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O termo reveste-se de uma dupla significação, uma vez que pode implicar, por um lado, o leitor que é construção do texto, entidade fictícia, definida como ideal pelo autor que o concebe enquanto alguém que irá concretizar convenientemente a sua obra, e, por outro lado, o leitor que é concebido pela teoria literária, de acordo com cada método crítico, entendido como entidade capaz de realizar a leitura ideal. A célebre definição de “crítico formalista” desenvolvida por Cleanth Brooks refere-se a alguém que se baseia, precisamente, num “leitor ideal”, que lhe permita encontrar “um ponto central de referência a partir do qual ele possa estudar a estrutura do poema ou romance.” (“The Formalist Critic”, 1951). Das afirmações de Brooks resulta imediatamente uma evidência: o termo acaba, obviamente, por não corresponder nunca a um leitor concreto, circunstância que ele procurou justificar na medida em que, ainda que esse leitor ideal não exista, o crítico estará mais longe de submeter a análise à sua subjectividade pessoal (uma vez que “o seu objectivo é estudar o poema, e não a sua reacção a ele”) se pressupuser que ele existe. Jonathan Culler adoptou uma postura semelhante ao afirmar que “a questão reside, não naquilo que um leitor individual faria, mas naquilo que o «leitor ideal» faz.” (Structuralist Poetics, 1975). Apesar de Culler ter concebido o leitor ideal como sendo, no fundo, o crítico profissional, que “naturaliza” o texto de acordo com a necessidade de lhe atribuir um sentido, a sua concepção não é menos virtual que a de Brooks, uma vez que corresponde a uma “construção teórica” que, como ele próprio admitiu, “deve ser evitada”, porque sugere, falaciosamente, a “existência de uma leitura ideal”. A sua posição é, pois, reticente, e é Culler que contrapõe à noção de leitor ideal a conclusão de que “falar de um leitor ideal é esquecer que a leitura tem uma história.”

Michael Riffaterre concebeu, por sua vez, o “super leitor”, que se assemelha à entidade que Fish identificou como “comunidade interpretativa”, ou seja, todo um “sistema de intertextualidade” que funcionaria como um “palimpsesto”, contendo “todos os comentários textuais sobre o texto, o que poderia incluir declarações ou correcções do autor, traduções, dicionários, etc., e tantos críticos quanto fosse possível encontrar” (“Describing Poetic Structures”, 1966); ou seja, trata-se de uma entidade heurística que não corresponde a nenhum indivíduo. Já o “leitor modelo” de Umberto Eco corresponde a um produto dialéctico que resulta do processo da leitura, dependendo, em larga medida, do leitor inscrito (v) no texto: daí que seja uma espécie “híbrida”, mais aproximada daquilo que será realmente o sujeito da leitura, que acaba por constituir uma fusão entre o “eu” que fala o o “eu” que lê. Mas se é verdade que, na prática, nenhum leitor corresponde simultaneamente a todas as expectativas (do texto, do autor, da crítica, da comunidade interpretativa…), assim como nenhum leitor é aquele “espaço em que todas as citações que constituem um texto se inscrevem sem que nenhuma se perca”, como proclamou Roland Barthes (“A Morte do Autor”, 1977), por outro lado pode entender-se que qualquer leitor real (v) é sempre ideal, porque possui, em maior ou menor grau, uma característica fundamental: o conhecimento daquilo que deve fazer com o texto. Ainda para Jonathan Culler, e paradoxalmente, o leitor ideal será aquele que retira um sentido do texto (não o sentido do texto mas antes um sentido por ele fabricado na leitura), sentido esse que deveria constituir o próprio objecto de estudo da crítica literária. Portanto, o leitor ideal será todo aquele que apenas tenha um papel activo na leitura. A maior parte dos críticos fala, nesse sentido, de uma “competência” que permite não só compreender o texto, mas inclusivamente reconhecê-lo como texto literário. É só através dessa competência que a literatura se pode concretizar, tanto em termos de concepção (quando é escrito, o texto já pressupõe que o leitor irá ter essa competência), como em termos de leitura (um leitor retirará tanto mais proveito da leitura quanto maior for a sua competência). O leitor ideal não é, pois, uma construção fantástica, mas simplesmente qualquer leitor real que saiba ler o texto de uma forma dialéctica.

{bibliografia}

Roland Barthes, “The Death of the Author” in Image-Music-Text, Collins (1977); Cleanth Brooks, “The Formalist Critic”, Kenyon Review, 13 (1951); Jonathan Culler, Structuralist Poetics: Structuralism, Linguistics and the Study of Literature, Cornell University Press (1975), “Semiotics as a Theory of Reading” in The Pursuit of Signs: Semiotics, Literature, Deconstruction, Cornell University Press (1981); Umberto Eco, The Role of the Reader: Explorations in the Semiotics of Texts, Indiana University Press (1979); Michael Riffaterre, “Describing Poetic Structures: two approaches to Baudelaire’s Les Chats”, Yale French Studies, 36/7 (1966).