1. A
acepção pré-freudiana.
Sua origem provém do discurso da filosofia (de Herbart) e era,
em alemão, designado pela palavra Unbewusst. No entanto,
aquele dado desconhecido da consciência e/ou da racionalidade
não teve relação alguma com o conceito freudiano, pois, Freud
apenas o identificou com a mesma palavra.
2. O Inconsciente e o campo freudiano.
O Inconsciente, enquanto conceito psicanalítico, surge no campo
freudiano, ou seja, no campo matêmico-conceitual, inaugurado por
Freud, ainda no século XIX. Alí, quando da publicação da
Traumdeutung (Interpretação dos Sonhos). Freud vê o
sonho como sua formação "princeps". O autor austríaco, por esta
razão, aproximou o Saber Inconsciente do sujeito da ciência por
serem ambos, como a pulsão, acéfalos. Em Freud, esta categoria
(Inconsciente) se hiperdetermina a duas outras, inicialmente,
que são: a Histeria (1895) e a Transferência
(1912). De seus célebres Estudos sobre a Histeria
inferiu, para além da hipótese hipnótica, do método catártico de
Breuer (Salpêtrière), a escuta dos lapsos inconscientes
presentes nos relatos de suas analisandas histéricas e que
seriam responsáveis pela conversibilidade comportamental e pela
origem traumática da "sintomática" neurótica das mesmas. Desta "talking
cure", isto é, "cura pela palavra" deduz, a partir de tê-la
"aprendido" com as histéricas Anna O. e Elizabeth Von
R., sua forma de acesso à escuta do Inconsciente que é
denominada, por ser considerada seu estilo, de "Associação
Livre". Contudo, o Freud, que, após 1920, abandonou seu "biologismo"
e sua teoria traumática em favor do Édipo e da Castração, passou
a considerar o Inconsciente como um efeito da Castração e da
hiperdeterminação de seus dois procedimentos básicos: A
Verdrangung (recalque originário) e a Verneinung
(denegação). Caberá, pois, ao recalque, cujo efeito
imaginário-objectal denomina-se repressão, afastar,
desviar da Consciência a fantasia perversa por transformá-la em
fantasia inconsciente que, por seu turno, irá universalizar o
gozo como fálico. Caberá, então à Denegação que incide sobre a
Bejahung (Afirmação Primordial) dizer, na forma de
linguagem, não à função fálica, fazendo desta construção
pré-consciente (em Freud) a condição do Inconsciente. Logo, para
o citado campo freudiano, só haverá Inconsciente no ser que
fala. Será, aliás, esta construção pré-consciente freudiana que
servirá de modelo ao linguista Roman Jakobson (em seu célebre
estudo sobre Afasia) para relacionar condensação e deslocamento
(procedimentos do pré-consciente pertencentes à lógica do
processo primário) e as figuras de retórica conhecidas como
Metáfora e Metonímia. No entanto, o que irá caracterizar,
indubitavelmente, o Inconsciente freudiano serão suas
características metapsicológicas, e, dentre elas, sua
conformação tópica. Para Sigmund freud o Inconsciente é um
conhecimento científico porque metapsicológico, e, responderia,
tomando na sua origem dezenovesca o sonho como "modelo" à
intenção de cientificização possível do aparelho psíquico. Para
tal, como qualquer outro conceito metapsicológico, seria dotado
de: 1) Locatividade singular; por isto, é organizado em tópicas.
