Apesar de se ter já ultrapassado a noção de que existe uma forma correcta de ler um texto literário, quase todas as perspectivas críticas pressupõem que um leitor deve ser, antes do mais, cooperante para com a teoria que preconizam, e, por outro lado, cooperante para com o texto – no sentido em que cada prática crítica parte do princípio de que encontrou a melhor forma de o respeitar, ainda que o seu método implique “desconstruir” o texto, ou procurar os seus “buracos negros” (no caso da desconstrução). De uma maneira geral, qualquer leitor é cooperante no sentido em que está (in)conscientemente sujeito aos critérios estabelecidos pela comunidade interpretativa a que pertence, e ainda pode ler de acordo com a prática crítica que tenha escolhido. Já a sua cooperação para com o próprio texto, enquanto entidade autónoma e exterior a qualquer método de leitura é mais difícil de definir – partindo do princípio de que um texto pode efectivamente ser concebido como objecto anterior, e exterior, à prática da leitura. No que respeita à polémica questão do “respeito” pela integridade do texto podemos, por um lado, considerá-lo como objecto virtual e ilimitado, o que automaticamente o torna intocável e incorruptível, até porque qualquer leitura revela mais sobre o próprio leitor do que sobre a obra. Porém, e em larga medida, é incontestável que a leitura faz a obra, no sentido em que pode fazê-la vingar, ou assassiná-la, precisamente porque é o leitor, e não o autor, nem o texto, quem a realiza, quem lhe dá vida, quem a aceita como texto literário. (Em última instância, não propriamente o leitor mas a anónima “comunidade interpretativa”, com tudo o que de cultural, social e político ela possa implicar). Daí que, se considerarmos que o termo leitor se refere ainda a cada indivíduo que lê determinado texto, “cooperante” pode implicar ainda o dever de respeitar, não propriamente a obra enquanto livro com o qual os membros da comunidade identificam o mesmo conjunto de ideias, mas a obra como uma fusão de duas consciências, que assume características particulares, subjectivas e únicas a cada leitura: porque para além da teoria, para além da falibilidade e da previsibilidade de qualquer prática crítica, existe ainda a personalidade, a sensibilidade e, mais importante, a imaginação do leitor. Wolfgang Iser fala da leitura como “um processo activo que nos torna conscientes do outro”. Se entendermos, contudo, que a leitura é antes um processo activo que nos torna conscientes com a consciência de outro, e admitirmos que é nesse “com” que reside o grande potencial da literatura, é então esse potencial que deve ser explorado para que ela dê os seus frutos.
David Bleich, “The subjective Character of Critical Interpretation”, College English, 36, National Council of Teachers of English (1975); Stanley Fish, “Interpreting the Variorum”, Critical Inquiry, 2, University of Chicago Press (1976); Wolfgang Iser, “Indeterminacy and the Reader’s Response” in Aspects of Narrative, Selected Papers from the English Institute, Columbia University Press (1971).
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