundo, agente e paciente, sim e não são categorias que nos permitem descrever grosseiramente os factos da experiência, e o espírito contentou-se com elas durante muito tempo. Mas finalmente foram consideradas desadequadas e fez-se então apelo para uma outra concepção, para o terceiro. O terceiro é aquilo que lança uma ponte por sobre o abismo entre o primeiro e o último absolutos e os põe em relação.» (C.P. 1, 359)

Cada uma das três categorias faneroscópicas pode, por seu lado, ser considerada como primeira, como segunda e como terceira. Assim, a Primeiridade pode ser considerada independentemente da sua actualização (1.1), em relação ao facto actual (1.2) ou como lei que regula a relação entre a primeiridade e a secundidade (1.3). A Secundidade pode ser considerada como possibilidade de actualização (2.1), como actualizada (2.2) ou como pensada na lei que regula a secundidade primeira e a secundidade segunda (2.3). A Terceiridade, por último, pode ser considerada como possibilidade de relação (3.1), como relação realizada (3.2) e como a própria relação (3.3).

Destas distinções sistematicamente organizadas retirou Peirce o seguinte esquema:

1

2

3

1

1.1

1.2

1.3

2

2.1

2.2

2.3

3

3.1

3.2

3.3

Peirce distinguia três tipos de categorias: as autênticas, as degenradas e as acréticas ou acidentais. No esquema, utilizámos as convenções tipográficas do negrito, do itálico e do sublinhado para as designar respectivamente.

Partindo do sistema das categorias faneroscópicas, Peirce elaborou uma teoria original da semiótica, disciplina que assimila à lógica: «A lógica, no seu sentido gera, como creio tê-lo demonstrado, não é senão um outro nome da semiótica, a doutrina quase necessária e formal dos signos. Ao descrever esta doutrina como “quase necessária” ou formal, quero dizer que observamos os caracteres dos signos que conhecemos e desta observação, por um processo que não teria objecção a chamar abstracção, e por conseguinte num sentido de maneira nenhuma necessário, a respeito daquilo que devem ser os caracteres de todos os signos utilizados por uma inteligência “científica”, isto é uma inteligência capaz de aprender por experiência.» (C.P. 2, 227)

Assim, às categorias faneroscópicas da Primeiridade, da Secundidade e da Terceiridade correspondem as categorias semióticas do Representamen, do Objecto e do Interpretante respectivamente, sendo o signo a relação que se estabelece entre elas: «Um signo, ou representamen, é qualquer coisa que está para alguém em lugar de qualquer coisa sob uma relação ou a um título qualquer. Dirige-se a alguém, isto é, cria no espírito dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. Este signo que ele cria, chamo-o o interpretante do primeiro signo. Este signo está em lugar de alguma coisa: do seu objedto. Está em lugar deste objecto, não sob todos os aspectos, mas por referência a uma espécie de ideia que designei algumas vezes o fundamento do representamen.» (C.P. 2, 228)

Peirce esquematizou esta relação triádica do seguinte modo:

Objecto

Representamen Interpretante

Partindo de cada uma destas categorias, Peirce definiu as três disciplinas semióticas: a gramática especulativa, que estuda a relação dos representamina entre, independentemente da sua relação com os objectos para que remetem e dos interpretantes que geram, a lógica propriamente dita, que estuda a relação dos representamina com os objectos para que remetem, independentemente dos interpretantes que criam, e a retórica pura, que estuda a relação dos signos com os seus interpretantes. Chaarles Morris viria, em 1938, a designar estas três disciplinas sintaxe, semântica e pragmática respectivamente.

A semiótica de Peirce, ao contrário da semiologia proposta por Ferdinand de Saussure, não se insere, por conseguinte, numa teoria da linguagem. É antes uma lógica e pretende elaborar uma teoria que dê conta do conhecimento científico. É uma lógica pragmatista e continuista, na medida em que, ao inserir a categoria do interpretante na própria definição de signo, abre a significação para um processo de semiose ilimitada, de acordo com o esquema:

Tal como as categorias faneroscópicas, também as categorias semióticas se desdobram em relações triádicas, dando origem a uma tipologia dos signos que Peirce representou no seguinte quadro:

Primeiro (1)

Segundo (2)

Terceiro (3)

Representamen (1)

Qualisigno (1.1)

Sinsigno (1.2)

Legisigno (1.3)

Objecto (2)

Ícone (2.1)

Índice (2.2)

Símbolo (2.3)

Interpretante (3.)

Rema (3.1)

Dicisigno (3.2)

Argumento (3.3)

A partir da combinação dos diferentes tipos de signos, Peirce elaborou 10 classes de signos:

Classe I (1.1, 2.1, 3.1): qualisignos icónicos remáticos (ex.: o sentimento de “vermelho”, a afecção simples).

Classe II (1.2, 2.1, 3.1): sinsignos icónicos remáticos (ex.: um diagrama).

Classe III ( 1.2, 2.2, 3.1): sisignos indiciais remáticos (ex.: um grito espontâneo).

Classe IV (1.2, 2.2, 3.2): sinsignos indiciais dicents (ex.: um cactavento).

Classe V (1.3, 2.1, 3.1): legisignos icónicos remáticos (ex.: um diagrama independentemente da sua materialização gráfica).

Classe VI (1.3, 2.2, 3.1): legisignos indiciais remáticos (ex.: um pronome demonstrativo).

Classe VII (1.3, 2.2, 3.2): legisignos indiciais dicents (ex.: um grito na rua).

Classe VIII (1.3, 2.3, 3.1): legisignos simbólicos remáticos (ex.: um nome comum).

Classe IX (1.3, 2.3, 32): legisignos simbólicos dicents (ex.: uma proposição)

Classe X (1.3, 2.3, 3.3): legisignos simbólicos argumentais (ex.: um raciocínio silogístico).

Peirce apresentou estas dez classes sob a forma de um diagrama triangular (Peirce 1931-1958, 2.264): «As afinidades destas dez classes aparecem se ordenarmos as suas apelações no quadro triangular abaixo apresentado, em que traços espessos separam os quadrados adjacentes que são atribuídos a classes semelhantes de um único ponto de vista. Todos os outros quadrados adjacentes remetem para classes semelhantes de dois pontos de vista. Os quadrados não adjacentes remetem para classes semelhantes de um único ponto de vista, excepto nos casos de cada um dos três quadrados dos ângulos do triângulo que remetem para uma classe diferindo de três pontos de vista das classes às quais são atribuídos os quadrados ao longo dos lados opostos do triângulo. As apelações que não são impressas em caracteres espessos são supérfluas.

I

Qualisigno

Icónico

Remático

V

Legisigno

icónico

remático

VIII

Legisigno

simbólico

remático

X

Legisigno

simbólico

argumental

II

Sinsigno

icónico

remático

VI

Legisigno

indiciário

remático

IX

Legisigno

Simbólico

Dicent

III

Sinsigno

Indiciário

Remático

VII

Legisigno

indiciário

dicent

IV

Sinsigno

Indiciário

dicent

{bibliografia}

Peirce,C.S. – Collected Papers, 8 volumes, ed. por Charles Hartshorne e Paul Weiss, para os 6 primeiros volumes, e por Arthur W. Burks, para os os volumes 7 e 8, Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press, 1931-1958; Peirce, C. S. – Writings of C. S. Peirce: A Chronological Edition, Bloomington, Indiana univ. Press, 3 volumes.