Freud formulou duas tópicas a este respeito e pretendeu
integrá-las em seu Resumo de Psicanálise nos anos ,0; 2)
Economia, o que também se confirma, pois, nele a parcialidade
pulsional incorporou a economia libidinal do mesmo modo que o
fez o Masoquismo Primordial. Este é responsável pela
incorporação da libido no circuito pulsional, que é parcial e
econômico por restringir o prazer pelo desprazer; 3) e, por fim,
a dinâmica, uma vez que nem interna e sequer externamente o
Inconsciente é estático. Age sobre a Transferência que o
atualiza e lhe é exterior, conquanto lhe seja forma de acesso,
e, tomando-se o sonho como "modelo", vê-se a ação transformadora
da elaboração secundária sobre o trabalho do sonho e ambos serem
provocados pelo resto diurno. Logo, o caráter tópico do
Inconsciente resulta, no pensamento de Freud, da influência
diacrônica da Neurologia e da Psicofisiologia e tem, por efeito,
a produção de uma Psicopatologia. Caracteriza a configuração do
Inconsciente em camadas superpostas, conquanto hiperdeterminadas,
e pretende "acomodar" os diferenciados efeitos de Das Ding
(a Coisa freudiana), ou seja, o impossível objeto do Desejo,
perdido para sempre, na acepção freudiana, e a simbologia da
realidade pulsional. Quer-se com isto mostrar um funcionamento
diferenciado dos efeitos da relação de princípios entre prazer e
realidade. Esta preocupação em Freud remontava ao século XIX e
com esta locatividade ele pretendia indicar um papel especial e
singular do Inconsciente no aparelho psíquico. Já do ponto de
vista do processo econômico do Inconsciente, este é responsável,
no nível da realidade psíquica, pela circulação e repartição
quantificável da energia pulsional. Considera-se, nesta
característica, o investimento pulsional sobre o aparelho
psíquico a partir de três procedimentos: a) sua mobilidade (que
é efeito de sua dinamicidade); b) sua afetação no que se refere
aos efeitos pulsionais do e no Inconsciente; c) seu
contra-investimento, que por oposição, suscita a separação e age
sobre a Neurose de Transferência (em seus mecanismos psíquicos)
e constitui o princípio catártico da "ab-reação". E seu dado
dinâmico significa, no texto freudiano, a dialética não-negativa
do Inconsciente e, assim, irá qualificar o modo de ação
permanente do Inconsciente a provocar a reação de uma força que
lhe é contraria e incide sobre o Ego. Por isto Janet,
relido por Freud, irá articular esta dinamicidade à origem
inconsciente da "clivagem" do Ego. Mas, este termo como se sabe,
antes de fazer parte da segunda (2) tópica do Inconsciente
freudiano caracterizou, por diferença a um autoerotismo
anatômico e biologista, o narcisismo dito secundário por Freud,
por distinção ao outro, primário, tipificado pelo seu caráter
auto-erótico. A articulação do Inconsciente com a pulsionalidade,
dita, então, por Freud "pré-genitalidade da libido" é com a
tópica do Inconsciente (Das Es), é de 1915, ao passo que
a miragem especular do narcisismo secundário é datado e, com
ela, a sua primeira Teoria do Ego, de 1914.
Todavia,
inicialmente, para desenvolver sua hipótese tópica (locativa) e
não a funcional (dinâmica e econômica), sendo ambas componentes
da Metapsicologia Freudiana, Freud a formulou como sendo
composta pelo Consciente, pelo Pré-Consciente e pelo
Inconsciente. Do primeiro seriam afastadas as fantasias
perversas, estas seriam reelaboradas pelos mecanismos de
Condensação e Deslocamento (comuns ao processo primário, lógica
do aparelho psíquico) denominados de "Regime do Inconsciente".
Estes relacionar-se-iam, por seu turno, com a Neurose e com a
Transferência. Assim, se uma imago coalescida se desfizer, por
ação da condensação, sera inconscientizada; mas, se for fixada
em sentido, será Neurose. O Mecanismo de Condensação,
pré-consciente, é designado pela palavra alemã Verdichtung.
