Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Processo de valorização estilística que consiste na atribuição a um objecto de uma característica que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado. Transposto na frase, o adjectivo aparece muito frequentemente nesta construção, ligando ao objecto uma característica moral pertencente ao sujeito (ex.:”…com um barretinho de seda enterrado melancolicamente até ao cachaço” («No Moinho» in Contos de Eça de Queirós). A hipálage distingue-se da personificação, da sinestesia ou de outra figura de pensamento porque a primeira é concebida num segmento sintáctico que torna explícita a intenção estilística da transposição, não atribuindo novos significados às palavras. O efeito criativo é conseguido pela originalidade da construção, sem ambicionar outra representação mental da realidade a não ser aquela relacionada com o fenómeno psicológico ou com a ilusão de óptica (“Comme passe le verre au travers du soleil”, «Intérieur» in Oeuvres de Paul Valéry).

A hipálage é frequente na prosa impressionista, por influência do Impressionismo na pintura surgido em França em 1874, onde os seus percursos valorizam a impressão pura, a percepção imediata, tirando o maior partido da cor e da luminosidade, com objectos de contornos esfumados.

Em Portugal, Eça de Queirós fez uma utilização sistemática e habilíssima do impressionismo literário, aprendido sobretudo em Flaubert. Outros exemplos de impressionismo encontram-se na prosa de Ramalho Ortigão e Fialho de Almeida, bem como na poesia Cesário Verde. Os escritores impressionistas (fiéis à sensação, interessados não no objecto em si, mas no efeito que provoca no observador) constrõem segmentos impessoais porque, como observou Cressot: “uma vez que o efeito é percepcionado independente das causas, o agente-sujeito passa para segundo plano” e a qualidade óptica do objecto (em especial a sua cor) antepõe-se ao objecto: “Uma alvura de saia moveu-se no escuro” (n’ Os Maias de Eça de Queirós), em vez da expressão “Alguém com uma saia branca moveu-se no escuro”.

A adjectivação sugestiva em Eça de Queirós resulta, muitas vezes, em hipálages: nevoeiros moles, neve silenciosa, multidões doentias dos pinheiros, choupos desfalecidos, um peixe austero. Esta transposição de qualidades tipicamente queirosiana já era usada nas retóricas antigas.

O uso da hipálage é frequente em escritores da nossa literatura: “binóculo mordaz” («Humilhações» de Cesário Verde); “o silencio desaprovador dos meus colegas” (A Queda dum Anjo de Camilo Castelo Branco); ”olivais contemplativos” (O Milagre do Convento de Fialho de Almeida); “sobre as aldeias tristes, sobre o silencio humilde do fumo das lareiras…a noite ia traçando devagar o sinal-da-cruz” (Manhã Submersa de Vergílio Ferreira); “Através dos vidros, as coisas fugiam para trás” (Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen); “mas a janela começa a clarear foscamente” (Casa na Duna de Carlos de Oliveira).

{bibliografia}

Howard S.Babb, Essays in Stylistic Analysis (1972). Marcel Cressot, Le Style et ses techniques : Précis d’analyse stylistique (1974).