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Termo relativamente recente (J. Niethammer, Der Streit des Philantropismus und des Humanismus…, 1808), tradicionalmente associado ao Renascimento, em razão do contexto histórico em que nasceu o termo humanista ( no final do século XV, tanto em latim como em vernáculo, quer na Itália, quer na Alemanha, surgindo noutros países europeus no decorrer do século XVI, como em Portugal, em 1540, no Espelho de Casados, do Dr. João de Barros, em contexto jurídico), o conceito de Humanismo ora se confina a um sentido estrito e técnico, relativo às humaniores litterae, que implica a opção cultural pela matriz da Antiguidade Clássica, a metodologia filológica de investigação e fixação textuais (“le mot umanista utilisé en Italie dès le début du XVIe siècle [¼] désigne un professeur de rhétorique”- Claude-Gilbert Dubois, L’Imaginaire de la Renaissance, 1985, p. 195) , ora abarca um âmbito mais lato e ideológico, designando toda a problemática do humano. Conciliando estes dois sentidos, E. Grassi, ao relevar a proeminência da Palavra na filosofia do Humanismo, desde Dante a J.B. Vico, confere a Coluccio Salutati (1331-1406) o mérito de nos oferecer um novo conceito de saber, de scientia, em contraponto com o sentido racionalista tradicional, a doctrina perfecta, inspirada pelo conjunto das nove musas (Salutati, C. De Laboribus Herculis,p. 41). Esta surpreendente identificação mitológica correlaciona, afinal, o conhecimento humano na sua fonte original, a sabedoria divina, de que o vate é intérprete privilegiado: “Los videntes [ los poetas] contemplan desde la altura de son ingenio [ingenii altitudine] tres cosas, mediante las cuales adornan sus poemas como con luces [ quibus sua poemata quasi luminibus exornarunt]: Dios, el mundo y los seres animados [deum, mundum, et animantia], dando así un nombre a todo lo que llaman seres vivos [ut per illum omnia et in illo omniaque animalia dicimus esse dicantur]” (II, p. 587, cit. por E. Grassi, 1993, pp. 69s.). Tal interpretação teológica do conhecimento e da acção demiúrgica conduz a uma decodificação mitológica à luz do monoteísmo judaico-cristão: “Mas como [los poetas] vem que Dios, el artifice del mundo entero, lo há decho todo com sabiduria [¼], y sucede que la sabeduria no es outra cosa que la divinidad misma, llamaron a Dios com diversos nombres, por más que sabían que se trataba de uno y el mismo” (id., ib., p. 588, cit. in ib., p. 70).

Integrada numa tripla visão da Natureza, segundo R. C. Collingwood, a cosmologia renascentista opõe-se à concepção grega do mundo como um organismo inteligente, por analogia com o ser humano, para, sob a influência do prelo, do moinho de vento, do relógio e do carrinho de mão, entender a Natureza como uma máquina: “[¼] uma máquina no sentido literal e exacto do termo, uma coordenação de partes de corpos conjugados, impelidos e destinados para um fim definido por um espírito inteligente que lhe é exterior” (Collingwood, 1976, pp. 13-14). Compartilhando, embora, com os Gregos o princípio cosmológico da analogia, tal visão distingue-se, porém, da anterior, pela identificação exterior desse espírito inteligente que ordena o mundo natural: “[¼] como um relojoeiro ou um fabricante de moinhos de vento estão para um relógio ou um moinho de vento, assim está Deus para a Natureza” (Id., ib., p. 19). Na cosmologia moderna, o princípio da analogia já não se baseia no ser humano, enquanto microcosmo da Natureza macrocósmica nem na máquina, enquanto obra do homem, à imagem da criação divina, mas “entre os princípios do mundo natural, estudados pelos cientistas da Natureza, e as vicissitudes dos problemas humanos, estudados por historiadores” (Id., ib., p. 20), segundo uma concepção evolucionista.

