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Com o significado de máscara, persona tem estreita ligação com o que, psicanaliticamente, Freud chama de “romance familiar”: os fantasmas de que o indivíduo se utiliza para modificar os seus laços de família, imaginando, por exemplo, ter nascido de pais prestigiosos ou abastados. Em teoria literária, persona tem a ver com uma função da linguagem poética (lírica ou narrativa), através da qual um sujeito empírico delega a enunciação, construindo, assim, a persona poética. Esta vai ter, portanto, uma funcionalidade bastante significativa na redução do estranhamento, a fim de tornar a leitura mais operativa, como produto da expressão de um narrador particularmente abalizado, no caso da narrativa, ou como fator de distinção da voz poética, no caso da lírica.

A persona é, pois, uma convenção que “emoldura” o poema e caracteriza o seu espírito, a partir de sua própria construção: o “eu” é o agente de uma determinada ação, que deverá ajustar-se à concepção desse “eu”, permitindo um desenvolvimento coerente da temática escolhida. Assim, a persona é o “narrador poético” que preenche as exigências temáticas do poema, fornecendo ao leitor o ponto de partida para o trabalho da imaginação.

A persona, como tal, deve ser considerada pelo leitor como um artifício enunciativo, que tem uma função temática. Isso evitará a confusão entre o “eu” do poema e o “eu” empírico de quem o escreve. Como elemento da situação ficcional da enunciação, a persona é muitas vezes considerada um “narrador dramatizado”, pois permite a assunção de papéis (“armaduras simbólicas”) escolhidos arbitrariamente pelo sujeito da escrita, que promove a captação, a seleção e o direcionamento das ações a serem praticadas na narrativa ou no poema. Esta “encenação” enunciativa, advinda da encenação teatral que substituiu a primitiva encenação ritualística, é o que vai permitir a inscrição do ficcional e o estabelecimento dos papéis que cada persona deverá desempenhar no jogo da funcionalidade do texto. A detecção desses papéis, por parte do leitor, vai tornar possível a construção, no processo da leitura, de um “sujeito que fala”, de uma “fonte de expressão”, indispensável ao processo interpretativo, já que o falante empírico é, muitas vezes, dissolvido, ou, no mínimo, deslocado, mesmo que não desapareça por completo.

A persona poética, como “eu” da enunciação, tem, assim, uma função unificadora que evita tanto a interpretação pela via biográfica como a da linguagem funcionando por si mesma, em fragmentos reunidos e ordenados por modelos formais.

{bibliografia}

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