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Este termo tanto pode designar um qualquer texto pertencente a determinado género literário que trata outros textos ou géneros literários, sendo exemplo um romance que tem como temática a poesia, como também as obras de um género literário que se voltam para si mesmas, ou seja, para a essência do género onde elas próprias se inscrevem, adquirindo, assim um carácter autoreflexivo, como são exemplo os romances que reflectem sobre o próprio processo de escrita do romance e a sua ficcionalidade.  Estão assim contidos neste termo conceitos como os de metadrama, metaficção e metapoesia.

Alguns críticos, nomeadamente Genette, ainda inserem nesta categoria os textos pertencentes à crítica literária, considerando-os, em primeiro lugar, como pertencentes à categoria de texto literário, e, em segundo lugar, como sendo um exercício crítico sobre outro texto literário. Se esta segunda acepção não oferece grandes resistências, já a primeira é no mínimo discutível e será desafiada pelos pós- estruturalistas.

Tendo como objecto a definição mais consensual, é de referir que esta surge exactamente no contexto pós- estruturalista, marcadamente pós- moderno. De facto, todos estes conceitos de metaliteratura, metadrama, metapoesia, ou metaficção estão intimamente ligados ao conceito de Pós-Modernismo, servindo mesmo como paradigmas deste conceito. Quando William Gass introduz  no final dos anos sessenta o conceito de metaficção, estando o de metaliteratura inerente, este remete-nos claramente para  os textos de ficção que têm como centro de reflexão a própria  ficção.

Deste modo, o prefixo meta- oferece a este termo o seu caris existencialista, narcisista (como lhe chamou Linda Hutcheon) e crítico. Existencialista, pois inserido  num contexto de pós-guerra, reflecte o Zeitgeist contemporâneo: um espírito de cepticismo e pessimismo, uma descrença nos valores do progresso sem limites, do homem que atingiria a perfeição, enfim, de uma filosofia positivista que vingara no século anterior, mas que falira perante a cruel realidade que se apresentava ao homem. Este via-se agora desprovido de sentido e certezas, vivendo numa realidade sem objectivos nem verdade –  absurda. Transpondo este espírito para a literatura, esta irá também mostrar cepticismo e uma atitude profundamente anti- positivista através de romances, que irão despir e desconstruir a noção de romance que vingava desde a segunda metade do séc. XIX – o romance realista. Não se trata de uma recusa da realidade, trata-se apenas de uma re- escrita da mesma, e de uma denúncia ao artifício e à tentativa de fabricar realidades quase laboratoriais, que de reais quase nada tinham. Esta re- escrita será pautada por uma dupla via que muitas vezes se cruza e se sobrepõe mutuamente. Por um lado, este espírito  existencialista leva a literatura à introspecção, fazendo um movimento de fora para dentro, à procura de uma ontologia da literatura e explorando, assim, o fenómeno literário como temática dessa mesma literatura. Assim, não será de estranhar que Linda Hutcheon proponha o adjectivo narcisista para descrevê-la. Por outro lado, e muitas vezes associada à procura anterior, está a crítica, que apresenta várias faces e alvos. Procurando-se a si mesma, a literatura vai tentar perceber a sua essência muitas vezes por um mecanismo de recusa, ou seja pelo que não é. Desdogmatizar, desconstruir, satirizar, parodiar, por um lado, limites sociais, políticos, religiosos e científicos, e, por outro, limites estéticos e artísticos, será uma característica central da metaliteratura. Aparecem-nos, assim, a título de exemplo, romances históricos metaficcionais, nos quais, se re-escreve a História, tornando-a histórias, apresentando-se as aporias e a inerente ficcionalidade do discurso histórico dito científico e a inexistência de uma única verdade histórica, emergindo assim a noção de verdades históricas, tantas verdades quantas possíveis vozes, ou seja, a História muda assim que o contador da mesma também muda. A metaliteratura é, desta forma, o espaço do outro, do marginal, daquele que não teve lugar como herói numa literatura dogmatizada e ao serviço de uma ordem social cheia de pre(-)conceitos. São desta feita chamados para contar a sua história gays, lésbicas, loucos, mulheres, nativos e até pequenos vermes. Ao mesmo tempo que se parodia e critica qualquer tipo de dogma extra-texto, também se desmascara e se puxa os limites do dogma intra-texto, rindo – reflectindo acerca da sua própria condição, num movimento dito auto- reflexivo. Seja no metadrama, que se pode revestir de um caris experimental, onde muitas vezes as barreiras entre teatro e realidade são a tal ponto ténues que se confundem (sendo exemplo disso os múltiplos espaços inseridos “na realidade”, como estações de metro ou autocarros, que são já utilizados com espaços teatrais) ou explorando a função do teatro, dos actores, dos espectadores, da linguagem, a própria essência do teatro face à (ir)realidade da vida, como são exemplo o Teatro de laboratório, no qual a obra se vai construindo a si mesma durante ensaios e apresentações, seja no Teatro do absurdo, que alia a crítica aos tempos contemporâneos à auto- reflexividade; seja na metapoesia, que tanto pode servir como manifesto ou tratado acerca de outro género literário, de que são exemplos  os diversos poemas de Brecht na sua obra A Compra do Latão, que mais não são que reflexões acerca da dramaturgia, do teatro épico brechtiano; podendo também servir como forma de auto- reflexão acerca do papel do poeta, ou das funções da poesia, que têm, por exemplo, uma face mais politizada na chamada literatura do pós-colonialismo. É exemplo disso o poeta sul- africano Rampolokeng, que em vários poemas-rap, tem como temática central o uso da poesia como arma política ao serviço daqueles que foram durante anos privados da sua identidade (tal como na metaficção, para a qual a procura de identidade se tornou um verdadeiro Graal).  A identidade literária procura-se através de uma dialéctica crítica entre texto/outros textos, ou seja, a metaficção e metaliteratura procuram, através da especulação e crítica do outro, o que eles são, ao mesmo tempo que expandem os seus próprios limites para distinguir distâncias e semelhanças face ao outro. Escritores como Barnes ( o seu romance histórico metaficcional A History of the World in 10 ½  Chapters), Lodge ( o seu romance académico metaficcional Small World), Eco ( o seu romence histórico metaficcional O Nome da Rosa), Italo Calvino ou Saramago são exemplos de autores, cujos romances desmascaram e desafiam a ficcionalidade da representação literária e do seu género, expandindo os limites da sua génese através, entre outras, de técnicas narrativas que contemplam a intromissão autoral, estruturas narrativas não lineares no que concerne ao espaço, tempo e discurso, pastiche e paródia intertextual, não só pela estilização crítica de textos pertencentes ao mesmo género literário, como também de textos inscritos noutros géneros literários, e até textos que normalmente nem sequer são tidos como literatura, como é o caso dos documentos históricos. A metaficção presente nestes romances, e como tal a metaliteratura, põe em confronto os paradoxos da representação fictícia/ histórica, o particular/geral, o presente/ passado, o eu/outro.

