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As línguas possuem uma dupla dimensão, isto é, uma feição de natureza sistemática (interna ao sistema linguístico) e um pendor de natureza histórico (muitas vezes de âmbito extralinguístico). As línguas são, assim, um diassistema altamente complexo, onde imperam movimentos indiciadores de alguma instabilidade (aspeto que tem maior acuidade em fases passadas da língua).

O termo diacronia foi introduzido por Ferdinand de Saussurre com o objetivo de o opor ao termo sincronia, sendo que o termo sincronia poderá ser, metodologicamente, a abreviatura de linguística ou perspetiva sincrónica e diacronia de linguística ou perspetiva diacrónica. Saussure aponta a seguinte distinção entre sincronia/diacronia: «La langue est un système dont toutes les parties peuvent et doivent être considérées dans leur solidarité synchronique. Les altérations ne se faisant jamais sur le bloc du système, mais sur l`un ou l`autre de ses éléments, ne peuvent être étudiées qu`en dehors de celui-ci. Sans doute chaque altération a son contre-coup sur le système; mais le fait initial a porté sur un point seulement; il n`a aucune relation interne avec les conséquences qui peuvent en découler pour l`ensemble. Cette différence de nature entre termes successifs et termes coexistants, entre faits partiels et faits touchant le système, interdit de faire des uns et des autres la matière d`une seule science» (Saussure, 1975: 124).

Estas palavras terão, naturalmente, de ser interpretadas de acordo à época em que foram escritas. Na verdade, Saussure privilegiou a perspetiva sincrónica em relação à sua feição histórica e evolutiva (fator que constitui, em nosso entender, uma das insuficiências da teoria do Mestre de Genebra). Só mais tarde, com as teses emanadas do Círculo Linguístico de Praga, destacando-se os trabalhos de Fonologia Diacrónica de André Martinet e os trabalhos de Roman Jakobson, é que esta visão foi sendo superada e saiu da radicalidade a que estava votada. Então, acrescentou-se um princípio básico inerente às línguas naturais que se prende com a sua funcionalidade: estrutura (sistema), mudança (funcionalidade) não constituem pólos antagónicos, mas constituem um todo que permitirá explicar a génese e o desenvolvimento de qualquer língua natural. Esta visão de Saussure, que deu primazia à visão sincrónica em detrimento de uma análise diacrónica, levou a que durante bastante tempo a Linguística Histórica e os fenómenos da mudança linguística (objeto de estudo da Linguística Histórica) tivessem um enfoque secundário no âmbito das reflexões linguísticas que se vinham desenvolvendo. É que, erradamente, Saussure ao dar prioridade a uma abordagem linguística eminentemente sincrónica abstraiu-se da evolução(da língua) e dos fenómenos da variação e da mudança intrínsecos ao devir temporal e ao funcionamento linguístico. Graças às variações e mudanças que ocorrem no sistema linguístico, há efetivamente inerente às línguas um patamar que releva de uma certa heterogeneidade, mas que Saussure não contemplou, porque para o Linguista a língua constitui um sistema que se carateriza apenas pela unicidade e homogeneidade, afastando-se da dimensão histórica e evolutiva intrínseca às línguas naturais.

Se quisermos perceber, cabalmente, as propostas de Saussure no que respeita à dicotomia sincronia/diacronia, teremos de conceber os princípios que subjazem a uma outra dicotomia também por ele criada: langue/parole. Esta perspetiva saussuriana assenta no pressuposto de que a mudança só se vislumbra na parole e não na langue.

