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Termo traduzido do Francês, introduzido por Tzvetan Todorov na sua obra Gramática do Decameron (1969). Segundo Gerald Prince, tal como o linguista pretende estabelecer uma gramática descritiva da língua, também o narratologista tem como objectivo descrever o funcionamento da narrativa e demonstrar os seus mecanismos, isto é, criar a gramática dos textos narrativos. Com efeito, a narratologia examina o que as narrativas têm de comum entre si e aquilo que as distingue enquanto narrativas. Para tal, a narratologia procura descrever o sistema específico narrativo, buscando as regras que presidem à produção e processamento dos textos narrativos. A narratologia encorpora a tendência do estruturalismo por considerar os textos narrativos como meios, regidos por regras, pelos quais os seres humanos re(criam) o seu universo. É também exemplo do objectivo do estruturalismo isolar os componentes necessários e opcionais dos vários tipos de textos e de descrever os modos como estes se articulam entre si. Competirá à narratologia distinguir os textos narrativos dos restantes textos e descrever as suas características. Dentro de estas, os formalistas russos distinguem a fábula, a história, o agente narrativo, os actores, o acontecimento, o tempo e o lugar.

O formalista russo Vladimir Propp, em “Morfologia do Conto Popular,”(1928), reduziu todas as narrativas deste tipo a trinta e um elementos fixos ou “funções” da narrativa. Para ele a função é a unidade básica da linguagem da narrativa e refere-se às acções que a constituem. O método que Propp aplicou na sua análise das narrativas é, porém, impossível de ser generalizado, por ser o corpus por ele utilizado, não apenas demasiado restrito, como também composto de histórias muito semelhantes, o que impossibilitou que se chegasse a um modelo geral de todas as narrações. Contudo os trabalhos que se lhe seguiram, não anularam o desiderato de encontrar uma estrutura genérica da narrativa.

O texto narrativo começa, assim, a ser sujeito a uma análise estruturalista da narrativa e Claude Lévi-Strauss, em Antropologia Estrutural, (1958), desenvolveu uma nova teoria acerca do mito. Segundo ele, os mitos são temas cujas variações foram pronunciadas através de inúmeras narrativas que contêm estruturas constantes, básicas e universais através das quais eles têm sido explicados. Lévi-Strauss entende estas narrativas como linguagens próprias que podem ser divididas em elementos, os quais ele, em analogia com os fonemas, intitula de “mitemas”. Desta forma surge o conceito de um tipo de gramática da narrativa, ou seja, um conjunto de regras existentes sob a superfície da narrativa. Então os mitos terão uma vida própria, uma existência colectiva independente da realidade e da verdade exteriores a eles; serão possuidores de uma lógica e verdade autóctones.

A.J. Greimas, em Semântica Estrutural, (1966), aprofunda este conceito até à existência de uma gramática universal da narrativa na tentativa de uma análise semântica da estrutura da frase. Em vez das “funções” da narrativa, ele propõe o “actante”, isto é, a pessoa dramática, e chega a um modelo composto por três pares de oposições binárias: sujeito/objecto; locutor/destinatário; ajudante/oponente. De acordo com Greimas, a narrativa é um todo significante por poder ser entendido em termos de estrutura de relações entre actantes. Estas oposições binárias dão conta de, ou descrevem três padrões básicos que se encontram na narrativa, a saber, (a) o desejo, a busca ou o alvo (sujeito/objecto); (b) comunicação (locutor/destinatário); (c) apoio auxiliar ou obstáculo (ajudante/oponente).

Gérard Genette, em “O Discurso da Narrativa,” (1972), estuda o texto de Marcel Proust, “À la recherche du temps perdu,” (1913-1927), tomando em consideração as diferenças entre fábula e intriga. Para a teoria da narrativa, Genette estabelece as seguintes distinções: discurso, isto é, a ordem cronológica dos acontecimentos num texto narrativo; história, isto é, a sequência na qual os acontecimentos realmente ocorrem; narração, isto é, o acto de narrar. O papel do narrador é aprofundado em Genette, destacando-se a sua dinâmica própria relativa à história . A narrativa é descrita como um produto das relações e interacções dos seus componentes a vários níveis e todos os seus aspectos são encarados como unidades dependentes entre si.