Embora tenhamos centrado este termo num contexto pós- moderno, seria redutor confiná-lo num espaço temporal limitado, pois são vários os exemplos de metaliteratura fora deste âmbito. Tristram Shandy, de Stern, romance que data do séc. XVIII, desafia os limites e convenções da escrita do romance através de um discurso não linear, pelas constantes intromissões da “personagemautor, por elementos pictóricos alheios às tradicionais palavras que constituem um romance, ou pelo uso de outros géneros literários que confundem a génese do género em questão. Este romance é exemplo máximo do paradigma metaficcional, que nós diríamos ser pós- moderno. Mas como pode aparecer pós- modernidade, antes mesmo de esta se revelar como tal? A questão passa pela complexidade do conceito, não explicável por uma simples definição, mas antes por uma rede de paradigmas e atitudes estéticas que se interligam, mas que também não são exclusivas de uma determinada época.

O Pós-Modernismo, e como tal, a metaliteratura serve-se da reciclagem, da colagem criativa e crítica, mas terá sempre de conviver com o espectro da ansiedade de ser impossível ascender a uma originalidade imaculada, rindo-se desta e de si própria.

{bibliografia}

Bruce Sesto,  Language, History, and Metanarrative in the Fiction of Julian Barnes, 2001; Carlos Ceia,  O Que é Afinal o Pós –Modernismo, (1998).

David Lodge, The Art of Fiction, (1992); Linda Hutcheon, A poetics of Postmodernism. History, Theory, Fiction, (1988); Patrice Pavis, Diccionario del teatro. Dramaturgia, estética, semiologia, (1998).

http://www.brocku.ca/english/courses/4F70/genette.html

http://www.cirp.es/res/dtl/

http://wwwmcc.murdoch.edu.au/ReadingRoom/litserv/SPAN/36/Finn.html

http://www.nthuleen.com/papers/177paper.html

http://www.personal.uni-jena.de/~x6mijn/lehre/drama/stoppard/metadrama.doc