Podemos afirmar que sincronia e diacronia se complementam. As línguas não são estáticas, mas transformam-se no percurso do tempo. Enquanto que a sincronia visa o funcionamento das línguas, olha para a funcionalidade do sistema, identifica-se com a atitude do usuário da língua e considera fundamentalmente os factos sistemáticos das relações que percorrem as unidades coexistentes, a diacronia assume, em nosso entender, um papel capital na reflexão linguística, uma vez que pretende atender à evolução do sistema. Esta complementaridade advém do facto de cada sincronia corresponder a um ponto de chegada de uma determinada evolução e, por sua vez, cada evolução isolada criar certamente uma nova sincronia. Todavia, deve-se a André Martinet a criação da denominação sincronia dinâmica que constituirá um «conceito indispensável à reflexão sobre a dinâmica inerente ao funcionamento das línguas (…)» (Marçalo, 1992: 111). Tanto o plano sistemático como o plano histórico ajudam a compreender simultaneamente o modus vivendi de uma dada língua. Não esqueçamos, todavia, as esclarecedoras palavras de Bernard Pottier: «Todos sabemos que la sincronía no existe en la realidad: aparece como una etapa necesaria de la investigación. El tiempo, que nos domina siempre, hace que cualquier estudio tiene que incorporarse en una visión diacrónica, y esto vale para el significante (la fónica y la gráfica históricas), para los signos léxicos o para el funcionamento semántico-sintáctico (el sistema nominal, el sistema verbal, el sistema relacional), sin olvidar las estructuras textuales» (Pottier, 1992: 111).

A Linguística Diacrónica entende a língua como um diassistema e uma estrutura, concebendo-a como fenómeno em perene devir e, portanto, em evolução, graças ao seu constante e dinâmico funcionamento, uma vez que as línguas mudam/alteram-se, porque funcionam (Marçalo, 1992: 117). Por sua vez, a língua recebe influências de foro externo, nomeadamente de cariz sociolinguístico e pragmático (ou seja, a língua em contexto). Afinal, uma língua é um sistema complexo e permeável às influências da cultura e às vivências do povo que a utiliza.  Um trabalho baseado numa Linguística Diacrónica assentará no pressuposto apontado por Wilhelm von Humboldt de que uma língua não é um produto, um estado (ergon), mas uma actividade, um processo (energeia), como refere Von Humboldt (1949) apud Coseriu (1978: 44-45).

Apoiados em Coseriu, ppder-se-á fazer corresponder diacronia/Linguística Diacrónica a Linguística Histórica, uma vez que «(…) los términos lingüística sincrónica y lingüística diacrónica, por la contradicción y los equívocos que implican, resultan inaceptables, y sería bueno eliminarlos. Lingüística descriptiva y lingüística histórica son, sin duda, mejores» (Coseriu, 1978: 318).

A Linguística Diacrónica assume-se como um campo produtivo quando se pretende lançar o olhar por um período temporal sobre o qual desejamos observar os fenómenos de mudança e as alterações linguísticas daí decorrentes.

{bibliografia}

BYNON, Theodora – Lingüística histórica. Madrid (Editorial Gredos), 1981. Tradução de Historical linguistics. Cambridge (Cambridge University Press), 1977.

CASTRO, Ivo – Introdução à história do português. Segunda edição revista e muito ampliada. Lisboa (Colibri), 2006.

COSERIU, Eugenio – “Das Problem des griechischen Einflusses auf das Vulgärlatein” (1971). In: KONTZI, Reinhold (org.) 1978, pp. 448-460.

COSERIU, Eugenio – Das romanische verbalsystem. Tübingen (Gunter Narr Verlag), 1976.

COSERIU, Eugenio – Sincronía, diacronía e historia. El problema del cambio lingüístico. 3ª edição, Madrid (Editorial Gredos), 1978.

MARÇALO, Maria João Broa Martins – Introdução à linguística funcional. Lisboa (ICALP), 1992.

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MARTINET, André – Fonction et dynamique des langues. Paris (Armand Colin Éditeur), 1989.

POTTIER, Bernard – “Nuevos enfoques sobre diacronía de sistemas”. In: Actas del II congreso internacional de historia de la lengua española, tomo I, Madrid (Pabellón de España), 1992.

SAUSSURE, Ferdinand de – Cours de linguistique générale. Édition critique préparée par Tullio de Mauro. Publié par Charles Bally et Albert Sechehaye avec la collaboration de Albert Riedlinger. Paris (Payot), 1975. [A edição original é de 1916].