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Etimologicamente, o termo metáfora deriva da palavra grega metaphorá através da junção de dois elementos que a compõem – meta que significa que significa “sobre” e pherein com a significação de “transporte”. Neste sentido, metáfora surge enquanto sinónima de “transporte”, “mudança”, “transferência” e em sentido mais específico, “transporte de sentido próprio em sentido figurado”.

Figura de estilo que possibilita a expressão de sentimentos, emoções e ideias de modo imaginativo e inovador por meio de uma associação de semelhança implícita entre dois elementos. De facto, e tendo como base o significado etimológico do termo, o processo levado a cabo para a formação da metáfora implica necessariamente um desvio do sentido literal da palavra para o seu sentido livre; uma transposição do sentido de uma determinada palavra para outra, cujo sentido originariamente não lhe pertencia. Ao leitor é exigido no processo interpretativo uma rejeição prévia do sentido primeiro da palavra, para a apreensão de outro(s) sentido(s) sugerido(s) pela mesma e clarificada pelo contexto, na qual se insere.

A metáfora tem sido objecto de variadas e inesgotáveis reflexões a nível filosófico, linguístico e estético ao longo da história e muito haverá, certamente, ainda a dissertar sobre esta matéria, cuja complexidade requer uma re-análise constante de teorias que têm vindo a ser desenvolvidas. O estudo sobre o conceito de metáfora deve, por conseguinte, incidir na sua evolução enquanto fenómeno social e histórico, em conjunto com as teorias relativas à linguagem. Historicamente três teorias fundamentais são visíveis no que concerne o tema da metáfora – a visão clássica, com figuras representativas como Aristóteles, Cícero e Horácio; a visão romântica, à qual Coleridge deu um importante contributo, e finalmente uma visão moderna com I. A. Richards e Paul Ricoeur.

Aristóteles foi o primeiro a abordar o tema da metáfora, identificando-a como termo genérico que abarca todas as figuras retóricas em geral. Por conseguinte, ao falar de metáfora, refere-se simultaneamente, e em sentido lato, a toda a actividade retórica.

Nesta acepção, Aristóteles na Poética (capítulos 21-25) e na Retórica (livro III) designa metáfora como “o transporte a uma coisa de um nome que designa um outro, transporte quer do género à espécie, quer da espécie ao género, quer da espécie à espécie ou segundo a relação de analogia”.

Segundo esta definição de Aristóteles, podem identificar-se diferentes traços identificativos da metáfora, os quais influenciaram e regularam, até certo ponto, a história poética e retórica da metáfora, pelo menos até ao século XVIII.

Destaca-se de imediato da definição aristotélica que metáfora assenta no nome ou na palavra. Enquanto elemento essencial na perspectiva aristotélica, o nome é objecto de uma transformação ou uma deslocação de um nome para outro. Este movimento de transposição implica necessariamente um desvio ao uso vulgar e corrente do nome próprio e pressupõe concomitantemente um pedido de empréstimo a outro nome, cujo significado será atribuído ao primeiro. A metáfora surge, por consequência, como uma substituição de uma palavra própria por uma palavra em sentido figurado.

Aristóteles propõe na definição acima citada quatro tipos diferentes de metáfora.O primeiro tipo de metáfora – de género a espécie – consiste em estabelecer uma relação de encaixe entre género e espécie. Assim, tomando um exemplo canónico da filosofia o género “mortais” compreenderia a espécie “homens” por meio de uma relação lógica. A palavra “mortais”, estaria, então em vez de homens. O segundo tipo de metáfora – de espécie a género – baseia-se numa relação lógica inversa àquela descrita para o primeiro tipo.  O terceiro tipo, de espécie a espécie, assemelha-se mais genuinamente a uma metáfora pelo facto de implicar uma associação de semelhança entre dois nomes. Este tipo de metáfora é também conhecido como a metáfora dos três termos, implicando uma estrutura lógica entre três elementos – o termo metaforizante, o termo metaforizado e o termo de referência semelhante a ambos. O quarto e último tipo de metáfora proposto por Aristóteles é a metáfora por analogia ou por proporção – quatro termos estão interligados por pares e a relação entre os elementos em união é analógica. Deste modo A, B, C e D estão relacionados de uma forma que a relação de B com A é análoga à de D com C. Para a retórica pós-aristotélica, a metáfora por analogia ou por proporção constitui e identifica a “verdadeira” metáfora. Nela está patente uma relação analógica de semelhança entre duas ideias, uma das quais transfere determinadas características a outra que as adquire como suas.

