«[H]orror has fascinated human beings from the beginning. It is tempting to say from the first stirrings of our awareness of our own mortality. Suffering is universal, but horror might well be uniquely human.» (Corstorphine, 2018)
Desligado daquilo que é o género literário, pode observar-se uma diferença entre as definições de terror e horror. O terror está normalmente relacionado com um estado de pavor guiado pela ansiedade e expectativa de que algo irá acontecer. Por outro lado, o horror está mais relacionado com uma sensação posterior, com uma reação a algo que se leu ou se viu e que causa repugnância ou até mesmo choque. No artigo “On the Supernatural in Poetry” (1826), Ann Radcliffe faz esta distinção, afirmando o seguinte: «Terror and horror are so far opposite, that the first expands the soul, and awakens the faculties to a higher degree of life; the other contracts, freezes, and nearly annihilates them.» Ambas estas manifestações podem ser encontradas dentro do género literário que de seguida se descreve. A diferença é que a palavra horror é normalmente utilizada em inglês para classificar este género enquanto terror é mais utilizada para classificar este género em português (horror fiction – ficção de terror).
Não é fácil definir horror, ou terror, como um género literário. Esta dificuldade surge, pois, ao contrário de outros géneros, a característica central do terror não reside no conteúdo, mas sim no efeito que tem no leitor. Por ser de uma mutabilidade notável, podendo ser facilmente inserido dentro de outros géneros, não apresenta limitações nem requisitos em termos de conteúdo. Tal como Nevins (2020, pp. xiv – xv) refere « [t]o qualify as horror, the commonly accepted view goes, all that a text must contain is the ability to create an effect in its reader: the feeling of dread, fear, horror, or terror (or, as Stephen King once put it, “the gross-out”)».
Para além da dificuldade em definir um género como este, existe também o pressuposto no mundo académico de que a literatura de terror é menos digna estudar do que a literatura «realista». Tal como Nevins (2020, p. xiii) refere «[h]orror is a popular genre of literature and is a genre of popular literature, akin to mysteries, romance, science fiction, and Westerns, so academics and literary critics have traditionally been loath to credit works of horror with aesthetic and literary merit, or to analyze works of horror with an unbiased eye.».
Contudo, a tradição do terror ou, por outras palavras, o início de uma vontade de escrever textos que assustassem os leitores, já existe desde as obras clássicas dos Gregos e Romanos, bem como na Bíblia. Mesmo assim, a literatura de terror moderna tem as suas raízes por volta dos anos setenta do século XVII. Foi nesta altura que começaram a surgir as chamadas Restoration horror plays, que foram influenciadas pelas tragédias jacobeias de vingança do final do século XVI e início do século XVII. A intenção dos autores destas peças era assustar e chocar o espectador, e não doutrinar, e é por isso que estas podem ser separadas das suas antecessoras e ser classificadas como as primeiras narrativas de terror moderno (Nevins, 2020, p. xvi). Cinco décadas depois surgiu um novo subgénero da poesia denominada graveyard poetry, que se pode afirmar ter começado com «A Night-Piece on Death» de Thomas Parnell (1721), e que atingiu o seu pico nos anos trinta e quarenta desse século. Foi posteriormente, no final do século XVIII e início do século XIX, que surgiu o género literário Gótico. A primeira rutura significativa do gótico deu-se com a publicação do conto «Wandering Willie’s Tale» (1824) de Sir Walter Scott, que Nevins (2020) afirma poder considerar-se o primeiro conto de terror. Posteriormente, surgiu «Metzengerstein» (1832) de um autor que teve uma forte influência para escritores de terror americanos durante o resto desse século: Edgar Allan Poe. Foi também a partir da segunda metade do século XIX que escritores britânicos começaram a produzir histórias de terror naquilo que se chamavam os penny bloods: «cheap popular serial literature produced for the masses in Great Britain during the nineteenth century» (Nevins, 2020, p. xviii).
É, contudo, na viragem do século XX que se começa a entrar na golden age deste género, com destaque principalmente para os escritores britânicos e americanos. Entre 1894 e 1907, Arthur Machen, M. R. James, Lord Dunsany e Algernon Blackwood (denominados de Machen quartet) publicaram obras que criaram novos tipos de terror na literatura. O trabalho deste Quarteto resultou num desvio significativo da ficção de terror britânica feita até aí. O terror do século XIX era caracterizado, principalmente, pela existência de um antagonista monstro. Já no século XX, estes monstros passaram a ser considerados como cliché e os escritores «modernos» procuravam trazer reviravoltas novas e diferentes àquilo que tinha sido feito antes (Nevins, 2020, p. 7), como é o caso do que Stoker fez com vampiros em Drácula, por exemplo. Houve, também, uma procura por dar novos usos ao terror cósmico e folclore, que até então ainda não tinham sido utilizados na literatura de terror britânica (Nevins, 2020, p. 7). Foi então que, com os avanços observados nas ciências da psicologia no início do século XX, o terror passou de se centrar no histórico e na sociedade para começar a entrar num mundo mais psicológico, surgindo então o que é denominado como psychological horror story, «that highlights the mental, emotional, and psychological state of main characters in order to frighten readers» (Nevins, 2020, p. 8). Henry James surge como um dos nomes mais falados, tanto entre escritores britânicos como americanos, no período de 1861–1939. Depois, o género de terror passou a centrar-se mais em escritores americanos, com o início das Weird Tales (1923), uma revista pulp de terror norte-americano da autoria de J.C. Henneberger. Esta não foi a primeira revista deste género, mas foi a primeira que conseguiu ultrapassar todas as outras revistas pulp de mainstream. (Nevins, 2020, p. 31). Com isto, «Weird Tales was interested in doing things new and differently from what had come before; in the case of Weird Tales’ writers, this mostly meant a combination of violence, pulp crudeness (stylistic or narrative), imagination, and basic occult or science fictional concepts» (Nevins, 2020, p. 32). Claro que falando de Weird Tales não nos podemos esquecer de um dos seus autores centrais e mais influentes: H. P. Lovecraft. Apesar de Lovecraft não ter criado o chamado cosmic horror, foi ele que o conseguiu popularizar (Nevins, 2020, p. 38).