Tal concepção teológica do Renascimento humanista desmistifica, afinal, o estereótipo da ruptura anti-medieval, veiculado, designadamente, por Benedetto Croce, Burckhardt e L. Febvre, como J. V. de Pina Martins põe em relevo: “On a longtemps souligné avec excès l’antithèse Moyen-Âge / Renaissance, celui-là représentant le théocentrisme et l’ antropolâtrie. L’ère nouvelle, triomphe de Prométhée, voit l’homme s’élever, grâce au rayonnement de la uirtus, au rang de démiurge, cependant que Dieu est ramené au niveau d’un simple symbole, que l’on ne respecte que par attachement à la tradition: l’Homme prend la place de Dieu dans la vie sociale et civile [¼] il apparaît évident que ce sont des opinions sans fondement historique” J.V. de Pina Martins, 1989, I, p. 44).

A expressão consagrada Studia Humanitatis, bebida em Cícero e Áulio Gélio, entre outr0os, e recolhida no século XIV por C. Salutati designa, juntamente xom a correspondente Humaniores Litterae, ou o vocábulo Humanitas, o conjunto de disciplinas que transmitiam a episteme ou scientia greco-latina: a Gramática, a Retórica, a Poesia, a História e a Dialéctica ou Filosofia.

Outra fonte de equívocos é a confusão entre as duas vias do humanismo que geralmente se separam cronologicamente, protagonizadas por Pico de la Mirandola (“Legi, Patres colendissimi, in Arabum monumentis, interrogatum Abdalam Sarracenum, quid in hac quasi mundana scaena admirandum maxime spectaretur, nihil spectari homine admirabilius respondisse” – “Li nos escritos dos Árabes, venerandos Padres, que, interrogado Abdala Sarraceno sobre qual fosse a meus olhos o espectáculo mais maravilhoso neste cenário do mundo, tinha respondido que nada via de mais admirável do que o homem” – Discurso sobre a Dignidade do Homem, edição bilingue, Lisboa, Edições 70, 1989, p. 48 / 49) e Montaigne (“Le dire humain a ses formes plus basses et ne se doibt servir de la dignité, majesté, régence du parler divin”, Essais, I, 56, Paris, Flammarion, s.d.): o optimismo e o relativismo. No entanto, também o sábio conde de Mirândola, admirando a liberalidade de Deus Pai como “suma e admirável felicidade do homem” (“O summam Dei patris liberalitatem, summam et admirandum hominis felicitatem!” – id., ib., p. 52), coloca nas mãos desse mesmo ser criado a encruzilhada decisiva do seu destino, podendo descer ao mais baixo dos abismos ou erguer-se ao mais alto dos píncaros, como faz dizer ao próprio Criador: “Nec certam sedem, nec propriam faciem, nec munus ullum peculiare tibi dedimus, o Adam, ut quam sedem, quam faciem, quae munera tute optaveris, ea, pro voto, pro tua sententia, habeas et possideas. Definita ceteris natura intra praescriptas a nobis leges coercetur. Tu, nullius angustiis coercitus, pro tuo arbitrio, in cuius manu te posui, tibi illam praefinies. Medium te mundi posui, ut circumspiceres inde commodius quicquid est in mundo. Nec te caelestem neque terrenum, neque mortalem neque immortalem fecimus, ut tui ipsius quasi arbitrarius honorariusque plastes et fictor, in quam malueris tute formam effingas. Poteris in inferiora quae sunt bruta degenerare; poteris in superiora quae sunt divina ex tui animi sententia regenerari” (“Ó Adão, não te demos nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares, tudo segundo o teu parecer e a tua decisão. A natureza bem definida dos outros seres é refreada por leis por nós prescritas. Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no meio do mundo para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo. Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo”) – id., ib., pp. 50.52 / 51.53.

Procurando uma ultrapassagem de simplistas e recorrentes dicotomias, devemos buscar nos humanistas italianos, desde Dante a Vico, o denominador comum que os uniu, sem descurar diferenças específicas e a própria evolução periodológica que necessariamente terá afectado os respectivos intervenientes.