Autores clássicos subsequentes como Cícero, Horácio, Longinus e Quintilliano reforçaram os pressupostos aristotélicos no que respeita o princípio do decorum patente na linguagem figurativa, e da qual a metáfora representa a forma mais nobre e essencial para o embelezamento da lingagem vulgar. A retórica clássica apresenta, porém, uma definição mais precisa e específica do termo, incluindo a metáfora na classificação genérica de tropos, que enquanto artifícios literários ou retóricos, consistem no emprego de palavras, cuja significação é diferente do seu significado literal e primeiro. Tropo, termo derivado do grego, é sinónimo de “desvio”, “volta”, implicando, neste sentido, uma mudança do sentido literal da palavra para um significado figurado. Como figura de estilo mais relevante dos tropos, a metáfora contém a estrutura básica que constitui a transferência, sendo a comparação, a sinédoque e a metonímia meras variações desse processo. Metáfora e comparação, enquanto tropos de semelhança, distinguem-se pelo facto de a comparação explicitar através da conjunção comparativa “como” o processo de transferência. A sinédoque, tropo de contiguidade, implica uma transferência da parte pelo todo, e do todo pela parte. Na metonímia, tropo de conexão, o nome de um elemento é transferido para outro com que ele está relacionado.

Neste âmbito, os tropos e a metáfora em particular, são eminentemente figuras discursivas, cuja função predominantemente é a ornamentação e o embelezamento do discurso. Assim, um discurso é tanto mais belo quanto maior for o recurso a ornamentos de linguagem que o enriquecem e o distinguem de termos considerados vulgares.

A metáfora é definida, segundo a retórica tradicional, como a figura que estabelece um ponto de semelhança entre dois termos que ocorre segundo um processo de transferência de significação própria de uma palavra para uma outra significação através da elipse do elemento comparativo. Metáfora equivale, neste sentido, a uma semelhança ou uma comparação abreviada em que a conjunção comparativa como é omitida.

A origem desta tradição provém de Quintiliano que em Instituição Oratoria refere que metáfora é, no fundo, uma comparação abreviada – “In totum antem metaphora brevior est similitudo”. A explicação de Charles Bally no seu tratado de estilística enfatiza esta noção – “(…) a origem da metáfora (…) não é outra coisa senão uma comparação em que o espírito, vítima da associação de duas representações, confunde num só termo a noção caracterizada e o objecto sensível tomado como ponto de comparação”. Esta tradição prevalece ainda no ensino tradicional que define metáfora com uma “transposição, por comparação, do significado de uma palavra para outra que inicialmente lhe não pertence”.

A visão clássica no seu conjunto apresenta uma dissociação nítida entre a linguagem e a metáfora, que é apenas utilizada pela linguagem no intuito de alcançar um determinado efeito discursivo e expressar de modo mais nobre a realidade circundante. Até ao século XVIII a metáfora traduzia respostas compartilhadas colectivamente e o conjunto de relações analógicas apresentadas eram a priori estabelecidas.

A visão romântica acerca da metáfora surge como uma reacção às teorias defendidas em séculos anteriores. Na sua perspectiva, a metáfora não se pode reduzir ao seu efeito de ornamentação porque ela é antes de mais uma maneira de pensar e de viver, uma projecção imaginativa da verdade. A função essencial da metáfora reside, assim, na expressão da imaginação. Para Coleridge, o conceito de metáfora é definível como “imagination in action”. A metáfora é, deste modo, indissociável da linguagem no seu todo, que por sua vez é essencialmente metafórica. O uso da metáfora intensifica uma actividade característica e inerente à linguagem.

