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Palavra derivada do grego, cujo sentido geral é o dum discurso, em prosa ou verso, em louvor duma pessoa, acontecimento, lugar ou objecto. Desde a Grécia antiga, e sem interrupção até ao declínio da retórica no século XIX, o panegírico foi o mais puro expoente da oratória epidíctica ou demonstrativa. Entre os seus subgéneros encontram-se o epitalâmio (sobre bodas), o epicédio (sobre mortos) e o encómio paradoxal (sobre pessoas indignas de louvor). Os seus princípios norteadores e regras práticas dependiam de obras teóricas, principalmente as de Aristóteles, Menandro de Laodiceia, Hermógenes de Tarso, Marco Túlio Cícero (incluindo a Rhetorica ad Herennium, que durante séculos lhe foi atribuída) e Quintiliano, e dos textos literários que lhe estabeleceram o cânone, como os encómios de Isócrates e Plínio-o-Moço, ou os epitalâmios de Claudiano, todos dirigidos a monarcas.

A função do panegírico foi sempre política. O objectivo era estimular nos ouvintes ou leitores o desejo de emulação das virtudes louvadas no discurso. Isto cumpria-se geralmente, colocando perante o receptor uma imagem ideal dele mesmo. Toda a ênfase do panegírico recaía sobre os valores que estavam supostamente na base da prática governativa da pessoa em causa. A ideia era conferir um sentido de legitimidade e segurança ao detentor do poder estabelecido, de um modo que o persuadisse a tornar-se melhor governante. Por isso, João de Barros, um dos mais importantes panegiristas portugueses, sugeria que a eloquência laudativa se dirigia em geral aos homens que não mereciam louvor (pp. xxvi e 165). É que os tiranos, detentores discricionários do poder, não podiam ser censurados ou criticados frontalmente, não apenas por causa das consequências nefastas daí resultantes para as pessoas dos autores, mas também porque isso não traria efeitos positivos sobre o curso da governação. O panegírico, excitando o receptor através de imagens e sentimentos de virtude e glória excelsas, resguardaria o povo de piores consequências e levaria o mau monarca, com subtileza e sem melindres, a melhorar a sua conduta política.

A oratória panegírica desenvolve-se sobretudo, como seria de esperar, nos períodos da vida pública em que o direito à palavra está fortemente condicionado. A sua importância cresce na proporção da decadência da oratória parlamentar. A forma do panegírico substitui então a do debate político, mas permanece com os ingredientes deste. Por isso, em escritores como Aristóteles, Cícero e Plutarco, é patente a sobreposição dos dois géneros de eloquência, o epidíctico e o deliberativo. Por oclusão de outras vias, o panegírico adquire o propósito de influenciar, e até de transformar, as deliberações do governante receptor. O estudo das convenções da retórica demonstrativa permitiria aceder a espaços largos de produção discursiva onde o panegírico é o único meio legal de intervenção pública sobre a vida política coetânea.

{bibliografia}

Anónimo (Cornifício), Rhetorica ad Herennium; Aristóteles, Retórica; Barros, João de, Panegíricos (1946); Cícero, Marco Túlio, De Inventione; De Oratore; Orator; Hermógenes de Tarso, “Obras” in AAVV, Rhetores Graeci; Lockwood, Richard, The Reader’s Figure (1996); Menandro de Laodiceia, Sobre a Epidíctica; Pinheiro, António, “Panegírico de Plínio a Trajano” (tradução quinhentista portuguesa), Colleçam das Obras Portuguesas do Sabio Bispo de Miranda, tomo II (1785); Plutarco, Moralia; Quintiliano, Marco Fábio, Institutio Oratoria; Tácito, Cornélio, Diálogo sobre os Oradores.