Neste sentido, Giuseppe Toffanin destaca em Dante a busca da harmonia entre a literatura sagrada e a profana, a sabedoria e a ciência, a partir da herança bibliográfica da Antiguidade, de que Virgílio é símbolo (cf. op. cit., pp. 165-171). Conciliando a Física aristotélica e o Platonismo augustiniano (antítese entre a ciência do homem como ciência de Deus e a ciência da natureza como ciência do erro), Petrarca, inspirando-se no Sonho de Cipião, do De Republica de Cícero, faz do poema Africa o arauto da mensagem divina (“Et mihi / virum referres. Italiis cui fracta sub armis / mobilis aeternum prius attulit Africa nomen” – I, 3 – “E a mim conta-me sobre o outro herói a quem a nobre África, abatida debaixo das armas de Itália, deu, pela vez primeira, nome eterno”), numa espiritualização romano-católica do império, simbolizada no anseio do céu, à semelhança de Eneias, por Cipião (“Quid demoror ultra / in terris? Quin huc potius, quacumque licebit / evolat assurgens animus tellure relicta?” – I, 462-464 – “Porque me detenho mais tempo na terra? Não será melhor a alma subir da terra e voar?”) e das suas canções civis a proclamação da supremacia da paz (“… alma fides et amor, tranquillaque terris / pax vigent” – Poemata Minora, III, p. 148 – “…a grande fé e o amor e a paz tranquila dominam a terra”). A sua reacção à Escolástica e às suas quaestiones disputatae, expressas em latim tecnicista e pouco clássico, numa metodologia de autoridade, pouco consentâneaa com a científica, podem ver-se na sua Carta a Urbano V (1368), bem como nas epístolas Familiares e no tratado De Remediis, nos quais preconiza o legado patrimonial greco-latino e a valorização da realidade do quotidiano.

Por sua vez, L. Valla (1407-1457) retoma os ensinamentos de Petrarca, quer no repúdio da Escolástica (oposição da scientia e da res humanas, como a língua e a cultura, à metafísica das essências), quer na apologia do latim clássico (Elegantiae, 1442), em oposição ao medieval, preconizando a conciliação entre a humanitas greco-latina e a christiana.Com ele e outros humanistas (Poggio Bracciolini, G. Varonese, A. Poliziano, E. Barbaro), a Filologia transforma-se em metodologia de análise e hermenêutica dos textos literários e da realidade histórica, e ciência auxiliar de outras disciplinas. A Física, a Matemática, o Direito, própria Arquitectura recebem directa inspiração do humanismo, centrado na acção do Homem sobre a Natureza, na resposta às aspirações sociais.

Mas é Marsílio Ficino quem mais visará harmonizar o espírito e a natureza, a partir da teologia platónica, consubstanciando através da fórmula docta pietas a reacção anti-averroísta: “Marsilius Ficinus Florentinus Ioanni Pico Mirandulano comphilosopho suo S.D. Scribis, amice quam optime (quod mihi omnium est gratissimum) te multis quotidie suadere, ac jam perssuasisse nonnullis, ut epicurea impietate relicta, vel averroica quadam opinione posthabita, piam de anima. Deoque sequantur Platonis nostri sententiam, per quam sane quasi mediam quamdam viam, Christianam pietatem denique sequantur” – Ficino, Opere, I, p. 930 (“Marsílio Ficino Florentino saúda a João Pico de Mirândola, seu cofilósofo. Escreves, excelente amigo, o que para mim é a coisa mais grata, que diariamente aconselhas a muitos e já tens persuadido a alguns a que, abandonando a impiedade epicurista e deixando de lado alguma opinião averroísta, sigam a piedosa sentença de nosso Platão acerca da alma e de Deus, por meio da qual, que é senda intermédia, cheguem a atingir, finalmente, a piedade cristã”).

Mas, se o humanismo encontra o seu espaço natural na Itália renascentista, maior dificuldade experimentou na sua irradiação nos outros países europeus.

