Normalmente, associa-se a existência de ironia com um específico tom de voz. Estabelece-se uma situação dramática através da ironia e esta é estabelecida, por sua vez, pelo tom empregue. Normalmente, o tom de voz é um elemento que está for a do alcance do dramaturgo. Enquanto que um romancista pode recorrer às gradações múltiplas e subtis dirigindo-se directamente ao seu leitor ou fazendo o narrador desaparecer de todo da acção, o dramaturgo, enquanto tal, não o pode fazer. O dramaturgo pode recorrer a diferentes formas de fazer ironia utilizando, por exemplo, prólogos, epílogos, utilizando o coro, etc. mas estes recursos são circunstanciais em relação ao drama. O dramaturgo pode recorrer também à linguagem irónica mas a verdadeira ironia dramática provém da cumplicidade que, em determinado momento, se estabelece entre um personagem ou um grupo de personagens e o público, ou seja, a ironia dramática resulta do jogo feito entre o que o público sabe sobre uma personagem ou situação e o desconhecimento desta personagem ou personagens dessas mesmas situações ou factos. Este tipo de ironia dramática é a mais simples, a ironia mais complexa no drama é uma utilização mais ampla e profunda desta primeira. Mas o que verdadeiramente dá sentido à ironia dramática e lhe transmite um carácter cómico/trágico é a identificação que existe entre o público e o personagem, o facto de sentirmos que poderia ser cada um de nós a viver aquela determinada situação. Esta ironia de complexidade está presente no drama isabelino e pós-isabelino, sendo que na comédia de Shakespeare é, muitas vezes, alcançada usando disfarces e segredos. Vejamos um exemplo de ironia dramática no teatro de Shakespeare, na sua peça As you like it, em que assistimos a um diálogo entre dois jovens:
Rosalind: But are you so much in love as your rime speak?
Orlando: Neither rhyme nor reason can express how much.
Rosalind: Love is merely a madness; and, I tell you, deverses as well a dark house and a whip as madness do; and the reason why they are not so punished and cures is so ordinary that the lunacy is so ordinary that the whippers are in love too.
A cumplicidade entre personagem e público dá-se porque este identifica-se com os açoitadores porque também ele é alvo desta loucura que é o Amor. Esta ironia é mais forte ainda neste caso já que o público sabe que o jovem com quem Orlando conversa e que é o autor desta fala é a própria Rosalind, alvo do amor daquele, que , sob o disfarce de rapaz, se aproxima e conquista a amizade de Orlando, conseguindo apurar, pela boca do amado, a certeza do seu sentimento que, enquanto mulher amada, jamais conseguiria saber. No caso português, temos exemplos de mestria no uso da ironia dramática como o foi, a seu tempo, Gil Vicente. Roçando a sátira e o escárnio este autor utiliza as personagens- tipo como espelho de uma realidade bem conhecida do seu público e, com a qual se identificam mais ou menos. Vejamos o exemplo de ironia, alcançada também pelo jogo linguístico, na sua peça Auto da Barca do Inferno (p.69), após a recusa de entrada na barca do Paraíso:
Fidalgo: Ao Inferno todavia! Inferno há aí para mim?! Ó triste! Enquanto vivi nunca cri que o aí havia. Tive que era fantasia; folgava ser adorado; confiei em meu estado e não vi que me perdia. Venha essa prancha e veremos esta barca de tristura.
Diabo: Embarque vossa doçura, que cá nos entenderemos… […]
Aqui, a ironia nasce do substantivo “doçura”, substantivo normalmente usado com valor positivo, carinhoso e para designar uma pessoa doce e boa, usada neste caso num indivíduo que não merece entrar no Paraíso pelos actos reprováveis que praticou em vida.
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