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O conceito de obra aberta remete para a noção de abertura e infinitude do texto literário, o que possibilita uma maior indagação à própria obra. Uma obra é uma criação de um autor, que pretende despertar no seu receptor (ou fruidor) um conjunto de efeitos que o levam a compreender as intenções originais de quem a produz. No entanto, Umberto Eco (1972) defende que os processos de leitura e interpretação não podem pressupor uma análise pré-definida e estruturada do texto. Pelo contrário, implicam uma acentuada liberdade por parte do leitor, que é também receptor, tornando-se tarefa sua extrair dele uma análise pessoal. De acordo com tal noção, a origem do termo obra aberta advém da necessidade, cada vez mais patente, de se compreender e valorizar a capacidade criativa e interpretativa que conduz, sempre que necessário, a uma reestruturação do pensamento.

A primeira vez que se tomou consciência da noção de obra aberta foi no simbolismo da segunda metade do século XIX, com Verlaine. Ao contrário do que se verificava na Idade Média, marcada por um acentuado hermetismo, o que reflectia uma cosmologia amplamente hierárquica e de profunda rigidez, a noção de obra aberta defende que uma produção literária não se encontra de todo acabada em si mesma e plenamente definida enquanto estrutura finita mas, pelo contrário, possibilita diversas interpretações e reformulações. Assume-se, então, uma nova dialéctica entre a obra e o intérprete, já que a primeira, fechada no sentido de concluída, acaba por ser igualmente uma obra aberta, ou seja, passível de sugerir interpretações bastante diversificadas.

A partir do realismo do final do século XIX, o autor é a ponte entre o real e o leitor. No entanto, é ainda antes, nomeadamente no período barroco, que se assiste à tomada de uma nova consciência científica e ao fim do geocentrismo, o que conduz ao interesse pelo novo e por tudo aquilo que não se encontra subjugado à imposição de barreiras limitativas. É neste sentido que podemos então definir abertura como sendo a condição de toda a fruição estética, configurando múltiplas possibilidades interpretativas (=descontinuidade), que Peirce ou Derrida denominam de princípio da pluriinterpretabilidade.

A arte moderna apresenta a obra enquanto elemento indefinido e plurívoco, que vai sendo configurado e progressivamente alargado (v. hipertextonoção de texto dentro de texto, iniciada a partir da obra literária de Miguel de Cervantes), de acordo com toda uma amplitude de possibilidades de leitura, por oposição aos conceitos de ordem e rigidez (=leituras estereotipadas de um texto). Este discurso de abertura é típico, nomeadamente, da arte de vanguarda, de acordo com a qual a interactividade é um elemento basilar. Assim, tal como se verifica nos espectáculos de música ou teatro, ou desde o final do século passado ao nível dos media e das novas tecnologias de informação, o público é frequentemente solicitado a intervir no processo de criação, facto este que, num âmbito histórico-cultural, poderia ser equiparado ao teatro grego clássico, no qual o coro assumia uma posição determinante na construção da peça.

De facto, o leitor encontra-se perante um conjunto de relações inesgotáveis, ao qual acrescenta o seu próprio contributo. Como defendem Mallarmé ou W. Y. Tindall, o texto encontra-se impregnado de sugestões variadas, sendo que a obra se coloca intencionalmente aberta à reacção e interpretação do leitor, procurando estimular o seu mundo. A título de exemplo, verificamos que em Finnegans Wake, de Joyce, uma única frase remete para uma imensidão de significados e ambiguidades, que cabe ao leitor decifrar. Assim, com a noção de obra aberta estamos na presença de uma contínua possibilidade de aberturas e uma reserva inesgotável de significados, sendo o leitor sobretudo um crítico (Eco, 1993). De acordo com a opinião de Derrida, o sentido de um texto é construído aquando do próprio processo de leitura, notando-se assim uma complementaridade entre a criação e a recepção.

Como vemos, a concepção de obra aberta remete para o intérprete (=leitor) a função de ir descobrindo e compreendendo a obra, de acordo com a sua própria personalidade, interesses, experiências vivenciais quotidianas e horizontes de expectativa, pelo que todo o processo de interpretação se encontra condicionado pela própria cultura em que o indivíduo se insere.

{bibliografia}

Peter Bondanella: Umberto Eco e a Obra Aberta: semiótica, ficção, cultura popular (1998); Umberto Eco: A Definição de Arte (1972), Obra Aberta: Forma e Indeterminação nas Poéticas Contemporâneas (1986), Leitura do Texto Literário: lector in fabula (1993, Os Limites da Interpretação (1995).