Manifestação de humor desconcertante e com carácter libertário em que elementos macabros, absurdos ou violentos se associam ao cómico.
O conceito de humor negro foi introduzido pelo surrealista André Breton na primeira edição da sua Anthologie de l’humour noir (1940), em que se encontram reunidos textos de autores que vão de Swift a Sade, Kafka, Hans Arp, Salvador Dali e Benjamin Péret. No prefácio, Breton – influenciado pelas concepções de humor formuladas por Hegel e Freud – perspectiva o humor negro como uma “revolta superior do espírito” e sintetiza-o da seguinte forma: “L’humour noir est borné par trop de choses, telles que la bêtise, l’ironie sceptique, la plaisanterie sans gravité […], mais il est par excellence l’ennemi mortel de la sentimentalité á l’air perpétuellement aux abois […] et d’une certaine fantasie à court terme, qui se donne trop souvent pour la poesie.” (Anthologie de l’humour noir, ed. por Jean-Jacques Pauvert, 1966, p. 16). Associado ao Surrealismo, este humor desconcertante é, assim, libertador e sinónimo de denúncia / revolta. Outro aspecto a ter em conta é o príncipio do prazer, resultante do efeito de surpreender e divertir através da palavra. Segundo Maria Manuela Pardal Krühler, “uma escrita que se pauta pelo prazer e que dele vive conduz-nos invariavelmente ao discurso sedutor, aos efeitos de sedução que brotam das palavras, sobretudo quando estas jogam com os interditos. É o caso do humor, e muito particularmente do humor negro.” («Humor Negro e Surrealismo na Obra de Mário Henrique Leiria», Tese mestr. Lit. Comparadas Port. e Francesa, Univ. Nova de Lisboa, 1994, p. 6).
Os romances Catch-22 (1961), de Joseph Heller, e Slaughterhouse Five (1969), de Kurt Vonnegut, ilustram ambos situações literárias em que o humor surge associado aos perigos e tensões da Segunda Guerra Mundial. A técnica do humor negro foi também usada por Thomas Pynchon nas obras V (1963) e Gravity’s Rainbow (1973).
Na Antologia de Humor Negro editada por J. Vilhena, estão reunidos contos de autores como Jonathan Swift, Alphonse Allais, Eugène Chavette, Angel Palomino, Tristan Bernard, Sacha Guitry, Robert Sheckley, Ronald Dahl, Eugéne Mouton, Júlio Camba e André Frédérique. Tanto nos textos como nas ilustrações que os acompanham, o humor é desenvolvido sobretudo em torno da temática da morte e da violência gratuita, como é próprio do Surrealismo. A mutilação e o canibalismo são interditos a que os autores também recorrem. Bastante desconcertante é, por exemplo, o diálogo estabelecido no conto «O Ingrato», de Eugène Chavette, entre um escriturário e um condenado à morte que se recusa a ser executado: “Escriturário: Ah! Já sei! […] É o medo de fazer despesas que te não deixa vir! Mas, oh! Ignorante! Não sabes que todas as despesas de execução correm por conta dos Estado!? É o Estado que paga tudo: carrasco, ajudantes, óleo para lubrificar a guilhotina…tudo. És um homem cheio de sorte./ Condenado: Não preciso de esmolas.” (Antologia de Humor Negro, Oeiras, D. L. 1967, p. 31).
São vários os críticos que destacam a revolta contra a ordem social, o carácter anti-conformista e libertário do humor negro surrealista. É o caso de J. Cândido Martins, que o considera “um poderoso antídoto contra os excessos da sentimentalidade ou do conformismo, contra as arbitrariedades do Poder e dos saberes instituídos.” (Teoria da Paródia Surrealista, APPACDM, Braga, 1995, p. 222). Esta concepção é também aplicável aos surrealistas do nosso país. O humor negro desempenhou importante papel no Surrealismo português, encontrando-se presente na obra de autores de destaque como Mário Cesariny ou Alexandre O’Neill. Podem ser encontrados ainda vários exemplos de textos ilustrativos desta concepção na obra O Surrealismo em Portugal (1987), onde Fátima Marinho faz um estudo crítico desta corrente e apresenta em apêndice inéditos de alguns dos mais representativos autores surrealistas do nosso país, tais como António Pedro, Mário Henrique Leiria, Pedro Oom, Cruzeiro Seixas, Carlos Eurico da Costa, entre outros. Outra obra de referência é a Antologia do Humor Português (1969), organizada por Vergílio Martinho e Ernesto Sampaio.
O conceito de humor negro expande-se para além do domínio literário. Marca também forte presença no campo do desenho humorístico, como, por exemplo, na obra de Claude Serre intitulada Humour Noir & Hommes en Blanc (Humor Negro & Batas Brancas, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985). A nível do cinema, destaca-se a película Dr. Strangelove (1963), realizada por Stanley Kubrick.
André Breton: Anthologie de l’humour noir (1966), ed. por Jean-Jacques Pauvert; Franco Fortini: O Movimento Surrealista (Lisboa: 1980); Gérard Durozoi & Bernard Lecherbonnier: O Surrealismo (Coimbra, 1976); J. Cândido Martins, “Humor negro surrealista ou o riso libertador”, in Teoria da Paródia Surrealista (Braga, 1995); J. Vilhena (ed.): Antologia de Humor Negro (Oeiras, D.L.1967); Jules-François Dupuis: História Desenvolta do Surrealismo (Lisboa, 1979); Maria de Fátima Marinho: O Surrealismo em Portugal (Lisboa, 1987); Yvonne Duplessis: O Surrealismo (Lisboa, 1983); Maria Manuela Pardal Krühler: «Humor Negro e Surrealismo na Obra de Mário Henrique Leiria» (1994).
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