Já o mecanismo de Deslocamento, também, pré-consciente, equivale
à Transferência de sentido e não só estará na origem freudiana
do termo Transferência (1912, Übertragung), forma de
acesso e de atualização do Inconsciente, e como tal será
antecedido (em Freud) pela categoria de Resistência (1895,
Estudos sobre Histeria) mas também é responsável pela
localização no Inconsciente, propriamente dito, do produto
transformado da fantasia perversa. Ambos de forma
hiperdeterminada compõem o pré-consciente. E o Consciente (vazio
de sentido), o Pré-Consciente ("Regime do Inconsciente") e o
Inconsciente (lugar para onde se desloca o não-exteriorizável da
fantasia perversa), de maneira sobredeterminada, irão compor a
1º tópica freudiana. O termo Deslocamento é designado em Alemão
pela palavra Verschiebung e é paradoxal porque se, por um
lado, recalca, por outro, poderá permitir que se burle a
censura. Mas será na Segunda (28) tópica do Inconsciente que
Freud formulará sua, também, segunda teoria do Ego. Esta se
compõe de Ego, Super-Ego e Id que estão
hiperdeterminados. O Ego é desde o narcisismo secundário um
campo imaginário (consistente) de miragem e sofre a ação do
Super-Ego que é ali o representante não da repressão,
como pensam alguns incautos, que também e ao mesmo tempo a vêem
como sinônimo de castração, tida, neste mistér, como
amputação imagética, e sim, da figura paterna, masculina,
transmitida pela mãe, dita Desejo de Mãe, com valor de
identificação viril. Sua ação é limitadora, recalcante e incide
sobre o Ego "seccionando-o" em Ideal-de-Ego, que cumpre a função
que acabamos de descrever, e Ego-Ideal que corresponde,
atribuído ao falante e/ou a outrem, à imagem de semelhante. Já o
mítico Id, que posteriormente será utilizado no Mal-Estar na
Civilização de forma extensiva articulado ao Desejo e à
agressividade (presentificando a Psicanálise na Cultura), é
formado por Eros (que inclui PSICHÊ) e Tânatus, ambos em
permanente tensão. E ai dar-se-á a presença, em seus efeitos, da
Pulsão e do Narcisismo sobre o Inconsciente. O Masoquismo
erógeno-pulsional presente, por ação do objeto pulsional, em
Tânatus, será modificado pelo Masoquismo Primordial de que
Narciso dotou Eros, por ação da Bejahung, e produzir-se-á no
lugar da pulsional fantasia perversa, a universalidade da
Fantasia Inconsciente a transmitir o gozo fálico. Por estas
razões, Lacan escreverá a Fantasia Inconsciente com o mesmo
matema (representação conceitual) da Pulsão e verá o Ideal de
Ego como representante, através do Super-Ego, no Inconsciente,
do lugar de Outro (A), ali Desejo de Mãe, e o dirá simbólico
nesta representação do A (Outro) pelo acéfalo e pulsional
sujeito do Inconsciente e da Enunciação (je), assim, este
sujeito inscrever-se-á, por via já dita simbólica, no Desejo do
Outro (A). Já o Ego-Ideal, por ser a representação
Inconsciente, embora com efeitos de sentido, de consistência
imaginária, do sujeito e do semelhante, quando na especular e
imagética posição de objeto, por isto será imaginário. Mas, o
Ego por cindir-se em ambos e situar-se entre o simbólico
Ideal-de-Ego e o Imaginário Ego-Ideal habitará o sentido, pois
este articula Simbólico e Imaginário. E o Super-Ego, nesta
tentativa de articulação das duas tópicas, o que já nos remete
ao Resumo de Psicanálise (onde o Ideal-de-Ego é simbólico ),
registra-se no simbólico por ali representar os efeitos da Lei
Paterna e Perseverante no Inconsciente, cabendo ao Id (Isso, Es)
permanecer simbólico, já que o Inconsciente freudiano para Lacan
é "simbólico puro", embora seja, inclusive, efeito de um
simbolismo narcísico e pulsional. Resta-nos, por enquanto, dizer
que segundo Sigmund Freud, o Inconsciente jamais foi considerado
o objeto Real, epistêmico, ou o nome que se queira dar, da
Psicanálise, pois nela a Coisa Freudiana (Das Ding,
Projeto, Entwurf, 1896) é um objeto para sempre perdido do
Desejo e que provoca o facto de haver, entre outras estruturas,
o Inconsciente, por não haver, paradoxalmente, objeto que
satisfaça o desejo humano, por isto dito histérico e
insatisfeito, razão última, a seu juízo, de nosso mal-estar
civilizatório.
3. O Inconsciente não freudiano: Jung, o surrealismo e o
estruturalismo.
Paralela e historiograficamente à obra freudiana surgiu, com
ares de dissidência, a chamada Psicologia dos Símbolos e/ou
Psicologia Profunda de Jung. Este autor lastreava sua concepção
arquetipal de símbolo (s) numa lógica expressiva que,
estilisticamente, se realizava por sinédoque ("pars totalis").
