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Aquilo que traduz o apegamento do leitor à obra de arte literária. O conceito em si é um convite a discussões arrebatadas, porque se trata de uma tentativa de definir a perfeição da obra de arte segundo critérios subjectivos. Joseph Addison resume assim a natureza do gosto literário para o seu tempo, sem diferir muito do que ainda hoje se entende pelo conceito: “A man of fine taste in writing will discern after the same manner, not only that general beauties and imperfections of an author, but discover the several ways of thinking and expressing himself which diversify him from all other authors, with the several foreign infusions of thought and language and the particular authors from whom they were borrowed.” (“Taste”, The Spectator, nº409, 19-6-1712). Os pensadores ingleses do século XVIII não chegam a estabelecer uma clara diferença entre capacidade para sentir (sensibility) e gosto (taste). Alexander Gerard chega a falar do gosto como o resultado de uma actividade de uma espécie de órgão: “We may here take occasion to mention a principle, distinct from all the internal senses, from which taste will, in many instances, receive assistance. It is such a sensibility of heart, as fits a man for being easily moved and for readily catching, as by infection, any passion that a work is fitted to excite. The souls of men are far from being alike susceptible to impressions of this kind. A hard-hearted man can be a spectator of very great distress, without feeling any emotion: A man of a cruel temper has a malignant joy in producing misery. On the other hand, many are composed of so delicate materials, that the smallest uneasiness of their fellow-creatures excites their pity.” (An Essay on Taste, Londres, 1759, pp.79-80), como se a capacidade de se gostar ou não de uma obra de arte literária fosse determinada por uma questão de bom ou mau temperamento. Mas autores como David Hume deixaram claro que a capacidade de julgamento de uma obra de arte tem mais a ver com a razão do que com a capacidade de sentir. Hume propôs, inclusive, a hipótese de existir um padrão de gosto, que seria o único válido para a apreciação estética, e que seria susceptível de aperfeiçoamento pela prática e pelo conhecimento erudito das obras de um autor: “Where the organs are so fine, as to allow nothing to escape them; and at the same time so exact as to perceive every ingredient in the composition: this we call delicacy of taste, where we employ these terms in the literal or metaphorical sense.” (Four Dissertations, “On the Standard of Taste”, 1757, ed. completa das obras de Hume por Green and Grose, 1875, http://www.utm.edu/research/hume/wri/essays/standard.htm).

O gosto literário deve ser entendido numa perspectiva sincrónica, porque aquilo que normalmente se chama também o espírito de uma época é facilmente identificável com o gosto ou o tipo de apreciação a que a obra de arte é sujeita. A rigor, como observa Levin L. Schücking, não há um espírito de uma época, mas apenas espíritos de uma época (The Sociology of Literary Taste, Oxford University Press, Nova Iorque, 1945, p.7). Quer isto também dizer que aquilo que hoje apreciamos em Camões ou Shakespeare não é certamente o mesmo que os leitores da época louvavam ou criticavam nesses autores. Por outro lado, quando um autor não suscitar qualquer tipo de entusiasmo na sua época (Fernando Pessoa é hoje certamente mais popular do que o foi em vida), o gosto literário, porque é uma categoria estética de recepção e não de produção, fica também condicionado ao contexto em que a mudança teve lugar. O tipo de recepção que Pessoa tem hoje não é o mesmo que teve nos anos 50, por exemplo, quando a sua obra começa a ser publicada de forma regular. Hoje, podemos falar quer de um gosto biográfico e de um gosto textual pela obra de Pessoa; na altura, prevalecia o gosto meramente literário. Como uma obra de arte literária pode ter diferentes recepções num dado momento histórico, também é de esperar que o gosto possa variar ainda mais em diferentes momentos. A diferença faz parte do gosto e o melhor exemplo disso está na mais célebre polémica sobre o gosto literário que teve lugar em Portugal: a questão coimbrã sobre "Bom Senso e Bom Gosto". Para os ultra-românticos, ser em 1861 era ser vernacular, sem "estéticas, filosofias, transcendências". Os partidários de Feliciano Castilho, chefe de fila dos ultra-românticos, quase todos obedecem cegamente a esta regra, eles são "os mais queridos do povo", como escreve na carta‑posfácio ao livro de Pinheiro Chagas, Poema da Mocidade, que motiva essa célebre resposta de Antero de Quental sobre a falta de "bom senso e bom gosto". Os jovens do Cenáculo de Coimbra levantaram a sua voz de revolta contra os costumes vernaculares que se impunham como uma espécie de padrão estético que todos deviam seguir, querendo com isso fundar outra literatura, onde existisse espontaneidade, paixão, violência, inquietação social, inconformismo. Nesta questão sobre "bom senso e bom gosto", o que fica bem definido é a diferença como condição do gosto: não há regras nem para o bom senso nem para o bom gosto, porque ele depende da liberdade de cada leitor expressar a sua sensibilidade literária. Se uma é mais apropriada do que a outra, isso já é uma questão crítica e não uma questão de legitimidade do gosto.

