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Distribuição progressiva de uma série de elementos, em ordem ascendente se se caminhar para um clímax, ou em ordem descendente, se se regredir até um momento de anticlímax. A técnica pode aplicar-se a diversas situações discursivas: na construção de um poema, quando se enumeram elementos numa ordem progressiva (“Que alegre noite, que horas tão gostosas, / Que clara lua, que resplandecente, / Que alegre vista e que brandamente / Debuxa o vento as maduras rosas!”, António Barbosa Bacelar, “A uma saudade”); na construção de uma narrativa, quando as sequências narrativas evoluem até um clímax ou caminham, retrospectivamente, para um anticlímax; ou num simples texto argumentativo, quando é necessário ir aumentando a carga emotiva ou a força dos argumentos, como o faz António Vieira nos seus sermões, para conduzir a atenção dos seus ouvintes até um ponto alto e decisivo das suas conjecturas. Veja-se o seguinte exemplo, que ilustra a forma como é possível ir desdobrando progressivamente os argumentos até uma conclusão (quase) irrefutável: “Temos visto que, assim como o homem se compõe de duas partes, ou de duas metades, que são corpo e alma, assim o cativeiro se divide em dois cativeiros: um, cativeiro do corpo, em que os corpos involuntariamente são cativos e escravos dos homens; outro, cativeiro da alma, em que as almas por própria vontade se vendem e se fazem cativas e escravas do Demónio. E porque eu vos prometi que a Virgem, Senhora nossa, do Rosário, vos há-de libertar ou forrar, como dizeis, do maior cativeiro; para que conheçais bem quanto deveis estimar esta alforria, importa que saibais e entendais primeiro qual destes dois cativos é o maior. A alma é melhor que o corpo, o Demónio é pior senhor que o homem, por mais tirano que seja; o cativeiro dos homens é temporal, o do Demónio eterno; logo, nenhum entendimento pode haver, tão rude e tão cego, que não conheça que o maior e pior cativeiro é o da alma. Mas como a alma, o Demónio e este mesmo cativeiro, como já disse, são cousas que se não vêem com os olhos, onde acharei eu um meio proporcionado à vossa capacidade, com que vos faça visível esta demonstração? Fundemo-la no mesmo vosso cativeiro, que é a cousa para vós mais sensível. Pergunto: — Se Deus nesta mesma hora vos libertara a todos do cativeiro em que estais e de repente vos vísseis todos livres e forros, não seria uma estranha e admirável mercê que Deus vos faria? Pois muito maior é, e de muito maior e mais subido valor, a mercê que a Senhora do Rosário vos fará, em livrar vossas almas do cativeiro do Demónio e do pecado. No nosso Evangelho o temos.” (“Sermão Vigésimo Sétimo”, Obras Escolhidas do Padre António Vieira, vol. XI, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1954, pp.64-65). As virtudes retóricas da gradação, a par de outras figuras semelhantes como a enumeração, a amplificação ou a acumulação, são decisivas em qualquer discurso que pretenda ordenar a intensidade das suas frases ou a força dos argumentos.