Do latim eclesiástico invocātĭō, ōnis, termo que se refere aos actos de chamar, convocar, suplicar, implorar socorro e pedir protecção e/ou auxílio a seres ou entidades sobrenaturais, divindades. Designa a segunda parte da estrutura interna do poema épico, que obedece à organização canónica: proposição, invocação, narração, constituindo ainda a dedicatória uma parte facultativa nas epopeias clássicas. É na invocação que o poeta se dirige a uma musa ou divindade com o intuito de lhe solicitar a inspiração e o auxílio necessários à elaboração do poema, por se tratar de um empreendimento cuja grandiosidade supera as suas próprias capacidades. De modo geral, as invocações situam-se no início do poema épico, embora possam repetir-se ao longo do mesmo.
Em Os Lusíadas são quatro os momentos dedicados ao pedido de inspiração e à súplica às diversas deidades presentes na epopeia. No canto I, nas estâncias 4 e 5, o poeta invoca as ninfas do Tejo, solicitando um estilo enaltecedor dos valiosos feitos dos portugueses: “E vós, Tágides minhas, pois criado” (est.4,v.1); no canto III, nas estâncias 1 e 2, é a vez de ser invocada Calíope, musa da poesia épica, a quem o poeta volta a suplicar inspiração, pois irão ser narrados os mais importantes empreendimentos da história portuguesa: “Agora tu, Calíope, me ensina” (est.1,v.1); “De quem Orfeu pariste, ó linda Dama,” (est.1,v. 6); “Põe tu, Ninfa, em efeito meu desejo,” (est.2, v.1); no canto VII, nas estâncias 78 a 87, queixando-se dos seus infortúnios, o poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego: “Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,” (est.78, v.3); “E ainda, Ninfas minhas, não bastava” (est. 81, v.1); “Vede, Ninfas, que engenhos de senhores” (est.82,v.1); “Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse” (est.84,v.1); finalmente, no canto X, nas estâncias 8 e 9, encontra-se nova súplica à imortal musa, necessária porque o poeta sente arrefecer-se-lhe o «engenho»: “Aqui, minha Calíope, te invoco” (est.8,v.5); “Mas tu me dá que cumpra, ó grão rainha/ Das Musas, co que quero à nação minha.” (est.9, vv.7,8).
A invocação é uma das figuras de retórica que se prende com o valor afectivo da comunicação e consiste na interpelação de uma divindade através do recurso ao vocativo, às exclamações e às interrogações. Distingue-se da apóstrofe por ser mais do que um simples chamamento directo de seres ausentes ou entidades abstractas. É um pedido de auxílio repleto de carga emocional, sublinhado pelo tom enfático do vocativo. Pode veicular um pedido de ajuda explícito, endereçado a um ser transcendente ou sobrenatural (“Pedi-te a fé, Senhor! pedi-te a graça, / Mas não te curves nunca, pr’a me ouvir./ Tudo acaba no mundo… tudo passa, / Mas só meu mal se foi e torna a vir.”
(António Nobre, Só, “Outono”)); constituir-se como clamor e prolongamento de uma interjeição (“Voltarei hoje? Ai, minha Nossa Senhora…” (Bernardo Santareno, Nos Mares do Fim do Mundo)); ou introduzir uma mera convocatória (“Vinde à terra do vinho, deuses novos!” (Miguel Torga, Libertação, “Mensagem”).
Aristóteles, Retórica (Lisboa, 19 ); Heinrich Lausberg, Elementos de Retórica Literária (1993).
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