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Para versar sobre o termo “homocultura”, recorro, de chofre, à página, na “Internet”, da ABEH (Associação Brasileira de Estudos da Homocultura), uma organização fundada em 13 de junho (dia de Santo Antônio, padroeiro dos casamentos, e data de nascimento de Fernando Antônio Nogueira Pessoa, ou Fernando Pessoas, ícone homocultural,) de 2001, em Niterói-RJ, em assembleia realizada no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF). A ABEH é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como principal proposta fomentar e realizar intercâmbios e pesquisas sobre homossexualidade, homoerotismo, estudos gays e lésbicos, bissexuais, transgêneros e teoria queer. Promovendo o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a homocultura, mediante o estímulo à pesquisa e ao debate acadêmico, à troca de experiências entre pesquisadores e demais interessados, congrega professores, alunos de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores e demais interessados. A ABEH tem seu endereço transferido a cada dois anos para uma Universidade Pública Brasileira. Sua primeira diretoria, no biênio 2002/2004, instalou-se [no Departamento de Línguas e Letras (DLL) da Universidade Federal do Espírito Santo.

O I Congresso da ABEH, com o tema “Homocultura e Cidadania”, ocorreu no Auditório do IC-II, sob a Presidência do Prof. Dr. Deneval Siqueira de Azevedo Filho, da área de Teoria Literária e Literatura Brasileira, 1º. Presidente da Instituição, eleito na Assembleia de Niterói. Durante o I Congresso, em agosto de 2002, foram discutidas todas as questões pertinentes à fundação da entidade, sua legitimidade jurídica, além de promover a apresentação de comunicações, palestras e conferências e realizar a 1ª. Assembleia Geral da Entidade, para nomear metas e regimento.

O II Congresso da ABEH – “Imagem e diversidade sexual” – UnB (Universidade de Brasília), em 2004, sob a presidência do Prof. Dr. Denílson Lopes, da área de Comunicação Social/Cinema. Esse foi o primeiro Congresso com um maior número de palestrantes e participantes do Brasil e do exterior, tais como Thomas Waugh, da Concordia Universiy, de Montreal, no Canadá, e James Green, dos EUA. Essa edição também marca a grande abertura temática da ABEH, até então ainda significativamente marcada com os estudos sobre a literatura. Cerca de 300 pessoas participaram desse congresso, sendo 163 deles apresentando os seus trabalhos.

O III Congresso da ABEH – “Discursos da diversidade sexual: lugares, saberes, linguagens”, UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 2006, sob a presidência do Prof. Dr. Bruno Leal, da Área de Comunicação Social/Jornalismo. Essa edição dá continuidade ao trabalho anterior, com convidados do exterior, a exemplo de Albert K. Boekhorst, da Universidade de Amsterdam, e conferências amplas, a exemplo da realizada pelo professor Luiz Mott. Outros 138 trabalhos, das mais diversas áreas do conhecimento, foram apresentados em mesas redondas e comunicações

O IV Congresso da ABEH – “Retratos do Brasil Homossexual: fronteiras, subjetividades e desejos”, USP (Universidade de São Paulo), em  2008, sob a presidência do Prof. Dr. Horácio Costa, da Área de Literatura Portuguesa. Essa edição foi precedida por um Encontro Hispano-brasileiro de Militantes Homossexuais, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Pesquisadores e militantes da Espanha (tais como Beatriz Briones e Juan Vicente Aliaga, e Brasil (João Silvério Trevisan, Cláudia Wonder e Toni Reis), discutiram as trajetórias e conquistas dos movimentos LGBT nos dois países. Na USP, nos demais dias, 181 pesquisadores apresentaram os seus trabalhos em dezenas de mesas coordenadas e comunicações.

O V Congresso da ABEH – “Desejos, Controles e Identidades” (UFRN), realizado em Natal nos dias 25 e 26 de novembro de 2010, sob a presidência do Prof. Dr. Alípio de Sousa Filho. Primeira edição realizada no Nordeste, contou com mesas redondas amplas e apresentação de 72 trabalhos (ver http://www.cchla.ufrn.br/abeh). As mesas trataram sobre Desejos, Controles e Identidades, com Luiz Melo (Universidade Federal de Goiás) e Alexandre Vale (Universidade Federal do Ceará), Homofobia e Direitos LGBT no Brasil hoje, Miriam Grossi (Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Mott e Leandro Colling (ambos da Universidade Federal da Bahia). Também foi o momento de discutir Os Novos Rumos da ABEH, com Horácio Costa (Universidade de São Paulo – USP), Mario Lugarinho (USP), Berenice Bento (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Emerson Inácio (USP) e Wilton Garcia (Universidade Braz Cubas).