Desse modo, num raciocínio típico de uma lógica expressiva e
substâncialista, lógica do silogismo disjuntivo, mostráva-nos
imagens, "metáforas" que eram "expressões e/ou manifestações" de
um imanentismo de quatro elementos básicos: terra, ar, água e
fogo. Estas "metáforas imagéticas" atuavam como partes que
expressavam a predominância destes ou de um destes elementos. E
sua realização, próxima do símbolo figural de Goëthe, foi por
Freud considerada um equívoco, uma mera manifestação
conteudística e mística do Inconsciente. Isto malgrado e/ou
apesar de Freud, então um jovem médico vienense, ter sido
atraído para a questão do Inconsciente e, consequentemente ida
Psicanálise apos assistir a conferência sobre a Filosofia
Romântica da Natureza em Goëthe. E Jung foi inicialmente, mais
até do que Fliess, mais do que Jones, e, obviamente do que o
húngaro Ferenczi, tido, por uns tempos como seu discípulo
dileto…
Já outra
tentativa de se fazer passar pelo Inconsciente freudiano
leva-nos ao encontro de André Breton e da francesa e surrealista
"escrita automática". Esta também não foi considerada como
pretendiam os surrealistas como equivalente ao funcionamento do
Inconsciente freudiano. Não foi, pois, reconhecida como tal por
Freud, este jamais a considerou, como o pretendido, como uma
espécie de "gramática do sonho", sendo, pelo Mestre de Viena,
até tida como mais próxima do Inconsciente arquetipal Junguiano.
Aliás, à exceção de seu estudo sobre a Gradiva de W.
Jensen, cuja imagem de musa foi cultuada, a juizo de Chadwick,
pelos jovens surrealistas, o "gosto estético" de Freud era mais
clássico: SÓFOCLES, SHAKESPEARE, THOMAS MANN, DOSTOIÉVSKI, H.
HEINE, LEONARDO DA VINCI, etc. Entretanto, vai ser Jacques
Lacan, ao estudar em sua tese de doutoramento as psicoses nos
anos trinta, bem como o bovarismo (cf. A Psicose Paranóica em
suas Relações com a Personalidade), que se aproximará, não
de Breton e de seu Carnets, mas de Salvador Dali e de seu
"método paranóico". O incrível é que o excelente pintor
surrealista Renée Magritte que, em manifestação estética da
pulsão escópica "pictorizou" o freudiano Rochedo da Castração no
seu quadro Castelo dos Pirineus, não parecia nutrir maiores
simpatias pela psicanálise.
A próxima
contribuição foi pós-freudiana, mas contemporânea à fundação do
campo freudiano por Lacan. Este chegou mesmo a ter sua visão do
Inconsciente freudiano confundida com esta concepção de natureza
linguística, e, ter sido, apressadamente, malgrado seu respeito,
discordância e oposição à teoria da Antropologia Estrutural de
um Claude Lévi-Strauss, considerado como adepto e/ou integrante
do "boom" do Estruturalismo, então em voga. Para a base
formalista da linguística estrutural, que havia através da
fonologia exportado seu modelo plausível para a Antropologia, o
Inconsciente era uma forma implícita, desconhecido logicamente
do falante e paradigmático. Mas seria, paradoxalmente, a sua
lógica implícita que permitiria a dupla articulação da língua
por um falante, língua entendida enquanto modalidade (estrutura)
de linguagem, o saussureano dito: Linguagem a língua menos fala.
Assim exportado, implícito e logicamente determinante o
"Inconsciente estruturalista" tornava-se a condição da
Linguagem, como se não fosse a linguagem uma formação do
Inconsciente e sim ao contrário. Mas, para o Lacan do campo
freudiano, a Linguagem é que era a condição do Inconsciente.
Visto isto, constatamos que, por esta razão, tendo a lógica do
pré-consciente como sua dinâmica, é que o Inconsciente terá a
Linguagem linguagem como sua pré-condição. Lacan toma isto da
teoria de Jakobson sobre A Afasia por transformá-la
abdutivamente (Pierce). Pois, se para Saussure no dualismo
indissociável do signo linguístico a palavra, signo verbal,
fundava-se e fundava a imotivação do significante (por isto
Roland Barthes, por exemplo, ao escrever sobre as relações entre
Semiologia e Linguística, assume perspectiva oposta a de
Saussure), para a Fonologia de Jakobson, vide conferência no
M.I.T., seria o significante que fundaria a palavra. Lacan,
então, estabelece (cf. Écrits, 1966) sua alteração do
algoritmo sígnico de Saussure: S/s (significante sobre
significado) e hiperdetermina na constituição das figuras
reativadas da retórica (Metáfora e Metonímia) os mecanismos
pré-conscientes de condensação e deslocamento. E, estamos,
então, a um passo da inauguração da concepção lacaniana de
Inconsciente conforme o campo do gozo (cf. O Avesso da
Psicanálise), ou seja, o campo lacaniano.
