Conceito polissémico, utilizado em várias ciências e metodologias, que em teoria literária contemporânea anda associado ao estruturalismo e a escolas linguísticas como a glossemática de Hjelmslev e a linguística funcional de Martinet. O conceito não é aplicável apenas ao texto literário, o que nos obriga a defini-lo em âmbito restrito como o modo como uma certa estrutura ou elemento narrativo se contextualiza. Na prática textual, uma função é o modo como agem as personagens e os espaços, por exemplo; é o modo como crescem os acontecimentos; é o modo como se integra o tempo na narrativa; é o modo como a própria linguagem se actualiza e constrói novos significados.
Para os formalistas russos, a partir dos estudos iniciais de Iuri Tinianov, devemos distinguir entre função e forma: os significantes literários (formas) não perdem de vista os sentidos comuns da linguagem, porém, em literatura, estes significantes assumem uma disposição diferente, permitindo novas significações (funções). V. Propp, em Morfologia do Conto (1928), aplicou o conceito de função à análise da narrativa, a partir dos contos maravilhosos russos. Nessa obra fundamental, uma função é definida como “a acção de uma personagem, definida do ponto de vista do seu significado no desenrolar da intriga” (Morfologia do Conto, 2ª ed., Veja, Lisboa, 1983, p.60). Quer o modelo de Propp quer o modelo desenvolvido por Étienne Souriau em Les deux cent mille situations dramatiques (1950), onde se define uma função como um papel dramático, são, em norma, apresentados como referências fundamentais para a formação do estruturalismo francês da década de 1960. As funções definidas por Propp seguem uma estrutura sintagmática rígida, que C. Bremond (Logique du récit, 1973) criticará, preferindo destacar como unidade fundamental da narrativa não a função mas a sequência, porque toda a narrativa, complexa ou simples, é uma combinação de sequências. A. Greimas (Sémantique structurale, 1966; Essais de sémiotique poétique, 1972;) também tentou reformular a proposta de Propp, tentando inventar uma espécie de gramática narrativa universal. Segundo Greimas, “se considerarmos a narrativa como um enunciado global, produzindo e comunicado por um sujeito narrador, este enunciado global poderá ser decomposto numa série de enunciados narrativos concatenados (= as ‘funções’ de Propp). Se atribuirmos ao verbo-predicado do enunciado o estatuto de função (no sentido lógico de relação formal), será possível definir o enunciado como uma relação entre atuantes que o constituem.” (“Os Atuantes, os Atores e as Figuras”, in Semiótica Narrativa Textual, Cultrix, São Paulo, 1977, p.180).
Das múltiplas teorias sobre o conceito de função em literatura, e em particular em narratologia, sobressai o facto de existir algum consenso sobre estas unidades narrativas elementares que conhecem o seu sentido conforme a sua disposição na estrutura profunda do texto e a forma como são interpretadas na estrutura de superfície.
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