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Termo da autoria de Jacques Derrida que designa o privilégio da fala sobre a escrita em que assenta, segundo o autor, toda a tradição metafísica que domina o pensamento ocidental. Essencial a esta tradição é a concepção de um logos (narrativa, discurso; mas também: razão, racionalidade) presente a si mesmo e à consciência e independente de qualquer manifestação material ou “veículo” significante (a esta concepção deu Derrida o nome de logocentrismoeste termo e fonocentrismo são muitas vezes, nomeadamente pelo próprio autor, utilizados indiferenciadamente). O facto de o significante do discurso oral parecer apagar-se no próprio momento em que é produzido cria a ilusão, por um lado, de o significado estar presente neste de forma “imediata e plena” e, por outro, de este estar totalmente sob o controlo do autor do enunciado. Devido a estas características, à fala foi atribuído, desde Platão aos nossos dias, o papel de veículo transparente da racionalidade, o que Derrida expressa algo obscuramente na fórmula: “A história da metafísica é o querer ouvir-se falar absoluto” (idem, p.121). De um ponto de vista fonocêntrico, o elemento não fonético da linguagem – isto é, a escrita entendida enquanto “técnica” – não deixa o significado “intacto”, perturbando a sua “clareza”. Tem um carácter secundário, sendo considerado uma simples re-presentação ou exteriorização de uma essência a ela anterior. Com efeito, a escrita tem sido assim historicamente desvalorizada enquanto desvio da esfera inteligível para o sensível, momento em que o logos sai de si e se abre à contingência.

Um dos exemplos mais recentes desta atitude, a que Derrida dedica A Voz e o Fenómeno, é o de Edmund Husserl. Neste livro, Derrida argumenta que a “redução fenomenológica”, fundada nas categorias da “intuição” e “evidência”, insere-se no esquema da metafísica da presença (note-se, por exemplo, que existem semelhanças óbvias entre esta “operação” de Husserl e a forma como Descartes expulsa o signo – principalmente o signo escrito – da evidência do cogito – De la grammatologie, p.147). Essencial ao modelo fenomenológico é a ilusão da possibilidade de um “monólogo interior” como linguagem da presença a si – mais uma vez, uma voz despida de elementos estranhos, sem face física, sem marcas.

A desconstrução do fonocentrismo e da metafísica da presença operada por Derrida – com plena consciência, por parte deste, de que não é possível fugir de forma absoluta aos conceitos ou horizonte filosófico em que a tradição metafísica situa este debate – procura destruir o mito da clareza e evidência do sentido. A língua original e espontânea “nunca existiu”, afirma Derrida, pois a fala tem uma existência material, significante, e foi sempre, consequentemente, écriture (idem, p.82). Nada poderia ser re-presentado, argumenta, se não fosse já em si uma forma de registo – por outras palavras, uma marca que se presta à repetição e reinscrição. O que Derrida pretende indicar é a impossibilidade de um significado transcendental em que a linguagem se pudesse fundamentar – o significado é necessariamente diferencial, na medida em que é, por sua vez, significante, inevitavelmente inserido numa cadeia de significantes infinita. Todos os elementos desta remetem para os restantes, e contém os seus traços, não os excluem. A recusa do fonocentrismo passa, assim, por um conceito de escrita alargado – a que Derrida chamou arqui-escrita – que abarca esta economia de diferenças, onde o sentido não é nunca imediato ou pleno, mas sempre suspenso, adiado.

{bibliografia}

Jacques Derrida, De la grammatologie (1967); A Voz e o Fenómeno (1996).