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Entidade da narrativa a quem o narrador dirige o seu discurso. O narratário não deve ser confundido com o leitor, quer este seja o leitor virtual, isto é, o tipo ideal de leitor que o narrador tem em mente enquanto produtor do discurso, nem com o leitor ideal, isto é, o leitor que compreende tudo o que o autor pretende dizer. “O narratário é uma entidade fictícia, um ‘ser de papel’ com existência puramente textual, dependendo directamente de outro ‘ser de papel’” cf. Roland Barthes, (1966). O narratário é, assim, o simétrico do narrador e por este posto em cena na diegese. Para Gerald Prince, o narratário revela-se em pronomes pessoais da segunda pessoa a quem o narrador se dirige, por ex., o “you” a quem Huckleberry Finn dirige a frase com que inicia o texto. Este crítico considera que o  narratário, tal como o narrador, é uma personagem da narrativa (ainda que algumas vezes apenas esteja presente no texto de forma implícita), e que não deve ser confundido com entidades exteriores ao texto. Gérard Genette em Discurso da Narrativa,(1972), distingue dois tipos de narratário: o intradiegético e o extradiegético, conforme ele pertence ou não à diegese.

Ao dirigir-se ao narratário, o narrador pode encontrar um receptor, outro que o leitor virtual, e com quem poderá ter uma relação de índole diferente, pois o narratário, ser fictício, pode estar a um nível cultural diferente, ter outras vivências que convirão melhor ao narrador, o qual desvia a fluidez da narrativa para um outro objecto ao qual confessa a sua opinião, revelando os seus sentimentos, José Saramago, A Caverna, (2000) “… três anos são já o que os leva ela ali em baixo, três anos sem aparecer em lado nenhum (…) Assim são as coisas, Cipriano.” Aqui, se por um lado, o narrador foca a narração no espaço mental da personagem, ele também se dirige a ela numa voz de tom diferente daquela que narra, demonstrando a sua compreensão e afastando-se da narrativa central. A personagem Cipriano é instância narratária e funciona como espelho, cuja função é a de revelar um narrador conhecedor da dor do outro. O narratário adquire então a função de elo entre leitor e narrador; é um foco discursivo orientado para outro horizonte da narrativa e que vai revelar outras características do narrador, delineando-o mais precisamente como indivíduo, tal como em Virgílio Ferreira, Aparição, (1959), “… oh, bom Reitor, como te compreendo.”

No caso das narrativas epistolares, como em A Paixão do Jovem Werther, o narratário (o destinatário das cartas que Werther escreve) tem uma função dramática extrema, visto que nunca lhe é permitido responder às epístolas do narrador; as suas opiniões e conselhos apenas são levadas ao conhecimento do leitor através da própria voz de Werther. Com efeito, tivesse este narratário uma voz própria, sem passar pelo filtro de Werther, toda a tragédia conheceria um outro desfecho. Assim, o narratário tem também a função de dinamizar, a narrativa, visto ele ter a capacidade de acelerar, ou de conter o processo dramático interiorizado no narrador.

{bibliografia}

Gérard Genette, Discurso da Narrativa, (1972); Gerald Prince: “Introduction to the Theory of the Narratee”, in Essentials of the Theory of Fiction, ed. por Michael J. Hoffman e Patrick D. Murphy (2ºed., 1996); Jean-Michel Adam e Françoise Revaz, A Análise da Narrativa, 1991; Reader-Response Theory and Criticism in The John Hopkins Guide to Literary Theory & Criticism

http://www.press.jhu.edu/books/groden/entries/reader_response_theory_and_criticism.html