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1. Forma textual de autoconsciência que ocorre no processo narrativo e que nos textos de ficção também toma o nome de metaficção. Na prática textual, uma metanarrativa é todo o discurso que se vira para si mesmo, questionando a forma como se está a produzir uma narrativa. A técnica de construção de uma metanarrativa obriga o autor a uma preocupação particular com os mecanismos da linguagem e da gramática do texto, como podemos ver em todas as obras romanescas que se interrogam a si mesmas, como neste exemplo de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett: “Essas minhas interessantes viagens hão-de ser uma obra prima, erudita, brilhante, de pensamentos novos, uma coisa digna do século. Preciso de do dizer ao leitor, para que ele esteja prevenido; não cuide que são quaisquer dessas rabiscaduras da moda que, com o título de Impressões de Viagem, ou outro que tal, fatigam as imprensas da Europa sem nenhum proveito da ciência e do adiantamento da espécie.” (cap. II). A este tipo de narrativa que vira o olhar para a sua imagem especular chamou Linda Hutcheon “narrativa narcisistica” ou uma forma de fundamentação da autoconsciência narrativa.

2. Na filosofia e na teoria da cultura, uma metanarrativa assume o sentido de uma grande narrativa, uma narrativa de nível superior (“meta-“ é um prefixo de origem grega que significa “para além de”), capaz de explicar todo o conhecimento existente ou capaz de representar uma verdade absoluta sobre o universo. A Bíblia e o Alcorão são exemplos de metanarrativas universalmente conhecidas; mas toda a obra cultural e política vitoriana pode ser considerada uma metanarrativa, tal como Ulysses de James Joyce ou as teorias feministas radicais ou as propostas marxistas do século XX. É esta crença nas totalidades e na capacidade de uma metanarrativa para congregar todo o conhecimento possível que levou Jean-François a proposição da condição pós-moderna como uma reacção à confiança nesta utopia: “considera-se que o ‘pós-moderno’ é a incredulidade em relação às metanarrativas. Esta é, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências, mas este progresso, por sua vez, pressupõe-na. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde especialmente a crise da filosofia metafísica e da instituição universitária que dela dependia.” (A Condição Pós-Moderna, 2ª ed., trad. de Bragança de Miranda, Gradiva, Lisboa, 1989, p.12). Linda Hutcheon reclama um lugar diferente para as metanarrativas feministas, que não partem necesariamente de uma posição pessimista perante as grandes narrativas: “Vários tipos de teoria e critica feminista convergem a partir de um ângulo particular: a metanarrativa que tem sido sua preocupação principal é obviamente o patriarcado, especialmente em seu ponto de imbricação com as outras narrativas dominantes de nossos dias – o capitalismo e o humanismo liberal. Em seu modo específico de crítica, os feminismos têm-se sobreposto às teorias marxistas e pós-estruturalistas e ao que tem sido chamado de arte pós-moderna – arte que é paradoxalmente tanto auto-reflexiva e historicamente fundamentada, quanto paródica e política: as pinturas de Joanne Tod ou de Joyce Wieland, a ficção de Susan Swan ou de Jovette Marchessault, a fotografia de Geoff Miles ou Evergon.” (“A incredulidade a respeito das metanarrativas: articulando pós-modernismo e feminismos”, tradução de Margareth Rago, Labrys — Estudos feministas, nº 1-2, julho/ dezembro 2002).

Neste sentido, reclamar para as metanarrativas o estatuto de obra universal de carácter normativo — aquilo que o Discurso do Método de Descartes começa por ser para a filosofia europeia do século XVII — pode conduzir-nos à aceitação de que qualquer manual sobre o estado de uma ciência ou campo de saber (feminismo, marxismo, informática, direito, economia, etc.) é uma metanarrativa que representa a verdade conhecida sobre essa ciência ou campo de saber. Porque se trata de uma visão utópica do conhecimento, porque se julga susceptível de ser unificado em uma só narrativa, compreende-se que a crítica do optimismo modernismo neste tipo de representação do conhecimento tenha sido um dos pontos de partida da condição pós-moderna das sociedades pós-industriais e pós-capitalistas. O programa pós-moderno tem sido, portanto, a desconstrução do mito cartesiano de que é possível construir uma narrativa capaz de explicar tudo o que se sabe sobre o homem e o mundo.

{bibliografia}

David Harvey: Condição Pós-Moderna (6ª ed., São Paulo, 1996); Linda Hutcheon: Narcissistic Narrative (1985); P. Waugh: Metafiction: The Theory and Practice of Self-Conscious Fiction (1984).

http://www.unb.br/ih/his/gefem/linda1.html