Assim, ainda que centro nevrálgico do lirismo trovadoresco dos séculos XII a XIV, na Provença e demais regiões occitânicas; ainda que centro da filosofia escolástica, em Paris, nos mesmos séculos, a França, para além de Guilherme Baudé e dos poetas da pléiade, no século XVI, pouco se pode orgulhar de promover a superioridade das letras em relação às armas cavaleirescas. É verdade que proto-humanistas, como João de Montreuil (1354-1418) e Nicolau de Clermangis descobrem Petrarca e que Pierre Bassurre, Jacques Bauchart e João e Simão de Hesdin continuam a divulgar os escritores latinos. É verdade também que, no século XV, os contactos com a Itália humanista se intensificam, chegando a Paris Paulo Emili, Gerolamo Balbi, Cornelio Vitelli de Cortona, Fausto Andrelino de Forli e outros. Todavia, não é o humanismo francês um fenómeno social, como o é o italiano, tal como o explicita o Cortegiano, de Castiglione. A erudição de Budé (1469-1540) não atinge apenas a fundação de bibliotecas e a promoção da imprensa, mas, tal como Erasmo, instaura, na mais nobre acepção da sua tarefa pedagógica, a crítica às instituições sociais do seu tempo, na base de uma filosofia de valores ideais, tutelada pelo lógos. É o caso da sua crítica à Igreja, enquanto sinal da «dissolução dos bons costumes, ruína do cristianismo, desastre das letras e extermínio da virtude » (De Transitu Hellenismi ad Christianismum).

De modo análogo, para além da repercussão da patrística na Irlanda dos séculos XII e XIII, para além do experimentalismo de Rogério Bacon e David Hume, para além do proto-humanista João de Salisbúria, é Tomás Morus que concentra toda a vitalidade da mensagem e da actividade humanísticas. Fazendo da sua alegórica ilha da Utopia uma antítese da sociedade ocidental, aquele douto amigo de Erasmo lamenta a enorme distância da felicidade proclamada pela República de filósofos de Platão, chegando a diagnosticar as causas mais profundas da miséria social: «o número excessivo de nobres, ociosos zângãos que vivem à custa do suor e do trabalho de outrem, e que no cultivo das terras exploram os rendeiros até ao osso, para aumentarem os seus rendimentos», «o luxo inaudito no vestuário e na alimentação», os «lugares de prostituição », os «covis de bebedeira e corrupção», «o egoísmo dos ricos», o «direito de especulação e monopólio», o abandono de «milhões de crianças aos péssimos efeitos de uma educação viciosa e imoral»…

Nos Países Baixos e na Alemanha, é Erasmo de Roterdão que protagoniza, no século XVI, a continuidade da herança humanista, ao contrapor à teologia escolástica o regresso às fontes bíblicas nas línguas originais (o Hebraico e o Grego), ao conciliar os valores éticos de Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero e Séneca com a axiologia cristã, ao acentuar a importância da eloquência, da retórica e da filosofia para a formação do homem, numa época conturbada pela ruptura instaurada por Lutero e outros reformadores da Igreja Cristã. Além do célebre e irónico Elogio da Loucura, composto como passatempo na sua viagem a Inglaterra, ao encontro do seu amigo Tomás Morus, no qual critica subtilmente a sociedade europeia da época, a sua Philosophia Christi, expressa no Enchiridion Milites Christiani e nos Colloquia, preconiza o método e a linguagem adequados à configuração da mensagem humanista e à renovação evangélica do Cristinianismo, sem o purismo artificial dos neociceronianos.