Estes críticos preocupam-se, assim, com a forma de apresentação da narrativa, tendendo a neglegenciar o facto que sem história não poderá haver narrativa. Contudo, começam a surgir sinais de uma posição pós-estruturalista na crítica e análise literárias. Lotman, em The Structure of the Narrative Text, (1977), postula que no universo do texto os eventos são as transferências das personagens para além dos limites do campo semântico, o que denota a urgência de não omitir da análise narratológica o objecto da narrativa, o qual deverá ser um segmento dessa mesma análise. Nesta linha, outros autores, como Mieke Bal, Seymour Chatman, Michel Mathieu-Colas e Gerald Prince, sem omitirem a forma, consideraram também pertinente juntar os acontecimentos ao objecto da narratologia. A narratologia aponta agora para dois pólos: “o quê” e o “como”. E é a esta visão que corresponde a “ciência” que Roland Barthes evocou na revista Communications, (1966), dedicada à narrativa. Com efeito, dentro da sua vertente estruturalista, Barthes considera que haverá um modelo básico para as narrativas, uma estrutura narrativa à volta da qual todos os textos narrativos se constróem; será objecto da narratologia descrever esta estrutura. Todavia, introduz na sua teoria a importância de outras vozes que não a do narrador. Em S/Z, (1970), afirma “… a escrita não é somente comunicação de uma mensagem que partiria do autor em direcção ao leitor; ela é, especificamente, a própria voz da leitura: no texto só o leitor fala.”

No seguimento desta nova segmentação da narratologia surgiram outros constituintes, essenciais para a coerência da história nos planos causal e cronológico das narrativas. Assim, através da análise das ligações temporal, espacial, funcional e transformacional, foi demonstrado que as narrativas consistem numa série de constituintes mínimos, o último dos quais, temporalmente, é uma repetição ou transformação do primeiro. Demonstrou-se ainda que as sequências mais complexas resultam da conjugação de duas mais simples, da alternação de unidades numa sequência com unidades de outra, ou de uma mistura, ordenada destes modos de combinação. Cesare Segre, Introdução à Análise do Texto Literário, (1999), diz que como “… a narração é, predominantemente, narração de acontecimentos …”, a realidade é também um ponto de referência para confirmar os conteúdos narrados, pois, “… a cadeia dos acontecimentos narrados (reais ou imaginários, mas sempre semelhantes ao real) é certamente homóloga (em modos que deverão definidos) à da narração.” Este crítico considera que, sem a relação com o real, a compreensão de qualquer texto, seria impossível e que, para narrar um acontecimento, são utilizados os mesmos estereótipos com que nos entendemos, racionalizamos e contamos os acontecimentos do quotidiano. Henrik von Wright, em Norm and Action, (1963), desenvolveu a “teoria da acção” e determinou os elementos condutores da narração, revelando que todos eles estão ligados através dos nexos temporais e causais que o homem atribui à realidade. Esta teoria aplicada no âmbito da narratologia propõe a reordenação das funções narrativas anteriormente examinadas por Lévi-Strauss e Greimas.

Mais recentemente, a estrutura da história tem sido objecto de tentativas de descrição. Thomas Pavel, desenvolve uma gramática do enredo onde sublinha a primazia da acção e da transformação e apresenta um esboço do sistema de energias, tensões e resistências que constitui o enredo. De forma semelhante, Marie-Laure Ryan desenvolveu um modelo inspirado pela inteligência artificial, que dá a sua contribuição aos momentos de suspense e de surpresa, de avanço e de atraso, isto é, aos momentos considerados emblemáticos da intriga.

As pressões da sociolinguística têm contribuído para que a narrativa passe a ser vista, não como um produto, mas sim, como um processo. Esta tendência leva a que a narratologia descubra em si uma vertente pragmática. Assim, Susan Lanser esboçou os fundamentos de uma narratologia socialmente mais sensível e feminina; outros são da opinião que determinadas conjunções de acontecimentos resultam em melhores histórias; Gerald Prince, em “Narrative Pragmatics, Message and Point,” (1983), considera o contexto narrativo como parte do próprio texto narrativo.

{bibliografia}

Cesare Segre, Introdução à Análise do Texto Literário, 1999; Gerald Prince, “Narratology” in: The John Hopkins Guide to Literary Theory & Criticism: http://www.press.jhu.edu./books/groden ; – – – – -, “Narrative Pragmatics, Message and Point” in Poetics 12, 1983; Gérard Genette, Discurso da Narrativa, 1972; Roland Barthes, S/Z, 1970.