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O poema narrativo caracteriza-se como a manifestação literária em verso na qual se realiza a narração ficcional de fatos ou de ações antropomorfizadas, com traços dramáticos, cômicos ou sérios e pode ser de alcance universal, regional ou local, dada a presença ou a ausência de grandiosidade. Dessa forma, o poema narrativo pode ser classificado como épico, heróico ou herói-cômico.

O épico compõe-se de ações heróicas, realizadas por personagens ilustres, as quais possuem inegável força guerreira, são portadoras de expressivo poder (econômico, religioso) e, invariavelmente, virtuosas. Segundo os tratados de poética, todos esses predicados devem ser vazados em linguagem solene e, para tanto, o verso heróico, ou hexâmetro dactilíco é o mais adequado.

Até os anos 1750, as realizações poéticas circunscreviam-se à obediência de um código retórico rígido, de caráter prescritivo, de forma que a imitação dos modelos consagrados pela tradição era o objetivo a ser alcançado por todo poeta interessado no reconhecimento por seus pares. Dentro deste ambiente estético e ideológico, o poema épico representava um fenômeno de legitimação das regras, valores e costumes de determinada sociedade e respectivo poder.

Enquanto o épico se constitui na narração de um fato grandioso e de claro interesse nacional e social (Os Lusíadas – 1572), o poema heróico é a narração de um fato menos grandioso ou de importância e interesse apenas nacional, como o Caramuru (1781), de Santa Rita Durão (1722-1784). Nestes casos, a diferença reside na abordagem ou amplitude do assunto ou tema objeto do canto épico, pois que no plano estrutural não há diferença a ser apontada.

O poema herói-cômico, por sua vez, caracteriza-se como imitação satírica ou paródica de matéria heróica da epopeia, ao transformá-la em assunto banal, porém mantendo a linguagem sublime e elevada, na sátira; ou, em linguagem vulgar e chula, na paródia. Se no poema burlesco, deuses e heróis são apresentados de forma trivial em linguagem comum, no poema herói-cômico, abordam-se temas comuns e heróis ridículos de modo solene e em tom (linguagem) épico. Ou, dito de outra forma, o gênero trata um sujeito e uma matéria fúteis e ligeiros com tom solene, elevado, na linguagem própria do poema épico. Deste contraste nasce o riso.

No século XVIII, o poema herói-cômico adquiriu conteúdo de sátira social, política, ideológica e anticlerical, e serviu como instrumento de classe para a burguesia criticar o governo absolutista dos nobres e a igreja católica, latifundiária e legitimadora da ideologia oficial.

O poema herói-cômico resultaria da valorização do virtuosismo verbal promovido pelo Barroco, no século XVII, que permitiu, na criação de uma forma nova de sátira, a mescla do burlesco e do épico. O texto inaugural possivelmente se originou na literatura italiana, nomeadamente de Alessandro Tassoni (1565-1635), com o La secchia repta (1622).

{bibliografia}

BOILEAU-DESPRÉAUX, Nicolas. Le lutrin; L’art poétique. Paris: Larousse, s/d; COELHO, J. P. Dicionário de literatura. 3. ed., Porto: Figueirinhas, 1983; HANSEN, João Adolfo. Notas sobre o gênero épico. In: TEIXEIRA, Ivan (Org.) Épicos. (Prosopopéia, O Uraguai, Caramuru, Vila Rica, A Confederação dos Tamoios, I Juca Pirama). São Paulo: EDUSP/ Imprensa Oficial. 2008. p. 18-91; PERRINGER, Alex, and BROGAN T.V.F.. The New Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics. Princeton: Princeton UP, 1993.