A perspectiva do século XX aceita as ideias essenciais defendidas pelos românticos, nomeadamente a dissolução entre a linguagem, a experiência e o mundo real; o pensamento e o objecto descrito. Segundo I. A. Richards, a metáfora não constitui um modo excepcional de utilização da linguagem, mas antes o modo como a língua, repleta de  conceitos e ideias metafóricas, funciona.

A retórica clássica tem sido alvo de críticas por parte de alguns autores contemporâneos, que vêem esta teoria, baseada exclusivamente na lógica, como excessivamente simplista e redutora. Wheelwright, de entre outros autores, critica a distinção clássica entre metáfora e comparação. Para Wheelwright a diferenciação entre estas figuras de estilo não assenta em critérios puramente formais ou gramaticais, mas antes na transformação semântica patente no processo de construção metafórica. Henri Suhamy salienta ainda que embora formalmente uma metáfora se apresente como uma comparação, ela é conceptualmente uma metáfora.

A noção de similitudo presente na metáfora e comparação não é, assim, suficiente para explicitar as diferenças conceptuais entre estas duas figuras de estilo, uma vez que a semelhança não implica uma transferência ou um transposição do sentido de uma palavra para outra. Do ponto de vista do receptor a comparação apresenta-se seguindo uma coerência mais lógica estabelecida entre os dois elementos, reiterada pela conjunção comparativa como. A metáfora, por seu turno, implica uma abstracção a nível da sensibilidade e da imaginação pela sua ruptura com a lógica discursiva e pela liberdade concedida ao emissor. A metáfora pressupõe, consequentemente, uma complexidade muito maior do que uma mera comparação abreviada. De facto, a metáfora poderá conter dois termos que reportam referências simbólicas dispares e/ou dissemelhantes numa tentativa de recriação do real exterior ou interior e não directamente comparáveis entre si.

Paul Ricoeur acentua a ideia que o conceito de transposição por semelhança é, de facto, uma substituição por denominação, na qual um termo designa outro termo figurado similar. Por conseguinte, a metáfora insere-se por exclusivo numa estrutura paradigmática e sincrónica. O processo de substituição necessário para a criação da metáfora, bem como a disponibilidade do termo primeiro e originário, reduz esta figura de estilo a um ornamento estilístico de informação nula.

Enquanto elemento essencial na literatura, a metáfora é também um recurso corrente na linguagem quotidiana, o que poderá provar que a sua função predicativa do discurso atribuída pela retórica clássica é, de facto, redutora e não corresponde ao recurso que dela se faz. Alguns autores, como Michel le Guerne e W. H. Urban referem que a metáfora satisfaz diferentes funções da linguagem, quer sejam aquelas desenvolvidas pela retórica tradicional, quer sejam aquelas propostas posteriormente por Roman Jakobsan.

A retórica tradicional distingue três funções da linguagem – docere, placere, movere. A primeira destas funções, docere, equivale à transmissão de informação lógica. Apesar de a imaginação constituir o ponto fulcral da metáfora, esta ao destacar uma característica dominante, permite pôr em relevo o elemento mais relevante para uma melhor interpretação da mensagem. Placere, a segunda função da linguagem, designa a função estética, que assume um papel ambivalente – ao mesmo tempo que enriquece o vocabulário e embeleza o discurso, procura captar o interesse do seu interlocutor. Por fim, movere, cujo sentido é definido como a persuasão, é também visível na figura metafórica. Uma mensagem persuasiva só alcançará o seu objectivo final através de um apelo à sensibilidade e à afectividade.

De entre as funções da linguagem apontadas por Roman Jakobson, destacam-se duas em particular – as funções emotiva e conativa. A função emotiva, centrada no emissor reflecte a expressão de sentimentos ou emoções que apenas a metáfora consegue reproduzir de modo original. O emissor procura compartilhar os seus sentimentos com o receptor; daí a metáfora abarcar também a função conativa, orientada para o leitor ou ouvinte que recebe e interpreta a mensagem.

