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Termo central dos Estudos Culturais, estudado em particular por Edward Said, no seu livro Orientalism, que descreve o longo processo histórico através do qual o Oriente foi virtualmente construído nos intelectos e nas mentes dos académicos ocidentais. Essas construções, por sua vez, preciosamente guardadas e codificadas ao longo dos anos em inumeráveis romances, poemas, livros de viagens, documentos de pesquiza, etc, foram interiorizadas pelos próprios orientais – muitos dos quais se adaptam agora ás expectativas que os ocidentais têm sobre eles. Na introdução deste estudo, Said fala nos estereótipos que permaneceram e através dos quais nós vemos o Oriente como fonte de mistério, corrupção, sensualidade ou (paradoxalmente), iluminação espiritual.. O Oriente está ligado ao Ocidente por laços históricos bem como a própria origem da civilização ocidental é a recorrente imagem do Outro – que será confrontado pelo Ocidente e assimilado ou subjugado. O autor distingue três tipos de Orientalismo:

Em primeiro lugar, o Orientalismo aparece como um sujeito de estudo académico. As línguas orientais foram exaustivamente estudadas pelos filólogos do sec.XIX. O segundo tipo de Orientalismo refere-se a uma atitude que opõe o Oriente ao Ocidente. Na literatura, é conhecida a dicotomia básica entre ambas oriental / ocidental. Em terceiro lugar, a afirmação do estudo ocidental, a sua burocracia e controlo sobre o Oriente (a partir do séc. XIX) tornaram virtualmente impossível aos ocidentais verem as coisas como elas realmente são, sendo vistas pelo contrário, como foram préviamente moldadas e definidas pelo discurso ocidental.

Tudo isto se apresenta como um produto dos estreitos laços históricos e coloniais que ligam o Oriente ao Ocidente através dos tempos: “Deste modo, falar de Orientalismo é falar sobretudo […] do empreendimento cultural francês e inglês, um projecto cujas dimensões tomam sentidos tão diferentes, como a própria imaginação, o todo constituído pela India, e pelo Levante, os Textos e Territórios Bíblicos, o comércio de especiarias, os exércitos coloniais, e uma enorme tradição de administradores coloniais, o professorado oriental, um complexo aparato de ideias Orientais (despotismo, esplendor, crueldade, sensualidade orientais), muitas seitas, sabedorias e filosofias Orientais foram moldadas, adaptadas para uso dos europeus.” (Literature in the Modern World, ed. Walder). Torna-se assim óbvio que o alcance dos argumentos de Said é enorme – e vai muito para além do Oriente reflectido na literatura. Contudo só no mundo da literatura inglesa encontramos inumeráveis exemplos que reflectem o modo como o Oriente é visto pelos olhos ocidentais, e “construído” pelo discurso ocidental.

Said debruça-se também sobre o conceito de hegemonia, tal como foi definido por Gramsci, para quem a influência das ideias e ideologia do grupo dominante são aceites como naturais por ambos os grupos, dominado e dominante: “É a hegemonia, ou antes, o resultado da hegemonia cultural no trabalho, que dá ao Orientalismo a durabilidade e a força de que tenho falado até agora.”. Um dos mais notáveis efeitos desta hegemonia é o de confirmar a superioridade Ocidental (aos olhos tanto dos Orientais quanto dos Ocidentais ) em áreas como leis, tecnologia, ciência e arte. Said discute, também o que ele chama “atitude textual”, através da qual o Oriente é visto na sua generalidade. Estamos perante o hábito de observar e experienciar um país ou cultura baseados no que préviamente lemos (em livros-guias, livros de viagens, etc.). Consequentemente as nossas expectativas serão confirmadas ou frustradas conforme as noções adquiridas através do texto lido. “Muitos viajantes dão por si dizendo que a sua experiência não correu de acordo com o que esperavam, isto é; a sua experiência não foi o que o livro disse que iria ser “. Após um certo período de tempo, esta literatura tem a tendência de “criar” a realidade que se propõe descrever: “tal conhecimento e realidade produzem uma tradição, ou aquilo que Michel Foucault chama «discurso», cuja presença material ou peso, não a originalidade de um dado autor, são os resposáveis reais pelo texto produzido para além dessa realidade”.

Esta tendência reflecte em parte a vontade de dominar do Ocidente, e é criada em parte pelas pressões da tradição Oriental e da sua atitude textual em relação ao Ocidente. Entre outras proezas, esta tradição produziu escolares, aumentou o número de línguas orientais ensinadas no Ocidente, bem como a quantidade de obras traduzidas e editadas no séc.XIX. Contudo, no seu processo de tradicionalização, conduziu à duras generalizações sobre o (imutável) Oriente, forjou um apertado laço entre o estudo académico e a política Ocidental, baseado num eurocentrismo que proporcionou um Ocidente dominador e transcendente face a um passivo e imutável Oriente. (Said encara a tradição intelectual como profundamente baseada na filologia e na linguística e da entre os académicos do séc.XIX, ele estuda, neste contexto, Friedrich Shlegel, Gobineau e Humboldt.). Entretanto, a actual vivência do Oriente encontra-se muitas vezes em conflito com a experiência textual pré-concebida, o que não nos surpreende visto que o Oriente nos tem sido tantas vezes apresentado em tons lúgubres, quase irreais. Said menciona as descrições de Flaubert sobre o Oriente, que incluem uma mulher num bazar do Cairo que divertia o público tendo relações sexuais com um macaco; um homem que se fez sodomizar por um orangotango, etc. É para este modo hiperbólicamente exagerado de apresentar o Oriente para consumo Ocidental, que Said tenta perspicasmente chamar a nossa atenção. Como ele próprio diz: “O Oriente, não como ele é, mas como foi orientalizado.” Said criou o termo irónico “dis-Orientals” para apelidar os que se recusam a aceitar a mudança de posição política do Oriente, e cita as ideias de H. A. R. Gibb como exemplo de mentes mal orientadas que simplesmente falharam na aceitação de um vasto Oriente em mudança, e que pelo contrário se apegam ainda aos velhos preconceitos.

Bibliografia:

C. Belsey, Constructing the Subject – Deconstructing the Text (1985); D. Gill and B. Mayor, Racism and Education (1992); D. Lodge, Modern Criticism and Theory (1988); D. Porter, “Orientalism and its Problems” (In F. Barker et al, The Politics of Theory 1982); D.T. Goldberg, Racist Culture (1993); E. Said, Orientalism (1978); ——- “An ideology of Difference” (in H.L. Gates Jr.[ed] “Race”: Writing and Difference, 1985); J. Hawthorn, Contemporary Literary Theory (1994); K. Malik, The Meaning of Race (1996); K. Mumanga, Negritude: Usos e Sentidos (1988).