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Palavra alemã (género neutro; pl. Lieder) que em português equivale a “canção”. Nos países germanófonos, o termo é frequentemente empregue para designar uma qualquer melodia vocal, eventualmente acompanhada por um ou mais instrumentos, baseada num dado poema. Daí falar‑se de Lieder mesmo tratando-se da expressão musical dos Minnesänger da Idade Média ou de certas peças polifónicas de raiz popular dos séc. XIV‑XVII que serviriam de inspiração aos corais de Lutero e dos seus seguidores.

Nos outros países, todavia, esta mesma palavra foi adoptada para designar um género musical específico, nomeadamente o da canção a uma voz (ou mais) acompanhada por piano, tal como a vamos encontrar inscrita na tradição germânica oitocentista de um Schubert, de um Schumann, de um Brahms ou de um Wolf. Não obstante, a mesma designação tem‑se estendido a obras análogas de outros compositores situados fora do séc. XIX, como sejam os casos de Heinrich Albert, Carl Philipp Emanuel Bach, C. W. Gluck ou W. A. Mozart no século precedente, ou os de Mahler ou Schönberg já no séc. XX.

Seria demasiado exaustivo enumerar todos os que cultivaram o género, cabendo aqui destacar essencialmente o nome de Franz Schubert, um jovem romântico vienense que elevou o Lied à sua mais sublime expressão, tendo composto no decurso da sua breve vida muito mais de seis centenas de peças deste género—um legado que acabou por constituir uma referência incontornável para muitos dos compositores posteriores. Explorou os universos afectivos e espirituais de obras poéticas tão diversas como as de Johann Gottfried von Herder (6), Johann Wolfgang von Goethe (86), Friedrich von Schiller (46), Heinrich Heine (6) ou Wilhelm Müller—poeta que lhe inspiraria dois dos três ciclos de Lieder por ele compostos, nomeadamente Die schöne Müllerin e Winterreise. Nos seus celebrados Lieder, buscaria sempre a melhor simbiose entre a palavra e a música, entre o intimismo da confissão lírica e a subtileza dos transcursos melódicos, entre as oscilações da tensão dramática e os desenvolvimentos temáticos.

Na sua escrita musical, Schubert transformará definitivamente o papel do piano, o qual deixa de ser agora um mero instrumento de acompanhamento para se tornar não só num interlocutor dramático do cantor lírico, como também no espaço no qual a voz humana encontrará o seu enquadramento emocional, esboçando as atmosferas e os cenários percorridos pela personagem, amparando os seus passos nos instantes críticos ou erguendo‑a em braços nos momentos de paixão e de arrebatamento.

Na selecção dos poemas, nem sempre guiada pelos melhores critérios literários—muitos dos Lieder baseavam‑se em poemas de amigos seus—, o músico austríaco percorreria um amplo leque de temas, alguns deles típicos da demanda romântica, como a errância pela natureza cultivada por Müller, o panteísmo de Kleist (“Gott in der Natur”) ou o estigma prometaico da humanidade, que Goethe traduziria magistralmente em “Grenzen der Menschenheit”, “Gesang der Geister über den Wassern” e “Prometheus”. Dir‑se‑ia, aliás, que o Lied, enquanto veículo privilegiado da mensagem de um sujeito lírico à descoberta do mundo, será um dos géneros mais característicos do romantismo musical germânico.

{bibliografia}

Mario Bortolotto: Introduzione al Lied romantico (1984); Elaine Brody e Robert A. Fowkes: The German Lied and Its Poetry (1971); Ilija Dürhammer: Zu Schuberts Literaturästhetik (1994); Lorraine Gorrell: The nineteenth‑century German Lied (1993); Serge Gut: Aspects du lied romantique allemand (1994); Sabine Näher: Das Schubert-Lied und seine Interpreten (1996); Irmgard Scheitler: Das geistliche Lied im deutschen Barock (1982); Steven P. Scher: “The German Lied: A Genre and Its European Reception” in G. Hoffmeister (ed.): European Romanticism: Literary Cross Currents, Modes and Models (1990).