Foi mais tarde, em 1967, que surgiu o primeiro livro bestseller de ficção de terror: Rosemary’s Baby, de Ira Levin. Foi nesta década que o terror começou a ir em direção a algo que toda a gente pode e quer ler, e autores deste género começam a ser mais conhecidos, como Ray Bradbury, Robert Bloch, Richard Matheson, Charles Beaumont e Shirley Jackson. Surgiram novos bestsellers, como The Exorcist (1971), de Peter Blatty, Jaws (1974), de Peter Benchley, e Carrie (1974), de Stephen King e começou a notar-se um novo investimento no género. Os anos 80 foram repletos de histórias e livros de escritores talentosos no género, com os Books of Blood (1984–1985), de Clive Barker, a venderem mais cópias do que os livros de terror anteriores (Nevins, 2020, p. 137). Foi também nesta altura que se procurou explorar os limites do género, pelo que se começou a utilizar uma linguagem cada vez mais obscena e a realizar cada vez mais descrições de violência corporal extrema. Descrições de sexo tornaram-se, também, mais explícitas e pornográficas (Nevins, 2020, p. 138). No final dos anos 80 e até ao final do século, o género sofreu uma recaída. Outros géneros populares começaram a apropriar-se dos elementos característicos do terror, o género serial killer começou a ganhar popularidade e uma depressão económica afetou o mercado editorial no seu todo. Com isto, apenas escritores mais famosos conseguiam ser bem-sucedidos e os outros desapareciam. Muitos começaram a escrever noutros géneros e outros tantos, principalmente os menos conhecidos, eram forçados a publicar em editoras mais pequenas enquanto King, Koontz, Straub e Rice continuavam a vender cópias dos seus livros (Nevins, 2020, p. 153).
Este longo caminho de desenvolvimento do género de terror mostra, assim, exatamente aquilo de que se falava no início: é um género com uma multiplicidade e maleabilidade imensa que poderá ser melhor definido através da sua história [para uma cronologia mais detalhada, principalmente sobre a «tradição» do Gótico, consultar Hogle (2002)].
Quanto ao terror escrito em português, existe uma antologia, A Dança dos Ossos: Antologia do Conto Gótico Luso-Brasileiro (2020, org. Ricardo Lourenço), onde estão reunidas várias histórias com bases góticas, e que podem ser consideradas como de terror, desde o século XIX até aos anos 30 do século XX. Exemplos são «A Caveira» (1855), de Camilo Castelo Branco, «O Defunto» (1895), de Eça de Queirós, «A Estranha Morte do Professor Antena» (1913), de Mário de Sá-Carneiro e «A Morta» (1931), de Florbela Espanca. A literatura gótica, tal como António Monteiro (2020) refere no prefácio a este livro (p. 13), «chegou demasiado tarde a Portugal e foi divulgada através de traduções de má qualidade, que a tornaram pouco atraente. Várias revistas publicaram um certo número de contos e de novelas, mas não levaram o género muito a sério e a maioria dos intelectuais encontrava-se já em pleno Romantismo, de modo que não prestava atenção a essa particular literatura de medo». Monteiro (2020, p. 13) refere também que «[o]s autores portugueses tendiam a concentrar-se nos aspetos mais melancólicos e poéticos da literatura negra e o terror sobrenatural é extremamente raro. Quando de todo em todo presente, as suas principais ligações são às histórias de fadas e ao folclore». Isto não se alteraria muito durante o século XX. Autores que já eram conhecidos nos países de língua inglesa continuam a ser os mais publicados, através de traduções, em Portugal, como por exemplo Stephen King, e são também estes os autores que as editoras maiores procuram.
Jess Nevins: Horror Fiction in the 20th century (2020); Jerrold E. Hogle (Ed.): The Cambridge Companion to Gothic Fiction (2002); Kevin Corstorphine & Laura R. Kremmel (Eds.): The Palgrave Handbook to Horror Literature (2018); Jason Colavito: Knowing Fear: Science, Knowledge and the Development of the Horror Genre (2008); Manuela D’Amore (Ed.): The Uncanny and the Afterlife of the Gothic (2021); Ann Radcliffe, “On the Supernatural in Poetry” (1826); Ricardo Lourenço (org.), A Dança dos Ossos: Antologia do Conto Gótico Luso-Brasileiro (2020); Arlete Gomes (Ed.) Enciclopédia do Terror Português (2023).
Comentários recentes