4. O
Inconsciente conforme Lacan: a fundação do Inconsciente-Real
pelo campo lacaniano.
Dito, de saída, "estruturado como uma linguagem", por tê-la como
pré-condição, situado ao lado do cogito, do pensamento,
articulando alienação, afânise e sentido, o
Inconsciente freudiano será, inicialmente, para Lacan, puro
simbólico. E ao lado da função e/ou lugar de Psicanalísta, das
línguas, dos sintomas, dos chistes, dos "atos falhados" será
considerado como uma das "formações do inconsciente". É tido
como um dos quatro conceitos fundamentais da teoria freudiana
por Lacan. Ele vaí-nos dizer que o Inconsciente é, então, de
Freud, e, ele (Lacan) apenas o disse simbólico, ou seja, como já
se disse, que tinha a linguagem como pré-condição. Vai fazê-lo
em Bonneval (Colóquio) ao acrescentar, no pouco tempo que lhe
deram para falar, que "o Inconsciente era o que faltava ao homem
para restabelecer sua relação com a verdade" (não toda), disse
também que sendo os Psicanalistas os destinatários do
Inconsciente, por isto, dele faziam parte, até porque a
Transferência é que era a atualização do Inconsciente. O
Inconsciente, por ser Discurso do Outro (A), por ali ter
que ser buscado o Desejo do Homem, daí o aforismo da terceira
identificação ao objeto causa de Desejo (objeto a):" O
Desejo do Homem é o Desejo do Outro(A), deve ser buscado
na enunciação dos discursos. O Inconsciente no campo freudiano
também caracterizava esse capítulo da história de um falante
(sujeito) que é censurado por ser ocupado por um "fingimento"
histérico (desejo insatisfeito) ou marcado por um espaço em
branco (significante zero, vazio). E se é dito que o
Inconsciente é o Discurso do Outro (A) é somente para que
se indique, no mais além, a distinção entre o simbólico
reconhecimento do Desejo e o neurótico desejo de reconhecimento.
O Inconsciente é a exterioridade lógica do simbólico, da
linguagem que, como pré-condição, faz do homem um "animal
simbólico". Por esta razão toda a estrutura da linguagem, a ser
descoberta pela experiência analítica, remete ao Inconsciente,
que é, para Freud, o que dizemos. Nele, no Inconsciente, o
sujeito fala, porque o símbolo o fêz homem. Parodiandose a
Análise Leiga freudiana poder-se-ia dizer que a prática
psicanalítica, do ponto de vista do Inconsciente, não deixa a
representação de nenhuma de nossas ações fora do seu campo. Logo
no Inconsciente freudiano haverá sempre a incidência de um
significante novo. E serão o equívoco, a pluralidade de sentidos
e a homofonia que, no nível do significante, o irão
caracterizar. Por isto se o simbólico é a representação do
Desejo no Campo do Outro (A), a lógica do Inconsciente,
dita por Freud lógica do processo primário e/ou "Regime" do
Inconsciente é para Lacan a lógica do significante. Por isso, o
falante que é afetado pelo Inconsciente é o mesmo que irá
constituir o sujeito de um significante, pois: a) explicita,
nisto, que a linguagem é a condição do Inconsciente; b) e o
saber Inconsciente nos demonstra que, em algum lugar, d’Isso, no
Outro (A) se sabe. E aí, no Seminário, Livro 20,
Encore (Mais, Ainda), o Inconsciente tem indicado o seu
caráter real (impossível), não sem antes observarmos que ele
testemunha um saber singular, no que este, em grande parte,
escapa ao falante. Mas, voltando-se ao caráter real do
Inconsciente, Lacan nos disse que este real aí em jogo é o
mistério do Inconsciente, por sê-lo do corpo falante. Vai
designá-lo pela homofonia "Pune-bévue" que é uma versão
fonético-francesa do termo alemão utilizado por Freud:
Unbewusst, Lacan ira dizê-lo real como o próprio
significante. Até porque aplicase ao Inconsciente o dito pelo
Mestre de Paris sobre o significante, ou seja, se ele é real, o
real não é o significante. Neste momento dirá que o Inconsciente
é de Lacan e que Freud fundou apenas um campo matêmico
(conceitual). Articulará o conceito de Inconsciente, não só com
a Transferência, mas também com o binômio Resistência/Desejo do
Psicanalista.
