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Do gr. mímesis, “imitação” (imitatio, em latim), designa a acção ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte. Heródoto foi o primeiro a utilizar o conceito e Aristófanes, em Tesmofórias (411), já o aplica. O fenómeno não é um exclusivo do processo artístico, pois toda actividade humana inclui procedimentos miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas, os rituais religiosos, a prática desportiva, o domínio das novas tecnologias, etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a mímesis que nos distinguia dos animais.

Os conceitos de mímesis e poeisis são nucleares na filosofia de Platão, na poética de Aristóteles e no pensamento teórico posterior sobre estética, referindo-se à criação da obra de arte e à forma como reproduz objectos pré-existentes. O primeiro termo aplica-se a artes tão autónomas e ao mesmo tempo tão próximas entre si como a poesia, a música e a dança, onde o artista se destaca pela forma como consegue imitar a realidade. Não se parte da ideia de uma construção imitativa passiva, como acontece na diegesis platónica, mas de uma visão do mundo necessariamente dinâmica. A mímesis pode indiciar a imitação do movimento dos animais ou o seu som, a imitação retórica de uma personagem conhecida, a imitação do simbolismo de um ícone ou a imitação de um acto musical. Estes exemplos podemos colhê-los facilmente na literatura grega clássica. As posições iniciais de Platão, na República, para quem a imitação é sobretudo produção de imagens e resultado de pura inspiração e entusiasmo do artista perante a natureza das coisas aparentemente reais (o que se vê em particular na comédia e na tragédia), e de Aristóteles, na Poética, para quem o poeta é um imitador do real por excelência, mas seu intérprete, função que compete ao cientista, foram largamente discutidas até hoje. Em particular, a questão da poesia ainda permance em aberto: seguimos com Platão se aceitarmos que a imitação fica ao nível da lexis, ou seguimos com Aristóteles, se aceitarmos que todo o mundo representado ou logos está em causa e que não resta ao artista outra coisa que não seja descrever o mundo das coisas possíveis de acontecer, coisas a que chamamos verosimilhanças e não propriamente representações directas do real? Os tratadistas latinos, como Horácio, vão defender o princípio aristotélico, reclamando que a pintura como a poesia (ut pictura poesis), por exemplo, são artes de imitação.

Vários teóricos contemporâneos tentaram recuperar esta questão, que se relaciona com o  conceito de verosimilhança, discutido por autores como  Ingarden, Sklovski, Vygotski, Jakobson, Barthes, Genette ou Hamon. O alemão Erich Auerbach traça, em Mimesis (1946), a história da representação poética da realidade na literatura ocidental, analisando a relação do texto literário com o mundo, mas recusando definir o que seja a imitação; Northrop Frye, em Anatomy of Criticism (1957), retoma a distinção aristotélica entre mímesis superior (domínio superior de representação, onde o herói domina por completo a acção das restantes personagens) e a mímesis inferior (domínio onde o herói se coloca ao mesmo nível de representação das restantes personagens); a estética de Georg Lukàcs presta particular atenção às artes não figurativas, que o teórico marxista considerava a exteriorização mais verdadeira da intimidadade do artista; Hans Georg Gadamer retoma a filosofia de Pitágoras, para quem o mundo real imitava a ordem cósmica das relações numéricas, para defender que a música, a literatura e a pintura modernas imitam essa ordem primordial. Em todos os casos, falamos de imitação enquanto forma de representação do mundo e não como uma forma de copiar uma técnica (imitatio, na retórica latina), o que foi prática corrente a partir do Império Romano, sobretudo na imitação da obra de mestres de gerações anteriores. É talvez Jacques Derrida quem propõe uma reflexão mais radical sobre o conceito de mímesis: o real é, em síntese, uma replicação do que já está descrito, recontado, expresso na própria linguagem. Falar neste caso de imitação do mundo é aceitar que estamos apenas a repetir uma visão aprendida na linguagem. A semiótica contemporânea substituiu o conceito de imitação pelo conceito de iconicidade nos estudos literários.

{bibliografia}

Erich Auerbach: Mimesis. Dargestellte Wirklichkeit in der abendländischen Literatur (1946; Mimésis. La représentation de la réalité dans la littérature occidentale, Paris, 1968); David Lodge: “Mimesis and diegesis in modern fiction”, in After Bakhtin (1990); Jacques Derrida: La Dissémination (1972); L.Costa Lima: Mímesis e Modernidade (1980); M. Koller: Die Mimesis in der Antike (1954); R. Mc Keon: “Literary Criticism and the Concept of Imitation in Antiquity”, in Critics and Criticism Ancient and Modern, ed. R.S. Crane (1952).