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Segundo The Oxford Companion to Music, o termo “musicologia “ “may be said to cover all study of music other than that directed to proficiency in performance or  composition – though  even such study as this has to call on musicology for light on some of its problems”. Em termos portugueses, mais nomeadamente brasileiros, “musicologia: Ciência que se dedica às questões teóricas e ao conhecimento alcançado por várias áreas correlatas à música. Num país de musicologia paupérrima, e em máxima parte amadorística, a palavra dum profissional tem forte valia. Grosso modo, a musicologia comporta três grandes divisões: aplicada, sistemática e histórica. A aplicada dedica-se à crítica musical, à teoria da música e à construção dos instrumentos; a sistemática agrupa etnologia musical, estética e filosofia, pedagogia, sociologia da música, psicologia da música e da audição, fisiologia da execução instrumental e da voz e audição, e a acústica; na musicologia histórica cabem a estilística, terminologia, ciência da composição, biografia, ciência das fontes e da notação, práxis interpretativa, iconografia e organologia”.

Quem consignou essa longa definição de musicologia, no monumental Dicionário musical brasileiro obra ímpar na cultura brasileira -, foi Mário Raul de Morais Andrade – ou, simplesmente, Mário de Andrade -,  filho de Carlos Augusto de Andrade, jornalista e tipógrafo, e Maria Luísa Leite de Morais Andrade, nascido, à Rua Aurora, 320, centro da cidade de São Paulo (Brasil), a 9 de outubro de 1893 e morto, de enfarte do miocárdio, na mesma cidade , em sua casa,  à rua Lopes Chaves, 546, no bairro da Barra Funda, a 25 de fevereiro de 1945. A vida desse paulistano “desvairado” pautou-se pela música, visto que foi, durante sua breve, mas intensa vida, professor de piano, no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, foi pianista até que se lhe atrofiaram as mãos, quando da morte prematura de seu irmão caçula, e escreveu toda a sua obra literária – ensaios, crítica, crônicas, romances, dramaturgia, etnografia – como se fosse uma obra musical., como se regesse uma orquestra, como se inscrevesse notas e letras no pentagrama da cultura nacional.  Basta lembrar, por exemplo,  que seus romances Amar, verbo intransitivo (1927) e Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928) foram por ele mesmo denominados e classificados, respectivamente, como “idílio” e “rapsódia”; no idílio, ressoa, solenemente, a música de Wagner, ao passo que, na rapsódia, os sons da floresta amazônica mesclam-se com os sons urbanos da “Paulicéia desvairada”. Assinale-se, ainda ,  a bem da verdade estética, que o mais importante livro de poemas do maior modernista brasileiro intitula-se, precisamente, Lira paulistana (1945), uma nomeação tão musical quanto paradoxal, dado que o signo “lira” também remete ao nosso mais terno romantismo. Andrade Muricy afirma, com todos os efes e erres, que “a ninguém, no Brasil, se pôde chamar musicólogo antes do aparecimento de Mário de Andrade”.

A partir, portanto, da teoria e da prática de Mário de Andrade – autor, inclusive,  de Ensaio sobre a música brasileira (1928), Compêndio de história da música (1929), Modinhas imperiais (1930), Música, doce música (1933), Cultura musical (1936), A música e canção populares no Brasil (1936), O samba rural paulista (1937), Os compositores e a língua nacional (1938), A pronúncia cantada e o problema brasileiro através de discos (1938), A expressão musical nos Estados Unidos (1940), Música do Brasil (1941),  Pequena história da música (1942), Danças dramáticas do Brasil , 3 volumes (1959), Música de feitiçaria (1963), Aspectos da música brasileira (1965),  O banquete (1977), Terapêutica musical (In: Namoros com a medicina, de 1980), Os cocos (1984), As melodias do boi e outras peças (1987), Vida de cantador (1993) – ergue-se, de maneira suntuosa,  uma vasta produção musicológica, inédita no Brasil de todos os tempos. Cumpre, também, lembrar que, em 1938, Mário de Andrade promoveu e organizou, em São Paulo,  o “Primeiro Congresso da Língua  Nacional Cantada”, um congresso que continua  único.

Mário de Andrade morreu de síncope cardíaca, significativa maneira de acolher a morte: não é a síncope uma categoria musical?

Por sua vida e obra, Mário de Andrade, real fundador da musicologia brasileira, cumpriu o sublime enunciado do esteta inglês Walter Horatio Pater, segundo o qual “all art aspires  towards the condition of music”.

{bibliografia}

BIB:  The Oxford Companion to Music, p. 602 (1947). Latuf Isaias Mucci, Mário de Andrade, founder of Brazilian musicology (2003).  Mário de Andrade, Dicionário musical brasileiro, p. .358 (1989). Vasco Mariz, Três musicólgos brasileiros: Mário de Andrade, Renato Almeida, Luiz Heitor Correa de Azevedo, p. 17-89.(1983). Walter Pater, The Renaissance: studies in art and poetry (1928).