Do latim pausa-ae, termo que designa uma paragem ou uma interrupção momentânea de sons, movimentos, acções ou discursos.
Na lírica, a pausa corresponde à interrupção que assinala a conclusão de um período rítmico. Pode ser ligeira, mais ou menos longa ou total, conforme se trate do final do verso, da estrofe ou do poema. Faz parte das estrutura e unidade rítmicas e melódicas de qualquer composição poética. Não deve confundir-se com a cesura, correspondente ao descanso da voz que marca a separação do verso, normalmente mais longo, em grupos fónicos (denominados hemistíquios quando são dois): “Mais do que sonho:// comoção!/ Sinto-me tonto, // enternecido,” (David Mourão Ferreira, “Penélope”). A pausa existe apesar do transporte (cavalgamento), pois pode ser de duas naturezas: métrica ou verbal, o que nos permite fazer duas leituras da mesma composição. Ao respeitarmos a pausa métrica, descuramos o sentido, no caso inverso, estamos a valorizá-lo em detrimento do metro: “Mas nesse manto que desfias,/ e que depois voltas a pôr, / eu reconheço os melhores dias/ do nosso amor.” (David Mourão Ferreira, “Penélope”).
No que diz respeito ao texto dramático, a pausa é igualmente significativa, uma vez que se conta entre os meios utilizados para comunicar uma determinada informação. Desta forma, não nos podemos esquecer que, a este nível, o recurso às possibilidades que a linguagem oferece, enquanto faculdade humana, pode ser total, visto tratar-se de um texto para representar. Indicada nas didascálias (paralelamente aos comportamentos, atitudes, entoações frásicas, gestos, entre outros recursos exigidos pela representação de uma determinada personagem), a pausa contribui de forma clara para a construção de um determinado carácter, provoca um efeito dramático específico, sublinha relações entre os vários elementos intervenientes ou cria uma determinada atmosfera, normalmente trágica. É o que acontece, por exemplo, em Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett: ” Oh minha filha, minha filha! (silêncio longo) Desgraçada filha, que ficas órfã!…órfã de pai e de mãe… (pausa) (…)” (Acto III, cena 1, Manuel). É especialmente explorada no teatro do silêncio.
Em termos narrativos, de acordo com Genette (1972), a pausa é uma questão temporal que se integra no capítulo dedicado à duração. Constitui uma interrupção no tempo da história, favorecendo o tempo do discurso, tratando-se, pois, de uma anisocronia. De entre as quatro formas fulcrais do movimento narrativo – elipse, sumário, cena e pausa – a última corresponde à extrema lentidão, ocorrendo quando o narrador interrompe o fluir do tempo da história para o intercalar com reflexões ou descrições. Finalizadas estas, o normal curso do tempo cronológico é retomado onde havia sido quebrado.
No romance naturalista, assume um carácter descritivo, visto que se torna necessário traçar um fiel quadro da realidade: ” A sala, nas traseiras da casa, dava para um terreno vago, cercado de um tabuado baixo, cheio de ervas altas e de uma vegetação de acaso; aqui, ali, naquela verdura crestada do Verão; largas pedras faiscavam, batidas do sol perpendicular; e uma velha figueira brava, isolada no meio do terreno, estendia a sua grossa folhagem imóvel, que, na brancura da luz, tinha os tons escuros do bronze. Para além eram as traseiras de outras casas, com varandas, roupas secando em canas, muros brancos de quintais, árvores esguias.” ( Eça de Queirós, O Primo Basílio, pág.16) É de salientar que nem todas as descrições se constituem como verdadeiras pausas. Quando acompanham o olhar das personagens, não podemos falar de interrupção do tempo da história, a acção continua. É o que encontramos no conto O Cavaleiro da Dinamarca a propósito da chegada do Cavaleiro a Veneza: “Na vasta Praça de São Marcos, em frente da enorme catedral e do alto campanário, o Cavaleiro mal podia acreditar naquilo que os seus olhos viam./ Aérea e leve a cidade pousava sobre as águas verdes, ao longo da sua própria imagem. / Passavam homens vestidos de damasco e as mulheres arrastavam no chão a orla dos vestidos bordados. Vozes, risos, canções e sinos enchiam o ar da tarde. […]Era igual às cidades encantadas que as fadas fazem aparecer no fundo dos lagos e dos espelhos.” (Sophia de Mello Breyner Andresen, O Cavaleiro da Dinamarca, pp. 17-19)
Quando o narrador tem uma postura crítica e faz parar o tempo cronológico com as suas intervenções reflexivas, a pausa serve esse veicular de ideologias e de opiniões. Falamos de intrusões do narrador e de digressões. Tomemos, então, a título exemplificativo um dos abandonos reflexivos do narrador de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett: “Bem sei, pois, que é defeito; é será… mas que adorável defeito! […] / Em geral, as mulheres parecem ter no cabelo a mesma fé que tinha Sansão: o que nele se ia, em lhos cortando, cuidam elas que se lhes vai, em lhos desanelando? Talvez; eu não estou longe de o crer; canudo inflexível, mulher inflexível. […] / Enfim, suspendamos, sem o terminar, o exame desta profunda e interessante questão. Fica adiada para um capítulo ad hoc, e voltemos à minha Joaninha.” (pág. 87)
David Crystal, The Cambridge Encyclopedia of Language (1987); G. Genette, Figures III (1972); idem, Nouveau discours du récit (1983); Mieke Bal, Introduction to the Theory of Narrative (1997).
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