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Do italiano novella, que, por sua vez, deriva do latim nova (“novidade, notícia”), para uma narrativa média em termos de extensão, por oposição ao conto (mais breve) e ao romance (mais extenso), o termo novela em Português não tem a mesma correspondência em outras línguas e dificilmente se encontrará consenso sobre a sua definição exacta. Novela distingue-se de outros géneros não só pela sua extensão mas também pela complexidade da sua trama, pelo que se pode definir, em termos muito gerais, como uma narrativa de extensão média (de tamanho variável, mas podendo ser limitada a cerca de 100 páginas ou 40 mil palavras), com uma trama simples, descrita sem demora na caracterização dos ambientes, personagens e tempos de acção, com apenas os elementos essenciais necessários à compreensão dos acontecimentos narrados. Nestas circunstâncias, a novela privilegia o desenvolvimento de um argumento ficcional essencial à descrição completa de todos os elementos de uma história de ficção.

A dificuldade etimológica do termo português novela percebe-se na sua comparação com outras línguas: em espanhol, chama-se novela a um romance e novela corta a uma novela; em francês, há uma distinção semelhante ao caso português, que não existe em espanhol, por exemplo; conte (conto), nouvelle (também do italiano novella, que corresponde ao nosso termo novela) e roman (romance, em português, romanzo, em italiano); em inglês, diz-se short story  para conto, long short story ou novelette para novela e novel para romance. Estas divergências linguísticas vêm de longe: o Decameron  é uma colecção de cem novelas escritas por Giovanni Boccaccio entre 1348 e 1353; Bernardim Ribeiro publicou no século XVI uma obra de ficção que tem sido classificada quer como novela, pela sua extensão breve, quer como um dos primeiros romances portugueses: Menina e Moça (edição definitiva em 1559); Miguel de Cervantes chama ao que hoje consideramos um dos melhores romances de todos os tempos Novelas ejemplares (1613). O que caracteriza estes exemplos clássicos de novelas e os confunde com o que entendemos por romance é não só a brevidade narrativa mas também o facto de concentrarem num só texto todas as acções de uma única história, podendo, como no caso de Novelas ejemplares, evoluírem para um conjunto mais complexo que obriga à classificação de romance para podermos compreender todas as suas incidências técnicas e de conteúdo.

Na Idade Média, foi um género dominante nas Letras galego-portuguesas, espanholas e francesas, com destaque para uma literatura novelística com forte pendor aventureiro, épico, mágico e/ou religioso. Os romances de cavalaria medievais entram também dentro da categoria de novelas, porque se condensavam em histórias de reis, como o imperador Carlos Magno e o rei Artur, de heróis valorosos, como os Cavaleiros da Távola Redonda, Tristão, Lancelote, Percival, Galvão, Galaaz, etc. O conceito e âmbito temático da novela evoluiu para temas mais distantes da capacidade bélica e mística do ser humano para continuar nos círculos mais restritos das paixões e das desilusões amorosas. Modernamente, é um género apetecível para quase todos os romancistas que possuem no seu porta-fólio literário obras menos extensas que não são necessariamente de menor importância no conjunto da sua obra. É o caso de A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói, A Metamorfose, de Franz Kafka, Morte em Veneza, de Thomas Mann, A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago, Aura, de Carlos Fuentes, ou The Crying of Lot 49, de Thomas Pynchon. Há outros factores para além da extensão textual que podem interferir na decisão de um romancista para fixar a sua obra como novela e não como conto ou romance: a decisão pode ser determinada pela ponderação do assunto escolhido, para o qual o autor decide que ficará mais protegido, claro ou eloquente se evitar longas descrições e caracterizações e privilegiar uma grande economia narrativa, deixando de lado análises psicológicas completas, digressões reflexivas, dilatação de informações contextuais, etc. Uma boa lista de novelas da literatura mundial pode ser encontrada na colecção da Melville House com o título: “The Art of the Novella”.

Devemos sempre atender ao contexto histórico em que a novela se estuda, por exemplo, no século XIX, que tanto privilegiou a forma da novela, um autor fundamental como Camilo Castelo Branco pode levantar-nos problemas de classificação das suas dezenas de obras de ficção se quisermos apenas classificá-las como novelas (românticas ou ultra-românticas ou pré-realistas, não interessando aqui o pormenor do vínculo de escola literária). Textos como A Brasileira de Prazins, O Amor de Perdição ou Eusébio Macário podem ser estudados como romances ou como novelas, porque a sua extensão e complexidade se pode ajustar quer ao formato de uma novela quer ao de um romance curto. Uma obra como Novelas do Minho ajusta-se ao seu tempo e ao seu formato mais conservador de novela como narrativa breve, mas mesmo aqui é preciso saber que no século XIX o conceito estava reservado a uma tipologia ficcional precisa, porque o romance era uma forma maior em todos os sentidos de expressão literária. Os temas passionais, as aventuras singulares, os devaneios românticos, os sonhos mundanos fazem parte de um universo ficcional preciso que se condensa facilmente numa obra breve como a novela, cuja missão era quase exclusivamente a de entretenimento do público fiel ao género. É a partir desta tradição que podemos compreender melhor o sucesso das aplicações do conceito literário ao mundo comunicacional contemporâneo, onde a novela se multiplica e se adapta a outros conceito mais recentes como o de fotonovela, telenovela e radionovela, sem alterar o significado original mais próximo de uma narrativa sem um elevado grau de complexidade e destinada à divulgação de matéria ficcional acessível a todos os públicos.

 

{bibliografia}

Álvaro Manuel Machado: A Novelística Portuguesa Contemporânea (1977); Barrero Goyanes: ¿Qué es la novela? ¿Que es el cuento? (1993); Cristina Robalo Cordeiro: Lógica do Incerto. Introdução À Teoria da Novela (2001); R. Rabell: Rewriting the Italian Novella in Counter-Reformation Spain (2003); Colón Calderón. La novela corta en el siglo XVII (2001); Harry Steinhauer: “Towards a Definition of the Novella”, Seminar: A Journal of Germanic Studies, vol VI, nº 2, 1970.