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A expressão “leitura retórica” foi proposta, nos estudos teóricos da literatura, pelos desconstrucionistas norte-americanos como Paul de Man, J. Hillis Miller e Geoffrey Hartman, em oposição às leituras conceptuais reduzidas a uma interpretação essencialista do texto literário. Estes novos “retóricos” preferem desconstruir todos os artifícios de linguagem do texto, aproveitando todas as potencialidades dos tropos e figuras do discurso que consideram elementos constitutivos fundamentais e não apenas puros ornamentos estéticos. Uma leitura retórica procura interpretar os fragmentos perdidos ou ocultos no texto literário e avaliar as condições em que o seu sentido implícito se altera, modificando o sentido esperado ou previamente conhecido. Se os leitores convencionais procuram perceber o sentido de um texto, os leitores retóricos, nesta perspectiva desconstrucionista, procuram precisamente o contrário: desvalorizam o contexto, e centram-se nos mecanismos de ruptura do texto para provar a sua capacidade de se constituir como unidade significante e coesa.

O que J. Hillis Miller propõe em concreto para a leitura retórica é comparável ao que chamo leitura determinada pela competência poética:

By the time a rhetorical reading, or a ‘slow reading’, has shown the mechanism by which literary magic works, that magic no longer works. It is seen as a kind of hocus-pocus. By the time a feminist reading of Paradise Lost has been performed, Milton’s sexist assumptions (‘Hee for God only, shee for God in him.’) have been shown for what they are. The poem, however, has also lost its marvelous ability to present to the reader an imaginary Eden inhabited by two beautiful and eroticized people: ‘So hand in hand they passed, the lovliest pair/That ever since in loves embraces met’. “(On Literature, Routledge, Londres e Nova Iorque, 2002, p. 125).

O efeito que resulta de uma tal leitura conduzirá sempre à perda da magia do texto literário. Pré- julgamos que a leitura poética ou retórica que construímos sobre Memorial do Convento de José Saramago, por exemplo, no passo: “Quantas vezes imaginou Blimunda que estando sentada na praça de uma vila, a pedir esmola, um homem se aproximaria…” (Cap. XXV), se pode reduzir a duas soluções interpretativas como: primeiro, classificar o excerto como um exemplo de espaço psicológico; segundo, escalpelizar sintacticamente a frase. Espera-se que um leitor chegue apenas a estas duas soluções de leitura. Assim, reduzido o horizonte de expectativas deste leitor a um exercício meramente retórico-linguístico, a magia do romance de Saramago já está perdida e a peregrinação de Blimunda em busca de Baltasar, durante nove anos, nunca passará do limiar de uma frase complexa cuja sintaxe é o saber maior que a literatura pode dar. Neste sentido, vão quase todas as (muitas) críticas que os desconstrucionistas de Yale receberam.

{bibliografia}

Geoffrey H. Hartman, Criticism in the Wilderness: The Study of Literature Today (1980); J. Hillis Miller, Jr., On Literature (2002); Paul de Man, The Rhetoric of Romanticism (1984); Robert Con Davis and Ronald Schleifer, eds., Rhetoric and Form: Deconstruction at Yale (1985)