Se a história da literatura é uma história das ideias sobre literatura, então é fácil entendê-la também como uma história dos gostos individuais sobre literatura e até dos gostos que fizeram a literatura. De alguma forma, a teoria é uma maneira de orientar o gosto; e a crítica literária tende a ser ainda mais pedagógica na determinação do gosto. A história da crítica literária é quase paralela à história do gosto literário. Em 1949, António Sérgio, em muitos aspectos percursor da prática crítica pós-estruturalista marcada pela reflexão sobre os fenómenos literários, prefaciou a 2ª edição dos seus Ensaios, onde se pode ler no primeiro volume: "Das obras literárias, umas são livros de ficcionismo puro, podendo conter uma certa dose de valor propriamente doutrinal e crítico, de concepções gerais sobre o Universo e o homem; outras, de géneros variados, são rigorosamente de literatura de ideias. Concebe-se por isso que a crítica literária, além do exame estritamente estético de determinado autor ou de determinado livro, também faça o exame das ideias expostas, sem sair do intrínseco à mesma obra escrita, e sem portanto passar do próprio escrito em si. Crítica estética, crítica ideológica, chamaremos literárias a ambas elas, na qualidade de espécies de um género único, pois que tratam da obra considerada em si." (Ensaios, Tomo I, p.7) Pelo menos a tradição portuguesa tem seguido mais o caminho da crítica estética do que o da crítica ideológica, ou de ambas em correlação. O elemento especulativo-argumentativo de inspiração filosófica está geralmente ausente das manifestações do gosto literário. Prova disto é no testemunho do editor João Rodrigues no inquérito que Fernando Venâncio fez para a revista Ler (nº28, Outono 1994): "O primeiro papel da crítica em Portugal, neste momento, seria contribuir para vencer a evidente imobilidade do mercado, as dificuldades da rede de leitura pública, o obsoleto das bibliotecas públicas e escolares. De acordo: o comentário, positivo ou negativo, é óptimo. Mas os críticos em Portugal ainda não têm o direito de serem só ‘juízes’: devem ser também promotores da leitura." Esta posição, que é subscrita por muitos escritores, obriga-nos de facto a separar o crítico-recenseador, que é uma espécie de delegado de propaganda do gosto literário, na visão de João Rodrigues, do crítico-investigador, que nos oferece um outro tipo de gosto, mais científico na sua formulação e não sujeito a recomendações editoriais.

{bibliografia}

Alberto Ferreira e Maria José Marinho (orgs.): Bom Senso e Bom Gosto. Questão coimbrã. (1971); Alexander Gerard: "An Essay on Taste", Neo-Classical Criticism: 1660-1800, ed. por Irene Simon (1971); David Hume: Of the Standard of Taste & Other Essays (1757, 1965); Frank P. Chambers: History of Taste: An Account of the Revolutions of Art Criticism & Theory in Europe (1928); Galvano Della Volpe: Esboço de uma História do Gosto (Lisboa, 1973).

http://www.engl.virginia.edu/~enec981/dictionary/termpages/taste.html