Em Espanha, é E. A. de Nebrija que inicia o Humanismo, a partir das Introductiones Latinae (1481), obra que promove o Latim como disciplina básica do estudo das Letras e das Artes, do Direito, da Medicina, da Filosofia e da Teologia, consagrando-se, com o cardeal Cisneros, ao projecto da Bíblia Poliglota Complutense (1514). Em 1492, publica a primeira gramática espanhola, Arte de la Lengua Castellana; no Isagogicon Cosmographiae, expõe a cosmografia de Pompónio Mela e de Ptolomeu; comenta as obras de Prudêncio, Pérsio e Virgílio; na Obra de Vocablos, que não chega a publicar, interpreta os principais vocábulos científicos do seu tempo, a partir quase quatrocentos autores. Além das universidades de Salamanca e Alcalá, cujo raio de acção se estende às principais cidades espanholas, através de seus humanistas e seus manuais didácticos, nos quais escrevem as suas prelecções, anotações e comentários de textos, a Espanha é conhecida na Europa intelectual a partir do valenciano Luís Vives (1492-1540), que ensina em Oxford e Lovaina, e publica os seus comentários filológicos sobre o De Civitate Dei, de Santo Agostinho, os seus estudos de Retórica (De Ratione Dicendi, 1532), Pedagogia (De Tradendis Disciplinis, 1531), Filosofia Moral (De Institutione Feminae Christianae, 1524, e Introductio ad Sapientiam, 1532), ou de Juan Ginés de Sepúlveda, que ensina em Itália. Outros humanistas merecem destaque, como H. Núñez Pinciano, comentador de Séneca e Plínio-o-Velho; A. Agustín, estudioso do Direito romano; e, sobretudo, o estremenho F. Sánchez de las Brozas, El Brocense, professor em Salamanca, autor de Minerva, seu de Causis Linguae Latinae (1587), obra que interrelaciona a Gramática, a Retórica e a Lógica, dos tratados De Arte Dicendi (1556) e Organum Dialecticum (1579), sobre Retórica e Dialéctica, do comentário sobre a Ars Poetica, de Horácio, e da edição das Bucólicas, de Virgílio, e de Ibis, de Ovídio. Não se deve, todavia, descurar a influência dos poetas latinos em autores espanhóis, dos séculos XV a XVIII, principalmente em géneros tipicamente clássicos como a tragédia, a ode, a écloga ou a fábula. Em relação ao apreço da sociedade espanhola pelos humanistas, L. Gil Fernández salienta a preferência dos nobres pelos cozinheiros ou palafreneiros.

