Expressão composta por dois termos, à primeira vista, incompatíveis: ironia e romantismo. O romantismo é sempre associado à ideia de modernidade, de uma nova visão do autor que consegue ter alguma objectividade dentro da sua própria subjectividade. A ironia romântica nasce dentro dessa mudança literária do século XVIII, de um movimento que reformula a forma de produzir literatura e no próprio modo como o autor, enquanto criador, tende a uma maior capacidade de auto- crítica e auto- análise dentro das obras que produz. Alguns críticos têm visto este tipo de ironia como uma forma literária que não se restringe apenas a este movimento oitocentista mas que se expande ao longo dos séculos XVIII e XIX, e que nasce do constante apelo por parte do narrador ao leitor. Esta visão baseia-se numa atitude jocosa em que o autor se diverte com este jogo de construção/desconstrução, “manipulação” como lhe chama Maria de Lurdes Conceição Ferraz na sua obra A Ironia Romântica à Luz de Alguns textos do Romantismo Português, p.38. Assim, mais que uma característica do Romantismo, a ironia é “sobretudo o fundamento último da estética romântica” (Idem, p.39). O exercício criativo de gerar ironia e, ao mesmo tempo, fazer uma auto- reflexão sobre este uso e construção de ironia acaba por desmistificar o mundo ilusório que este recurso gera. Por sua vez, esta desmistificação introduz um elemento negativo nesta auto- análise já que não permite ao autor encontrar uma resposta definitiva para as suas dúvidas enquanto elemento criador e, ao mesmo tempo, alvo das suas próprias críticas. É o contínuo jogo de distanciamento por parte do autor da sua obra para se auto- questionar e a aproximação necessária para sentir o prazer de quem produz arte. O autor deve assim encontrar um equilíbrio entre os dois papéis: o autor e organizador. O distanciamento do autor revela este jogo mas o facto deste se aperceber e entrar neste jogo é já em si uma das razões e fundamento do próprio acto de criação. De facto, toda a produção auto- irónica acaba por conter em si uma marca romântica e é dentro deste movimento estético que a ironia melhor se revela e desvenda, este recurso estilístico revela o romantismo como arte. “A ironia é, pois, o meio que o eu usa para se auto- representar artisticamente, movimento dialéctico entre realidade e ficção” (M.L.F., p.42). Estando sempre ligados a uma preocupação de educar, os herdeiros da revolução liberal de 1820 utilizam a ironia como forma de fazer ver mais além, criticando as leituras superficiais e fazendo um auto- exame crítico. Exemplo deste exercício é Almeida Garrett, que, segundo A J. Saraiva, “compreendeu luminosamente o movimento romântico como expressão de um novo tipo de relações entre o escritor e o público” (Saraiva, 1954). Este novo despertar da função educativa na literatura acaba por trazer uma reformulação ética , assim, a deslocação que se dá da alma para o eu conduz a uma equivalência entre o belo e o bom. Veja-se o exemplo da ironia de A Garrett nas Viagens na Minha Terra, onde este critica os políticos e, ao mesmo tempo, alerta o leitor para a corrupção e incompetência destes: “Não concebem um secretário de Estado filósofo, um ministro poeta, escritor elegante, cheio de graça e de talento? Não; bem vejo que não: têm a fixa ideia de que um ministro de Estado há-de ser por força algum sensaborão, malcriado e petulante [ou um grande pedante impostor e papelão, ou um hipócrita, um gebo, um intrigante…]. Mas isto é nos países adiantados [como o nosso], […]” (p.50). Aqui, a ironia provém da troca que o autor faz entre o modelo de político idealizado e a crua realidade, oposta e por demais conhecida do leitor.
Maria de Lourdes A. Ferraz: A Ironia Romântica (1987).
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