O VI Congresso – “Memórias, rumos e perspectivas dos estudos sobre a diversidade sexual e de gênero no Brasil”, a ser realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador/BA, na segunda quinzena de julho de 2012.]

A ABEH confirma seu objetivo, assim desenhado por José Carlos Barcellos, que é o de aglutinar “pesquisadores de várias instituições e de diferentes formações em atividades e projetos de interesse comum”. A página na web da ABEH inaugura-se com uma epígrafe de Michel Foucault, extraída de uma entrevista intitulada “O triunfo do prazer sexual”, que abre para reflexões e modos de agir: “A questão da cultura gay … uma cultura no sentido amplo, uma cultura que inventa modalidades de relações, modos de vida, tipos de valores, formas de troca entre indivíduos que sejam realmente novas, que não sejam homogêneos nem se sobreponham às formas culturais gerais. (…) uma cultura que só tem sentido a partir de uma experiência sexual e de um tipo de relações que lhe seja próprio” . Outra insígnia, embora não-inscrita nos fundamentos da ABEH, porém citada e recitada o tempo todo nas palestras e conversas entre os participantes e associados, vem da verve de Fernando Pessoa: “ O amor é essencial: o sexo acidente./ Pode ser igual: pode ser diferente”. Sendo um dos fundadores da ABEH – com o Prof. Dr. Mário Lugarinho, da UFF -, em seus primórdios, nos Encontros sobre Homocultura, em 1999 e 2000, na UFF, antes mesmo de ela vir a ser a pujante Associação em que se transformou, o Prof. Dr. José Carlos Barcellos, da UFF, assim reflete sobre a questão da homocultura, cujos estudos visam à “(…) necessidade absoluta de um combate sem tréguas à homofobia, onde quer que ela se manifeste; a importância de se manter um olhar crítico para a relação entre a liberalização dos costumes e a lógica do capital; o imprativo da vigilância acerca das implicações práticas das posturas teóricas assumidas”. Portanto, mais do que uma mera conceituação, o termo “homocultura” implica uma ação, desenvolvendo dinâmica e dialeticamente o aspecto pragmático de todo signo, apontado por Charles Sanders Peirce; para além de uma sintaxe, de uma semântica, o signo “homocultura” promove, energeticamente, uma atitude, uma intervenção, um comportamento. A abordagem pragmática da categoria “homocultura” lembra a estratégia narrativa de José Saramago que não nomeia seus personagens, antes lhes confere atribuições, funções; são, literal e literariamente, “actantes”, mais do que meros personagens com nomes próprios, sobrenomes. Dessarte, em O conto da ilha desconhecida, temos o “rei”, “o homem do barco”, “a mulher da limpeza”, configurando um mosaico anônimo, todavia denunciador da reificação das pessoas na sociedade capitalista.

O signo “homocultura” poderia ser traduzido, intersemioticamente, por “cultura humana”, “cultura humanista”, “cultura humanizada”, “cultura do húmus”, “cultura tout court”, onde não haveria, utopicamente, nem excludentes nem excluídos, nem dominadores nem dominados, nem opressores nem oprimidos. A literatura será, sempre, o lugar desta utopia, que a move e promove, um lugar definitivo, onde os estudos da homocultura pulsam, sem constituir guetos gay.

Nota: Este verbete foi reeditado por Deneval Siqueira de Azevedo Filho (Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil), após o falecimento do seu autor original. O texto acrescentado encontra-se entre [ ].

{bibliografia}

Manuel de Barros Motta (org.). Michel Foucault: Ética, Sexualidade, Política, p. 122-3 (2004). José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida (2004). Latuf Isaias Mucci, O discurso intertextual de José Saramago em O Conto da Ilha Desconhecida (2006); José Carlos Barcelos, Literatura e Homoerotismo em Questão, p. 8, 11-12, (2006).

http://www.fafich.ufmg.br/~abeh/