Falta-nos
agora falar das relações entre o Inconsciente real e a presença
do Psicanalista. O Analista está presente em suas relações com o
Inconsciente no lugar renegatório de objeto a, posto ser este
perverso, uma vez que dali, a estrutura (real, simbólico,
imaginário e sintoma (S)
não se fecha. Deste lugar a posição do analista manifesta-se
enquanto sintoma, lugar de entrelaçamento estrutural, 4º nó,
suplência metafórica relativa ao Nome-do-Pai simbólico, 4º nó do
gozo e faz emergir a dita função: Desejo do psicanalista. Será o
objeto a (causa de Desejo) um dos conceitos próprios do campo do
gozo, do campo matêmico fundado por Lacan, ao lado da ousia
(incorporiedade) pré-socrática do falo, do(s) Nomes) do Pai e de
(A) Mulher. E para o pensamento de Lacan conceituar antes
de ser requisito da ciência e uma arte. Irá equivaler o
conceituar ao sintoma, já que deve ser bem-dito, pois "ama-se o
sintoma como a si próprio". Só a escrita (écriture), desde o
estudo de Lacan sobre o symptôme (santificação do sintoma) em
Joyce ("Le saint-Homme"), efeito de sublimação que é, torna-se a
possibilidade e/ou a garantia do lugar de farsa ática que deve
ser incorporado pelo Analista. Este, neste mistér, por sua vez,
(ele) se irá distinguir do "fingimento" histérico, da autocracia
autoral do Senhor (Mestre) e da impostura perversa. E se para
Lacan o sublime, mítico e verdadeiro amor provocou o
defrontar-se com a lírica e provençal arte cortesã do medievo,
antes na obra freudiana, a autenticidade do amor era de
transferência (suposição de saber). Mas, conforme a leitura de
Lacan de um Genet nada santo, a questão desejante irá incidir
sobre a perversidade ao revelá-la sob os auspícios da comédia em
Aristófanes. Lacan, aliás, no Momento de Concluir (cf. Seminário
inédito 1976) irá lamentar-se de o caminho freudiano para a
Psicanálise ter sido trágico, deveria ter sido cômico
(Aristófanes) e convocado, na sua perspectiva de degradação da
cultura, a morte da História por Kójeve aposta à Antropologia do
Desejo em Hegel.
Concluindo,
dir-se-ia que a categoria de Inconsciente-Real articula-se com a
função Desejo do Psicanalista, enquanto desejo de máxima
diferença, inclusive sexual, por emanar de sua função
sintomática, onde, por ficção, o sexo é sintoma quando não
pertencente à mesma classe lógica do sujeito; assim o Homem tem
como sintoma uma mulher por desejá-la sob o signo da diferença
sexual (cf. Seminário: O Sintoma, 1975/1976, inédito).
Isto leva o analista, no lugar de causa desejante, dita "causação"
desejante a também articular-se, do lugar de semblante do Falo,
à falta real (manque). Assim procedendo irá ofertar como suporte
do mais-gozar do analisando o seu (do analista) desejo de máxima
diferença, inclusive sexual, para que possa do Inconsciente
(real) — L’une bévue, Unbewusst, destacar, como do
analisando, porque originariamente proposto ao analista como
mais-gozar, um gozo particularizado que terá valor de
sintoma-real, só que "dublado" pelo simbólico, dito, então, S1
(significante-mestre), sintoma fundamental (sinthome). Esta é a
significação possível do Inconsciente-Real produzido no campo do
gozo, uma alíngua real (lalangue) no campo
lacaniano.
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