Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Termo para designar, de forma muito genérica, todo o processo criativo ou tudo aquilo que se consegue imaginar de forma criativa ou fantástica. Na retórica clássica, de acordo com o tratado de referência composto por Cícero, De inventione, a inventio é a parte inicial do discurso da oratória, correspondendo à procura dos argumentos, que as restantes quatro partes (dispositio, elocutio, memoria e actio ou pronuntiatio) hão-de desenvolver. Cícero buscou inspiração em Aristóteles que já se havia pronunciado sobre a inventio (heuresis) nos dois primeiros livros da Retórica. A obra anónima Rethorica ad Herennium ajudará a fixar esta estrutura clássica do discurso. Nestes casos, a invenção não é a simples criação livre de alguma coisa, conceito de largo uso que hoje utilizamos quer em termos científicos quer em termos artísticos. Trata-se de um trabalho de pesquisa de argumentos para um discurso, que envolve um tarefa intelectual (dados concretos, documentação, provas irrefutáveis que o orador há-de encontrar para defender a sua posição), uma reflexão moral (postura do orador perante a pesquisa efectuada e perante os factos sobre que quer discursar em público, não faltando à verdade), e um envolvimento afectivo (preparação do discurso com artifícios retóricos e para-retóricos, sempre com o intuito de provocar o espanto, a admiração e a concordância do público a quem o discurso se destina). A natureza das provas recolhidas na inventio pode ser factual, de ordem jurídica (“as leis, os testemunhos, os contratos, as confissões sob tortura, e o juramento”, Aristóteles, Retórica, trad. de Manuel Alexandre Júnior, IN-CM, Lisboa, p.97), ou de natureza técnica, aquilo que Aristóteles chamou os “lugares” (topica), esquemas de argumentação que se dividem em três géneros: deliberativo ou político, demonstrativo ou epidíctico e judicial ou forense. Na modernidade, a invenção corresponde à capacidade de se ser original, o que era visto pelo artista moderno como um exercício da razão, distinguindo-o da arte do artesão que apenas domina uma técnica e não faz uso da imaginação inventiva. A partir do Romantismo, a palavra deixou de ter a mesma força metafórica para o acto de criação artística, substituída, em termos estéticos, pela soberania da imaginação.

A aplicação deste conceito de invenção tem sido muito diversificada. Muitas vezes a invenção aparece como oposto de imitação, para defender a originalidade que deve presidir ao acto inventado. Outras vezes aparece como oposto de juízo, o que significa que a matéria inventada não é dominada pela razão. Em qualquer caso, o uso actual da invenção aponta sempre para um acto de criação livre, não necessariamente controlado por uma lógica de pensamento nem obrigatoriamente isenta de qualquer racionalidade. A ideia original de simples descoberta de material para a construção de um discurso não perdeu validade, porém deve acrescentar-se que hoje ninguém discutirá que essa descoberta envolve também criatividade e imaginação, o que significa que o acto inventivo não é um exclusivo de um criador sublime mas de qualquer indivíduo que seja capaz de moldar uma coisa a uma nova realidade, com um cunho pessoal e imaginativo.

{bibliografia}

Andre Della Santa: Une culture de l’imagination, ou,
L’invention en rhetorique
(1986); John E. R. Hayes:
Invention; its attributes and definition
(1942);  Rene
Boirel: L’invention (1966).