Em Portugal, a influência dos autores clássicos já se fazia sentir em Fernão Lopes, D. Duarte (Leal Conselheiro), Infante D. Pedro/Frei João Verba (Livro da Virtuosa Benfeitoria), Gomes Eanes de Azurara (Crónica dos Feitos da Guiné), no campo da História e da Filosofia Moral. Mateus Pisano (autor da crónica De Bello Septensi, sobre a tomada de Ceuta) e Estêvão de Nápoles foram chamados por D. Afonso V para mestres do filho, futuro D. João II, em cuja corte o humanismo mais se faz sentir. Ele próprio contrata Cataldo Áquila Sículo (c. 1455-1514) como professor de D. Jorge, seu filho bastardo, que, nas suas Epistolae, apresenta uma crónica coeva da História de Portugal e, na sua De Diuina Censura, alude recorrentemente à Expansão portuguesa. Entre os humanistas portugueses que se distinguiram em universidades europeias salientamos Luís Teixeira (reitor da Universidade de Sena, em 1476, e professor de Direito em Ferrara, 1502), Diogo Pacheco (professor de Humanidades, em Sena), Gonçalo Mendes da Silveira (reitor da Universidade de Roma, La Sapienza), Pedro Margalho e Aires Barbosa (professores de Salamanca, tendo este introduzido os estudos helenísticos), Dioogo Gouveia, o Velho, António e Marcial Gouveia, seus sobrinhos, André de Gouveia (que também foi reitor do colégio de Guiena) e Diogo de Gouveia, o Moço, ocuparam lugar de destaque no colégio de Santa Bárbara, em Paris. O Latim, como língua de expressão dos humanistas portugueses, pode registar-se em autores como André de Resende, Henrique Caiado, Damião de Góis, Jorge Coelho, Joana Vaz, Manuel de Melo, Pedro Nunes, D. Jerónimo Osório, entre outros, introduzindo-se, deste modo, a corrente literária neolatina. A didáctica do Latim é renovada por Estêvão Cavaleiro (Nova Grammatices…Ars, 1516) e por Jerónimo Cardoso, enquanto a Filologia encontra em Aires de Barbosa (c. 1470-1540), com os seus comentários da Historia Apostolica do cardeal Arator, publicados em Salamanca (1516), em Martinho de Figueiredo, com o seu comentário ao prólogo da Historia Naturalis, de Plínio-o-Velho, em Aquiles Estaço (comentários a Catulo, Tibulo, Suetónio e Cícero) e em Pedro da Fonseca (comentário da Metafísica, de Aristóteles). Na oratória, proliferam as Orationes Oboedientiales perante a Santa Sé, após a eleição de novo Papa, com D. João de Ataíde, Diogo Soares, João Fernandes da Silveira, Mestre Lourenço, Luís Pires, D. João de Memeses, Mestre Afonso, Nuno Fernandes Tinoco, Vasco Fernandes de Lucena, João Teixeira, D. Garcia de Meneses, Aquiles Estaço, e outros. A Oratio pro Rostris (1534), pronunciada na Universidade de Lisboa por André de Resende, merece particular menção pelo seu carácter apologético dos ideais humanistas, na conciliação entre classicismo e cristianismo. No campo da Poética, regista-se apenas o De Antiquitate, Dignitateque Poesis et Poetarum Differentia (1586), de Tomé Correia (1536-95), obra que compendia o curso que ministrava no Colégio Dominicano, em Roma, no qual propõe uma base ética e pedagógica para a poesia. No âmbito das Ciências da Natureza, deve referir-se o contributo de Pedro Nunes (Tratado da Esfera, 1537 ; De Crepusculis, 1542) para a correcção dos dados cosmográficos da época e para a metodologia experimental; de Garcia de Orta, na investigação da flora exótica; de D. Francisco de Melo (1490-1536), na reinterpretação de Arquimedes e Euclides. Na área do Direito, tem importância a revisão e sistematização do Direito romano com António de Gouveia (De Juri Accrescendi), Belchior Beliago e Jerónimo Cardoso. Na Filosofia, interessa assinalar a obra de Francisco Sanches (Quod nihil scitur, 1581), precursora da dúvida universal e metódica de Descartes e do experimentalismo de Francisco Bacon, não esquecendo a relevância do erasmismo nas cortes de D. Leonor e D. Manuel I, como se expressa no Erasmi Encomium, de André de Resende, além das obras de D. Martinho de Portugal, Francisco de Melo e Damião de Góis, em oposição a Diogo de Gouveia-o-Velho e Aires de Barbosa (Antimoria, 1536). Em relação à Teologia, D. António Pinheiro e D. Jerónimo Osório (De Gloria, 1549 e De Iustitia, 1564) ocupam lugar cimeiro, conciliando a mensagem bíblica com a herança clássica. Na política, Frei António de Beja, com a sua Breve Doutrina e Ensinança de Príncipes (1525) e também D. Jerónimo Osório (Epistola ad Serenissimam Elisabetam Reginam, 1562 e De Nobilitate Ciuili et Christiana, 1542) merecem destaque. Na cronística e historiografia, de Rui de Pina a D. Jerónimo Osório, (De Rebus Emannuelis Regis Lusitaniae, 1571), passando por João de Barros, Diogo do Couto, Fernão Lopes Castanheda, Gaspar Correia, a matriz ciceroniana e liviana está sempre presente. Na literatura, de Sá de Miranda a Camões, passando por António Ferreira, André Falcão de Resende e tantos outros, Virgílio, Ovídio e Horácio são poetas que inspiram directamente a sua criação estética, enquanto Cícero é o principal modelo da prosa. Os relatos de viagem, muitos escritos em latim, se bem que indo beber a Homero, Heródoto, Xenofonte, Estrabão, Pompónio Mela, Plínio-o-Velho, Arriano, trazem à literatura, à geografia, à antropologia e à cultura, em geral, uma nova visão do Mundo.

Para além de corrente cultural, datada, o Humanismo não deixa de ser uma genuína e inalienável, ainda que plural, concepção do Homem e do Mundo centrada nas aspirações comuns a todos os povos e nações, geradora de cultura e civilização, logo transcendente ao período histórico conotado com o Renascimento, embora nele mergulhe uma das suas principais raízes e fontes de inspiração, juntamente com a matriz greco-latina. Neste sentido, é possível descobrir no nosso tempo sinais de busca e alinhamento com tais paradigmas universais.