Em suma, a metáfora não se restringe a uma figura ornamental do discurso, a uma exemplificação ou representação alegórica de uma vivência real como a retórica clássica parecia fazer crer. Várias propostas têm sido efectuadas no sentido de categorizar a metáfora. Assim, uma das propostas é a distinção entre metáfora comum, standardizada e elaborada. A metáfora comum é a palavra lexicalizada, que fazendo parte da língua não está ainda fossilizada no estádio da sua etimologia. A metáfora standardizada é utilizada como uma imagem pelo emissor e compreendida do mesmo modo pelo receptor. A metáfora elaborada é uma construção mais complexa, na qual a imagem se apresenta como tema condutor.

Distinguem-se commumente ainda dois tipos de metáforas – metáfora pura, também designada por metáfora in praesentia; e metáfora impura ou metáfora in absentia.

Designa-se de metáfora pura ou in praesentia, quando os termos presentes identificam elementos irreais ou imaginados, substituindo os reais. Ex:”Tais contra Inês os brutos matadores,/ No colo de alabastro, que sustinha/ As obras com que Amor matou de amores” (Camões). Define-se a metáfora impura, ou metáfora in absentia, quando o termo real é identificado com o termo metafórico. Ex: “Meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar” (Álvaro de Campos). Alguns autores apontam a classificação de metáfora orgânica e a metáfora telescópica, cujas significações se baseiam nos termos definidos por I. A. Richards – tenor e veículo. O termo tenor corresponde ao desvio de sentido que a palavra pressupõe, enquanto o termo veículo equivale à imagem que ilustra esse conceito de desvio. Na metáfora de tipo orgânico, também definida como estrutural ou funcional, o veículo (imagem) é simbólico e o seu tenor (sentido figurado) está implícito. Ex: “E debaixo desta aparência tão modesta ou desta hipocrisia tão santa, o tipo polvo é o maior traidor do mar” (Padre António Vieira). Na metáfora telescópica ou metáfora complexa, o veículo (imagem) de uma metáfora torna-se o tenor (sentido figurado) de outra metáfora. Ex: “Sou um guardador de rebanhos/ O rebanho é os meus pensamentos/ E os meus pensamentos são todos sensações” (Alberto Caeiro). A fácil aceitação da metáfora por um vasto número de indivíduos, bem como o uso recorrente que dela se faz, leva o falante a utiliza-la sem a percepção do cariz metafórico por detrás da expressão empregue no seu discurso. Uma metáfora inovadora e imaginativa torna-se, assim, uma metáfora idiomática, lexicalizada ou ainda morta. O falante já não recorre a esta figura de estilo como uma expressão de carácter metafórico, mas como um termo próprio da língua.

As metáforas mortas ou idiomáticas consistem numa palavra – “folha de papel”, “perna da mesa”; numa frase – “As férias estão à porta”; numa frase feita – “os professores têm a faca e o queijo nas mãos”; em expressões eufemísticas – “não tomou chá desde pequeno”; e em provérbios populares – “quem vai ao ar perde o lugar”. As metáforas mortas encontram-se em vários contextos da actividade do homem e da realidade quotidiana por ele vivida. No âmbito da religião são visíveis expressões como: “A vida é um inferno”, “céu da boca”, “és um anjo”, “chorar como uma madalena”, “foi para o céu”, “espírito santo de orelha”.  A natureza assume também um papel vital neste tipo de metáforas – “fresco que nem uma alface”, “maçãs do rosto”, “separar o trigo do joio”, “és um nabo”. As expressões metafóricas com referências a animais revelam, por vezes, um tom pejorativo ou irónico – “estou depenado”, “gato escaldado de agua fria tem medo”, “são como o cão e o gato”, “tem macaquinhos no sótão”, “matar dois coelhos de uma cajadada”.

{bibliografia}

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